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Fotografia: Diana Matias
Publicado a: 18/01/2023

A (re)dinamização da cena rock barreirense.

Humana Taranja: “O dia em que tivermos algum tipo de sucesso, de certeza que é por mérito e não por sorte”

Fotografia: Diana Matias
Publicado a: 18/01/2023

Ah, o Barreiro. Que necessidade tem alguém de atravessar o Tejo, 20 e tal minutos por entre ondas (nos piores dias, bem traiçoeiras para ansiosos) de barco, para se deslocar para um local que outrora já foi descrito por Vítor Belanciano, num artigo do Ípsilon/Público, como “dormitório”, “subúrbio”, “cidade de gente cansada que mal dorme e trabalha em Lisboa num escritório”?

O Barreiro, claro está, não é só isso. Nunca foi isso e, mesmo que a gentrificação empurre cada vez mais pessoas para locais como o Barreiro, a cidade localizada na Península de Setúbal continua a viver com o que pode. A cena cultural não é exceção. Por debaixo da “pele”, existe uma epiderme e uma derme que, independentemente das circunstâncias e muito movimentada pelo rock e pela energia DIY (Do It Yourself), arranjam forma de se regenerar e de manter a coisa viva. Aconteceu com os movimentos de pós-punk nos anos 80, alimentados pela vibe industrial da cidade, com os devaneios do rock de garagem dos anos 90 e com a geração pós-2000, eletrizada pela Hey, Pachuco! e pela existência do Barreiro Rocks, festival que se tornou um dos mais acarinhados festivais dedicados ao rock em Portugal até ao seu desaparecimento – corria o ano de 2018.

Apesar do momento triste pelo término do Barreiro Rocks, de certa forma, o que ali aconteceu em 2018 teve o seu quê de poético, com a última edição do certame a oferecer a apresentação ao mundo dos Humana Taranja (e não só – curiosamente, estrearam-se nesse mesmo Barreiro Rocks os ALGUMACENA, também usufruidores de destaque aqui pelo burgo do ReB). E quem são os Humana Taranja, questiona-se o leitor?

Os Humana Taranja são atualmente cinco jovens que, através do Programa Jovens Músicos da Hey, Pachuco!, acabaram-se a juntar numa banda. Começou por ser uma aventura a três, um jogo sem compromisso, entre Guilherme Firmino (o de facto líder da banda; escreve, compõe, canta e toca guitarra), David Yala (guitarra; em palco, nota-se a felicidade de quem faz o que gosta – música; em pessoa, é mais tímido, preferindo deixar o discurso para os seus colegas) e Zektor, outrora vocalista do grupo cuja voz ainda se pode escutar em Demo Tapes – corria o ano de 2019 quando essa primeira amostra da banda foi lançada.

De 2019 para 2023, os Humana Taranja mudaram. Zektor saiu da banda e, no seu lugar, entraram novos elementos. Filipa Da Silva Pina canta e toca teclas, colocando a sua personalidade colorida ao dispor do espetáculo ao vivo da banda. Marta Inverno é dona do baixo, fazendo as ondas mais graves da banda deslizar no espectro do fixe. André Ferreira toca bateria com uma certa pujança, revelando toda a sua energia (e é muita) através do seu instrumento. O que os une a todos, além de uma amizade próxima? Quando começaram, ninguém sabia tocar os seus instrumentos (e se ainda não sabem, disfarçam bem).

Munidos do mesmo espírito DIY que alimentou os seus predecessores, os Humana Taranja, primeiro, refinaram as canções de Demo Tapes no EP Quase Vivos, oficializando, de certa forma, a existência da banda – era 2020. Pandemia. Com esse “evento” a acontecer e com, eventualmente, o começo de organizar eventos com a Hey, Pachuco! e a (re)dinamizar a cena cultural barreirense, aquilo que seria o longa-duração de estreia dos Humana Taranja foi sendo empurrado para a frente no tempo até que, no passado dia 13 de janeiro, Zafira foi lançado.

Antecipado pelos singles “Fado Tropical” e “Destino”, ambos lançados em 2021, e produzido por Suave, Zafira é uma coleção de canções que, em suma, revelam como os Humana Taranja aprimoraram a sua sonoridade e desenvolveram-se como banda. Jogam no campo do melhor tipo de pop – a ruidosa e catártica –, bebem da influência do rock barreirense, do pop rock português dos anos 80 e das vertentes mais rock alternativo que os Linda Martini incutem na sua música. E, pelo menos neste disco, escrevem sobre aquele que é um dos tropos mais explorados pelo rock jovial – o amor (as canções foram escritas por Guilherme entre o final da adolescência e a transição para jovem adulto – damos o free pass, desta vez, para a cornaria por essa justificação plausível).

