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Fotografia: Aitor Amorin & Vanja Gruntar
Publicado a: 14/12/2023

O quinteto britânico estreou-se em Portugal numa quarta-feira bem quentinha e curiosa.

Ishmael Ensemble no Hard Club: nada bate o cigarro do turno da noite

Fotografia: Aitor Amorin & Vanja Gruntar
Publicado a: 14/12/2023

O arquétipo do jazz é das construções que mais tijolos viu ruir nas últimas décadas, tamanhos os projectos que foram alargando as fronteiras do estilo e bebendo um belo trago de electrónica que deu um novo bafo ao género musical. Mas se há coisa em que o jazz “novo” não difere do velho — até porque a idade é apenas um número que te perguntam na hora de comprar tabaco — é que nem a cena vanguardista de Bristol nos tira aquela vontade de puxar um cigarro ao ouvir o híbrido — meio Four Tet, meio trip-hop — de Visions of Light, mais recente LP dos Ishmael Ensemble e que ontem se fez ouvir pela primeira vez ao vivo em Portugal. 

O quinteto encabeçado por Pete Cunningham veio ao Hard Club vincar o que já sabíamos ou fingimos saber na nossa fantasia: que o jazz há muito se cansou de ser conservador — se é que alguma vez o foi —, e a prova disso é que, numa sala curiosa e intrigada com a estreia nacional da banda, se assistiu a um concerto algo “normativo” mas que há uma década atrás nos faria sair da Sala 2 como que acabados de ver a próxima grande cena. (In)justiças do tempo, o mesmo que nos deu novas formas de fumar e de apreciar o jazz.

A verdade é que, num concerto altamente competente e imersivo como só os grandes sabem oferecer, os Ishmael Ensemble foram-nos baralhando o corpo e a cabeça para, ora nos fazer dançar, ora contemplar de olhos fechados o “ping pong” de instrumentos simples que nos fazem a vida soar menos complicada, mas deveras desafiante. Aliás, desafio foi coisa que não foi faltando ao longo de um set onde íamos vislumbrando na luz as sombras de um John Hopkins ou de uns The Cinematic Orquestra, o fantasma de um Brötzmann ou até a silhueta de um Mick Jenkins, tudo condimentado da forma mais simples e uniforme possível num belo cozinhado a pedir o cigarro no final. Qualquer simples cigarro bastaria, mas talvez um eletrônico com sabor a uma fruta qualquer fosse o mais adequado ao tempero do palco. 

A voz de Holly Wellington — vocalista e cada vez mais membra cativa da banda — ia aparecendo e desaparecendo entre músicas presentes e outras revisitadas de discos anteriores, mas até no silêncio sentíamos o seu cantar a aconchegar a sala que o synth e o sax atormentavam, no bom sentido, com uma estranha forma de empurrar a escola de Bristol ao encontro da electrónica — e até do hip-hop. 

Dançou se, contemplou-se e viajou-se… Tudo sem grandes oscilações nem montanhas russas numa viagem que segue agora para a capital — hoje, 14 de Dezembro, no Lisboa ao Vivo — antes de encerrar uma inédita tour ibérica e o ciclo de um belíssimo disco que chega agora ao fim. Puxarão de um cigarro na hora do adeus?

Tal como tem sido hábito das noites da Night Shift, os Ishmael Ensemble atraíram um vasto leque de pessoas — de nítida curiosidade na mais escondida feição do rosto — que vão picando o ponto nos mais diversos happenings musicais da Invicta, mas que dificilmente veríamos juntas na mesma sala, muito menos a fumar o mesmo tipo de cigarro, e que fizeram da noite mais um episódio agregador onde a música comanda a narrativa toda. Afinal, partilhamos todos o mesmo Sol, mas nada se compara aquele cigarro do turno da noite.


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