Para sabermos mais sobre os próprios Humana Taranja, o seu disco de estreia e sobre o estado atual da cena cultural barreirense em torno da Hey, Pachuco!, o Rimas e Batidas sentou-se à conversa com a banda a comer tremoços e a beber poncha no café A Portuguesa, localizado à beira-rio onde tudo começou e onde tudo continua a decorrer para os Humana Taranja: o Barreiro.



Preciso de vos perguntar uma coisa: algum de vocês guia um Opel Zafira?

[Marta Inverno] Não. [Risos] 

[Guilherme Firmino] Mas é bué funny quando vejo um à frente do meu carro. [Risos]

Porque a única coisa que aparece no Google quando se pesquisa Zafira é o carro. Portanto, o que é uma Zafira?

[Filipa Da Silva Pina] A canção chamava-se “Safira”, não era?

[Guilherme] Não, era “Zafira“, com z.

[Afonso Ferreira] Não, “Zafira” vem do apagador!

[Filipa] Exatamente. A canção chamava-se “Safira” originalmente, porque é azul e havia todo um tema com o azul, e depois nós tínhamos, não era bem um apagador, era um limpador, que limpava os vinis, e dizia lá zafira, com z, isto no dia em que gravámos as baterias ainda para a “Safira”. Depois, nós pensámos que, para ser diferente, vamos só chamar à canção de “Zafira” em vez de “Safira”.

E ficou o álbum também?

[Guilherme] Ya, ya.

Qual é o tema das cores que referenciaram aí? A capa do álbum é muito colorida.

[Guilherme] Ya, porque no início, isto tinha um conceito por trás [risos], que ligava muito a uma viagem mais ou menos do interior ao litoral, e Safira – azul, pedra, mar, uma cena preciosa, que envolvesse o mar – e a questão da pedra vinha daí, e depois transformou-se no Zafira, com z, à pala da cena do limpador. Isso foi uma cena inicial que depois perdeu-se completamente, mas ficaram alguns conceitos daí.

Já ouço falar deste disco desde a primeira vez que fui ao Chamem os Amigos [Fest], em novembro de 2021, em que lembro de me terem dito que era suposto ter saído o ano passado na primavera-

[Filipa] [Risos]

[Afonso] Esta história que a Filipa estava a contar, do apagador, de quando gravamos a bateria pela [da “Zafira”] primeira vez?

[Filipa] 3 de agosto de 2019, há quatro anos.

[Afonso] 2019. Nós tivemos um concerto na ADAO, e o Picos estava lá a ver e ele veio ter connosco dizer-nos que tinha curtido bué [da “Zafira] e para no dia a seguir ir-se gravar. Eu tinha de tirar o dente do siso, estava ali a morrer a mamar Benurons, e ele gravou aquilo e nunca mais tocámos nessa gravação. Eu morri para nada! Depois gravou-se tudo de novo.

Estamos a falar aí de meados de 2019 e o disco só sai agora em janeiro de 2023. Como é que foi o decorrer desse processo todo até Zafira ser lançado ao mundo?

[Guilherme] Horrível, horrível, não recomendo. [Risos]

[Filipa] Acho que foi também por termos, de certa maneira, acesso ilimitado ao estúdio onde ensaiamos e íamos sempre atrasando as gravações. Como estamos ali sempre que queremos, podemos gravar sempre que queremos. Se calhar, se tivéssemos certos horários para estar lá, tínhamos que arranjar as coisas mais depressa, e talvez ter mais motivação para lançar. Foi um pouco por aí, também, acho eu.

[Guilherme] Para completar o que ela disse, não é bem acesso ilimitado que a gente tem. Ou seja, se a gente quisesse ir agora lá gravar, era complicado, mas como a gente faz parte da Hey, Pachuco!, que é quem toma conta do estúdio, tínhamos o benefício de podermos usar o estúdio para gravar. Só que depois, à pala de termos essa responsabilidade da Hey, Pachuco! e tudo mais, havia bué coisas que se metiam à frente, e depois só podíamos fazer aos fins-de-semana, depois afinal haviam lá bandas a ensaiar ou a gravar, depois afinal não podíamos ir naquele fim-de-semana. Então, era sempre bué complicado.

[Filipa] E também porque entretanto gravamos o Quase Vivos.

[Guilherme] Sim, e ainda apanhaste a pandemia.

[Marta] Isso também impediu de gravarmos mais cedo e avançar com a cena. 

[Guilherme] Nós queríamos acabar o Quase Vivos antes de começar a fazer estas, mas estas também já existem há muito tempo. Só que por causa da cena do outro EP, que é o Demo Tapes, em que era eu, o Yala e o Zektor [vocalista original dos Humana Taranja] na altura, a gravarmos aquilo no quarto, para ser o início da banda oficial, tinha que ser com aquilo [o Quase Vivos].

[Marta] Mas eu acho que no Demo Tapes eu e a Filipa ainda chegamos a gravar em tua casa.

[Guilherme] Ya, coros. Mas era bué sem compromisso.

[Afonso] Aliás, há músicas que saíram neste álbum agora, no Zafira, que-

[Guilherme] São dessa altura.

[Afonso] Nós tocámos no primeiro concerto a “Nunca”. Aliás, quando gravámos o Quase Vivos, achava que essa música ia sair, mas eles disseram que afinal não.

Isto era 2019 ainda, certo?

[Afonso] Ya. Há músicas [no Zafira] com quatro, cinco anos.

[Guilherme] Na boa, algumas se calhar até com mais.

[Marta] A “Fado [Tropical]” também já é bué antiga.

[Afonso] Sim, mas essa já é das “novas” músicas, estás a ver?

[Marta] Sim, mas mesmo assim, é bué [antiga].

[Afonso] A “Nunca” sempre existiu, desde o primeiro concerto.

[Guilherme] Mas isso até é fixe, porque as influências foram evoluindo e foram adaptando as músicas para coisas novas.

[Afonso] Sim, [a “Nunca”] é uma música completamente diferente agora, já deu a volta.

A primeira gravação da “Nunca” ainda existe?

[Guilherme] A primeira gravação?

[Afonso] Existe uma demo, acho eu.

[David Yala] Eu nem sei se tenho isso. Se tiver, está para lá no PC.

[Guilherme] Deve estar para lá.

[Afonso] Eu tenho uma memória engraçada de estar em casa do Gui, que ele tinha uma bateria eletrónica roubada a um puto [risos] –

[Marta] Não foi furtada!

[Afonso] Foi emprestada e nunca devolvida!

[David] Nós tentámos.

[Guilherme] Fomos três vezes deixar a bateria! Aquilo é pesado.

[Afonso] Mas isso foi na altura em que o Gui disse-me para ir tocar bateria e eu não sabia tocar bateria. Então, lembro-me de estar em casa dele a tentar tocar a “Nunca” e não conseguir, e partir-lhe a bateria-

[Marta] Que não era a dele!

[Afonso] Sim, que não era dele. [Risos]

Bem, espero que essa pessoa não leia esta entrevista! [Risos]

[Guilherme] Ele agora toca trompete ou saxofone, uma cena assim.

[Afonso] Fun fact: um bocado dessa bateria agora faz parte da fechadura de um estúdio novo. Precisava de um bocado de metal e peguei num bocado de metal dessa bateria – e fiz. Isto não é o caminho normal para um álbum? Eu acho que é.

[Guilherme] Está tudo interligado. [Risos]

Vocês já andam a tocar algumas destas canções desde 2018/2019. Qual é a vossa relação com esse material? Algum alívio em finalmente colocar estas faixas cá fora?

[Guilherme] Bué.

[Marta] Definitivamente.

[Afonso] Acho que já estamos todos fartos dessas músicas. Por um lado, é bom sair, mas por outro lado, eu só queria o próximo álbum, que já o temos também quase feito.

[Marta] E nós já tocamos músicas do próximo álbum ao vivo.

[Afonso] A parte triste é que sei que quando nós gravarmos esse álbum já vou estar farto dessas músicas, porque já vai haver as músicas do álbum a seguir. Então, isto é um processo infinito de tristeza.

[Marta] Mas por um lado também foi bom termos tocado tanto estas músicas ao vivo, porque ajudou a consolidar as músicas que estão agora no disco.

[Guilherme] Depois de ter visto o Nick Cave, fiquei com uma cena… O concerto tem que ser uma cena diferente. Agora, sinto-me mais preparado para focar-me no aspeto do concerto ao vivo para ser uma experiência diferente, porque conheço as músicas quase demasiado bem. Então, dá para parar, enganar-me, estar ok com isso e não estar nervoso. 



Quando os Humana Taranja começaram, isto era um projeto do Guilherme – quase sem compromisso – e depois isto foi-se transformado na banda que está aqui hoje. Como é que o vosso processo de criação se alterou com isso? Ainda são as ideias do Guilherme a base ou já é uma cena conjunta?

[Guilherme] Antigamente, acho que era mais eu do que eles, mas continua a cena de eu fazer as músicas em casa e depois passamos para a sala de ensaios e as coisas ficam com um filtro diferente.

[Afonso] Há uma diferença. Continua a ser o Guilherme quem escreve as músicas, mas no início, era, ele trazia e era mesmo cópia. Tu ouvias o que estava na demo e nós tocávamos isso. Agora, já não é bem assim. Ele traz e não tens tanto de seguir o que está lá, podes inventar um bocado. Mesmo agora, quando foi para fechar bateria, que era a parte onde eu estive mais presente, houve músicas que nós, para a gravação, alterámos completamente como tocávamos antes. Senti um input mais criativo nisto tudo e, de certeza, que agora mais para a frente vai ser cada menos ele. Continua a haver a letra e a ideia geral da música, mas depois-

[Guilherme] Esse é o objetivo, pelo menos. Não sei, mas para mim, pelo menos, faz mais sentido assim num projeto de banda… Já tive outra banda e era grande caos quando toda a gente estava a criar ao mesmo tempo [risos], e assim um tem o trabalho de criar a cena e o resto tem o trabalho de fazer o upgrade. Se não, acabas a fazer jams de 50 minutos e depois são jams de 50 minutos, estás a ver? Não são canções.

[Afonso] A cena é essa, tens alguma coisa para te agarrares. Quando está tudo a tentar criar uma coisa do zero, toda a gente tem uma ideia diferente do que é que quer. 

Claro que isso varia de banda para banda.

[Guilherme] Sim, sim, claro. Isto é da minha experiência. Sei de pessoal que faz o contrário.

[Afonso] Também tens o aspeto crucial que nenhum de nós sabe o que é que está a fazer. [Risos] Nenhum de nós sabe tocar, nunca ninguém aqui teve aulas de música. Nós os três [Afonso, Marta e Filipa] começamos a tocar o instrumento por causa da banda.

[Marta] Eu e a Filipa ao início só cantávamos, só depois é que começamos a aprender a tocar.

[Afonso] Eu tocava guitarra e o Gui disse-me para ir tocar bateria e eu, “’tá bem”. 

[Guilherme] Ele é engenheiro, ele safa-se. [Risos]

[Marta] Na altura, não era! [Risos]

[Afonso] Mas foi tudo muito por tentativa-erro. Gravar o que uma pessoa tocava para não te esqueceres do que tinhas feito para o próximo ensaio, cenas assim.

Há aqui todo um espírito DIY [Do It Yourself] por trás da banda…

[Guilherme] Não sei se é por a gente vir do Barreiro, que tem toda a cena garagem DIY ou da Hey, Pachuco!, mas ya, sem dúvida. Nenhum de nós teve lições formais nem nada disso. Ninguém teve na escola do jazz.

[Afonso] Ou escola de música, no geral. Eu tenho uma perspetiva de vida que é, se alguém consegue fazer, tu também consegues fazer. Tens os mesmos braços e as mesmas pernas. Pode não ficar tão bem feito, mas vais chegando lá, e é um bocado por aí. Nós também temos a sorte de ter acesso ao material, e na parte das gravações, o Gui tem formação nisso, e a malta vai-se desenrascando. Depois, também não temos dinheiro para não o fazer assim, portanto! [Risos] É uma escolha que não é uma escolha.

[Marta] É DIY forçado. [Risos]

[Afonso] É mesmo entre isto ou nada. Eu estava a comentar com ele [Guilherme], que se não fosse o Programa de Jovens Músicos [da Hey, Pachuco!], a banda não existia, porque nós nunca na vida, sem tocarmos, sem nada, íamos alugar um estúdio. Se calhar, agora, se ficássemos sem sala de ensaios, sim, mas na altura, nunca na vida. 

[Guilherme] Nem tínhamos dinheiro para isso, na verdade.

[Afonso] Agora também não temos. [Risos]

[Guilherme] Mas agora é mais tranquilo. Se tivéssemos que alugar uma sala de ensaios, dava, e o pessoal já consegue comprar coisas. Antigamente, quando éramos mais putos, a gente não tinha dinheiro para nada. Eu estava na luta para ter 5€ no final da semana para ir comer bolos com este gajo [David], e agora? Agora olha para onde a gente está. [Risos]

Falaram aí do Programa de Jovens Músicos da Hey, Pachuco!, que fez com que vocês tocassem na última edição do Barreiro Rocks, em 2018. Esse foi o vosso primeiro concerto?

[Filipa] Sim.

Quão nervosos estavam antes desse primeiro concerto?

[Guilherme] Bué.

[Filipa] Eu não me lembro. Acho que nunca estive nervosa. [Risos]

[Marta] Eu lembro-me de estar bué e nós as duas só estávamos a cantar.

[Filipa] Sim, mas como nós andávamos no coro, tínhamos alguma experiência, mas isto era diferente. Éramos só cinco, e no coro éramos tipo 20 ou 30.

[Marta] Ya, era bué diferente.

[Afonso] Eu estava bué em pânico porque nós tocávamos há quê, 3-4 meses? E eu lembro-me de sentar-me na bateria e a primeira música começava sem bateria – só entrava a meio – e ele [Guilherme] estava a cantar e lembro-me de pensar que não me lembrava como aquilo começava.

[Guilherme] Same! [Risos]

[Afonso] Foi um pânico tão grande. E foi mau. Foi um concerto horrível, muito mau.

[Guilherme] E está na Internet. Nessa altura, ainda tínhamos o Zektor, que nos salvou. 

Está na Internet? [Risos]

[Guilherme] Está na Internet.

[Filipa] Mas acho que os confettis no fim não está na Internet.

[Guilherme] Acho que está só uma música ou duas.

Este Zafira parece rodar muito em torno de um dos tropos mais cantados do rock, que é o amor. Vocês falaram que a “Nunca” foi logo tocada no primeiro concerto, e lá, o Guilherme canta “Nunca mais hei de escrever uma canção de amor”, mas depois todas as canções do disco – ou seja, as que escreveste a seguir – são todas muito sobre o amor. É o amor e desamor que move a escrita desta banda?

[Guilherme] No Zafira, ya. Agora as novas, não, à exceção de uma ou duas, mas é num contexto diferente, pelo menos. O Zafira foi escrito quando eu tinha 16-17 anos. Aquilo é a pura efervescência de adolescência total, drama e dor, estás a ver?

[Filipa] O Gui era muito profundo. [Risos]

[Guilherme] Era horrível! Ter 16 anos é horrível. E este álbum é muito sobre as minhas primeiras experiências amorosas. Não uma só, mas as várias.

[Marta] Foram muitas, estás a ver? [Risos]

[Guilherme] Foram muitos desgostos, ok? [Risos] O Zafira rodou à volta disso, mas depois a partir daí, comecei-me a fartar um bocado de canções de amor e comecei a ter outras influências e a pesquisar outros temas. O próximo álbum tem muito mais a haver com saúde mental, por exemplo.

[Afonso] E corrige-me se estiver errado, mas a “Nunca” foi escrita para ser a última música deste álbum. Não é a última, é a penúltima, mas a última não é bem [uma música] – aquilo é só caos.

[Filipa] Sim, porque o disco começa com bué esperança que algo resulte e depois é o processo de chegar à “Nunca”, que é o tal “Nunca mais hei de escrever canções de amor”.

Então de onde é que surgiu a “Tum Tum”?

[Afonso] A “Tum Tum” existe porque a música é “tum, tum, tum, tum”, mas não sei de onde é que ela surgiu.

[Filipa] Chamava-se “Minha Razão” e estava lá para o meio, mas depois decidimos fechar com ela.

[Guilherme] Exato, porque a “Tum Tum” fazia parte da “Estrela Polar”, que era uma música de 10 minutos. Mas depois fiquei a achar que aquilo não era uma canção, era uma treta qualquer e dividi. A “Tum Tum” é suposto ser um homem ou um rapaz que estava bué frustrado com uma madame [risos], e aquilo era tipo a resposta da senhora, ela a dizer-

[Marta] É por isso que a Filipa canta essa música. É a resposta da senhora.

[Guilherme] Exato.

[Filipa] E há uma canção que não saiu, que era a “Festas Populares”, que ia ser um interlúdio, ou uma canção inicial, era só um instrumental.

[Afonso] E não saiu por uma razão muito válida, que é esquecemo-nos todos que ela existia. Eu lembro-me de mandar para o grupo a perguntar por é que não a gravámos e toda a gente ficar – “Ah, pois foi”. [Risos]

[Guilherme] Fica para o próximo. [Risos]



Há um tweet sobre a vossa banda que diz o seguinte: “Os Humana Taranja não podiam ser mais Linda Martini nem que se quisessem”. Vocês concordam?

[Afonso] Quem me dera.

[Marta] Quem. Nos. Dera.

[Filipa] Acho que talvez no próximo álbum isso venha a confirmar-se um bocadinho mais, porque a maior parte desta banda é super fã dos Linda Martini. Então, sim, é uma influência. Mas acho que isso se nota mais no álbum seguinte do que neste.

[Guilherme] E ao vivo. É só daquelas bandas que – pelo menos, para maior parte da banda [risos]-

Quem é a pessoa que não gosta?

[Filipa] Eu gosto! Só simplesmente não vou a todos os concertos possíveis, como eles vão.

[Guilherme] Tipo o Afonso.

[Afonso] Só porque eu fui a oito concertos dos Linda Martini o ano passado, estão a dizer que…? Só porque agora em fevereiro vou fazer Lisboa/Porto em dias seguidos?

[Guilherme] Este homem trabalha para ser groupie dos Linda Martini.

[Afonso] É o meu traço de personalidade. [Risos] Já agora, se alguém estiver a ler, dêem-me boleia para o Porto, obrigado. 

[Marta] Bem, o meu baixo está também assinado pela Cláudia [Guerreiro]…

[Guilherme] É verdade. E o Afonso comprou uma guitarra do André Henriques. Mas é só isso.

[Afonso] Só isso? Eu acho que isto chega ao ponto onde é doença. [Risos]

Quando conversei com os ALGUMACENA, o Alex [D’Alva Teixeira] disse-me uma coisa que, na altura, me fez logo pensar em vocês, sobre a Gen Z gostar daquilo que quer e não quererem saber das barreiras entre géneros. Isto é algo com que vocês se identificam? 

[Guilherme] Ya, sem dúvida.

[Afonso] Especialmente desde que me dou mais com eles.

[Guilherme] Eu tenho ascendência brasileira e desde puto que ouço pagode, forró, coisas assim. O Yala tem ascendência angolana e tenho a certeza que tem bué influências daí também. 

[Afonso] Quando era adolescente, era aquele puto estúpido que achava que a melhor música que já foi feita tinha sido feita nos anos 80. Depois cresci. Mas dar-me com eles, e mesmo a cena da Pachuco, acho que tenho contacto com um montão de coisas que se calhar, se fosse sozinho, não chegava lá. E agora adoro.

[Marta] E há bué artistas portugueses que nós trouxemos cá, ao [Chamem os] Amigos e à Sala 6 e tudo mais, que nos deu a conhecer outros tipos de música, e acho que isso é bué fixe.

[Afonso] Há música boa em todos os estilos.

[Guilherme] Desde que não seja aborrecido, está tudo bem.

[Afonso] Ou que não seja cópia de outra coisa.

Queria falar convosco sobre a “Fado Tropical“. Além de ser uma favorita minha do disco, ela tem uma curiosidade interessante para mim. No Spotify, ela tem uma quantidade elevada de streams – mais de 30 000 – mas eu sinto que, apesar disso, não existe uma tradução desses números para o mundo real, ou seja, fãs que vos seguem, que vos ouvem. Enquanto banda, como olham para o “sucesso” dessa faixa? Teve algum impacto na vossa carreira enquanto banda?

[Filipa] Isso aconteceu porque ela estava numa playlist, a Indie Lusitano.

[Guilherme] Ficou lá bué tempo. O sucesso, pelo menos para mim, não sei o resto, é daqui a 5 anos estares a fazer música na mesma, estares a dar concertos, e eu tenho como objetivo pessoal tentar viver disto no futuro. Esses sucessos esporádicos não me dizem muito. A gente teve bué concertos com ninguém. Ver 50 pessoas, como vimos agora no Barreiro da última vez que tocamos cá, para mim, é bué fixe. enche-me o coração. Acho que isto é uma maratona, não é um sprint.

[Marta] O facto dessa canção ter tantos streams é muito porque estava naquela playlist. Nos concertos e assim, isso não se reflete. Não vão aparecer 30 000 pessoas. Nós vemos aquilo, é bué surreal, e ficamos “Heya, bué gente está a ouvir a música”-

[Guilherme] Eu pessoalmente ignoro bué.

[Marta] Mas como nos concertos isso não se traduz, é meio indiferente. Mas é fixe as pessoas ouvirem.

[Afonso] Também porque, quando nós lançamos isso, não tínhamos o resto. O que estava lá eram cenas antigas. Tinhas aquilo mas não tinhas mais nada para chamar. Depois entretanto saiu a “Destino“, que também tem quantas?

7 000, acho eu.

[Guilherme] Para aí, ya.

[Afonso] Prontos. Não havia cena para agarrar e [o que estava lá] acaba por ser um bocado diferente daquilo que temos lançado, mesmo em termos de qualidade. Acho que é fixe, mas acho que não é para olhar muito para aí.

Perguntei isto no sentido de 30 000 ser muitas, mas depois 50 pessoas num concerto é um número muito inferior. E 30 000 numa faixa é mais do que muitas bandas da cena alternativa portuguesa têm.

[Guilherme] Não tinha assim tanta noção disso.

[Afonso] Por acaso lembro-me, não foi quando tinha 30 000, mas quando a “Fado Tropical” tinha 20 e tal mil, de andar a ver que havia bandas, que acho muito melhores que nós e que eu admiro, que têm músicas com menos, e de repente estás a tentar perceber o que está a acontecer. Mas mesmo isso aí em si é um chamamento para a realidade de que só tem a haver com as playlists, não tem obrigatoriamente a ver com fãs ou qualidade. Porque tens bandas que enchem as salas todas que não têm isso e tu sabes que as pessoas gostam porque enchem salas.

[Filipa] É o algoritmo.

[Afonso] Olha, os Baleia [Baleia Baleia], que foram tocar a Paredes de Coura. Eles não têm-

[Guilherme] Ou [The] Dirty Coal Train, que se fores ver ao Spotify, não têm assim muitas plays

O Zafira foi produzido pelo Suave, figura muito associada à Hey, Pachuco!, associação cultural e editora atualmente muito ligada à vossa banda. Que papel teve ele na construção do álbum?

[Guilherme] Ele foi bué importante a limpar as ideias. Ele já tem bué experiência e tem uma consciência, não é do que as pessoas queiram ouvir, mas é aquilo que é importante, estás a ver? E isso foi bué bom para conseguirmos deixar lá o essencial. Como as músicas são bué antigas e já estavam bué formatizadas, não dava para melhorar muito mais do que já estavam, mas acho que ele deu uma última pincelada que deixou as coisas muito mais engraçadas, na minha opinião.

[Afonso] Já para não falar em tudo o resto, nos conselhos não tão ligados ao álbum. Nós, sem o homem, não éramos nada.

[Guilherme] Exato, de indústria e tudo mais.

[O Suave] Funciona como figura paternal para vocês?

[Afonso] É o nosso pai musical.

[Guilherme] Nós no estúdio temos uma cena que é o filho do mês, com fotos nossas.

Isso não é real.

[Marta] É bué bom, é real. [Risos] Há fotos disso. Mas ya, ele ajuda-nos em tudo, até a dar-nos a plataforma da Hey, Pachuco! para a podermos trabalhar e organizar os eventos.

[Afonso] Quando começámos, ninguém tinha instrumentos. Eles [Gui e David] tinham as guitarras.

[Guilherme] Mas a minha primeira guitarra foi a do Afonso. Eu ainda não tenho amplificador, por exemplo, e toco com dois agora.

São da Pachuco?

[Guilherme] Não. Um é do André [Amado, guitarrista e vocalista dos Walter Walter] e outro foi emprestado/dado pelo Picos.

[Afonso] Lembro-me de uma das primeiras vezes que estávamos lá a ensaiar no estúdio… Aliás, nem estava com vocês, estava no Programa de Jovens Músicos com outra malta, e lembro-me que fiquei chocado quando ele abriu-nos a porta para o estúdio e só disse: “Toquem”. E bazou. Deixou-nos sozinhos no estúdio com milhares de euros em equipamento e eu fiquei: “Então, mas este gajo confia assim as cenas às pessoas?”. Ele é essa pessoa. Também tem os seus momentos de foder paredes [risos], mas a confiança que ele nos dá, mesmo com a associação, que aquilo é uma grande parte da vida dele… Ele confiou-nos isso, por isso, grande pai.



O Barreiro tem uma rica história ligada ao rock, desde os tempos dos Soberano Veste Chanel ou Rocócó, nos anos 80, passando pelos Gasoleene nos anos 90 até à geração ligada à Hey, Pachuco e ao Barreiro Rocks. Sentem alguma pressão para, de alguma forma, serem vocês os próximos a carregar a tocha do rock barreirense?

[Marta] Não, de todo. [Risos]

[Filipa] Não! Até porque eu sinto que no Barreiro as pessoas que curtem da nossa música são as pessoas que nos conhecem. Não há um público que não se dê connosco que não conhece a nossa cena, acho eu.

[Guilherme] Houve um ali um momento, mas acho que agora já não é tanto, porque a gente se calhar também conhecemos mais pessoas do Barreiro agora, em que sentia mais apoio de pessoas que vinham do outro lado [da Margem] do que necessariamente daqui. Isto agora tem a ver com-

[Afonso] Mas espera aí. Uma coisa é malta da nossa idade não saber, outra coisa é a malta da Pachuco, que sempre foram-

[Guilherme] Ah, sim, mas esse pessoal sempre apoiou, mas são mais cotas. O apoio deles é sempre mais limitado porque-

[Filipa] Têm uma vida além do rock. [Risos]

[Marta] Relativamente a isso da pressão, acho que não, de todo. Nós só estamos a fazer a nossa cena, a curtir, e pronto, acho que é isso.

[Afonso] Andamos sempre naquele equilíbrio de tentar fazer cenas jovens e novas, mas puxar também um bocado os cotas, para eles continuarem por aqui. Essa malta velha, do rock, da Pachuco, é tudo gente impecável.

[Guilherme] Há bué tempo que nos damos com esse pessoal, tipo o Fast Eddie [Nelson], o Picos, esse pessoal todo, porque eu, o Yala, o Afonso, íamos ao Barreiro Rocks-

[Afonso] Éramos os 5 putos do Barreiro Rocks. É que éramos literalmente nós. Éramos nós e gajos com 30 anos.

[Guilherme] Exato. Então, o pessoal conhece-nos de vista, nem que seja daí. Há pessoal que conheci o ano passado, que via sempre nos concertos do Barreiro, e havia esse contacto visual, mas nunca tinha falado com ninguém. É bué funny porque agora conheço toda a gente. Mas a comunidade musical, do garage, sempre nos incentivou a fazer as cenas. Acho que o que faltou foi depois do outro lado, estás a ver? Nunca tivemos muitos amigos nossos a vir às nossas coisas. Eu também não tenho muitos amigos [risos], por isso não sei, se calhar é isso o problema.

[Marta] Mas agora os nossos concertos são os nossos amigos.

[Guilherme] Mas é uma cena engraçada porque, no início, a gente não tinha ninguém nos concertos.

[Filipa] Como todas as bandas ao início, diga-se. [Risos]

[Guilherme] Acho que é a evolução natural para nós, especialmente quando temos cenas para lançar há 5 anos.

Pelo que percebi, então, vocês estão agora a tomar conta da Hey, Pachuco!, e entre os eventos organizados na Sala 6 e o Chamem os Amigos Fest, têm trazido uma nova vida à cena cultural barreirense. Que desafios têm encontrado nesse processo?

[Afonso] Quanto tempo é que tens, mesmo? [Risos]

[Marta] Tem sido muito bom, tem sido muito fixe, mas tem sido muito complicado devido à falta de apoios. Temos feito o Chamem os Amigos com o dinheiro que fazemos das edições anteriores. As últimas foram diferentes, mas a maioria foram assim.

[Afonso] Ninguém ganha dinheiro com o Chamem os Amigos. A associação ganha dinheiro, que paga a renda, e nós às vezes até gastamos dinheiro. 

[Marta] As bandas era à porta, mas é sempre complicado porque não tens bem controlo das pessoas que vêm. “Será que vem muita gente? Será que vem pouca gente?” Então, ao mesmo tempo que tem sido bué gratificante fazer estas coisas, é bué difícil, bué complicado. Mesmo nós mantermo-nos positivos para continuar, é complicado. 

[Guilherme] É bué desmoralizante e às vezes o pessoal toma como garantido o esforço que a gente faz – e a gente esforça-se bué, mesmo. Trabalhar na cultura é horrível. É bué fixe, vais ver bandas que gostas, estás a trabalhar com pessoal que curtes bué, mas… E a equipa dos Chamem os Amigos éramos nós mais três ou quatro pessoas-

[Afonso] Que são todos amigos nossos.

[Guilherme] Sim, e era sempre um ambiente fixe. Havia alguns stresses de vez em quando, mas era sempre bué tranquilo.

[Marta] Também é “fácil” continuar porque é uma cena que a gente gosta e damo-nos todos bem a fazer e é bué fixe conhecer malta nova e trazer pessoal que nós gostamos. 

[Afonso] Sim, trazer artistas que tu gostas aqui, falares com eles. É bué fixe.

[Guilherme] Mas meu deus, as dores de costas.

[Afonso] Mas era bom que, ao final de um ano e de não sei quantas edições, tivesses alguma coisa que não só felicidade.

Essa questão dos apoios, o Suave deu uma entrevista em que falou do fim do Barreiro Rocks porque a câmara do Barreiro cortou os apoios e era ele que já estava a meter o seu próprio dinheiro sem retorno. No caso do Chamem os Amigos, que apoio é que podem ter os fundos públicos num projeto como este?

[Guilherme] A câmara apoiou as nossas três últimas edições.

[Filipa] Apoio monetário. Antes, era só com cartazes.

[Guilherme] Mas mesmo quando nos dão apoios, nunca são suficientes para refletir o trabalho da equipa. Porque há festivais por aí que não têm equipas que a gente tem – e a gente já está no limiar, se a gente tivesse menos uma pessoa, já estávamos na merda -, e o dinheiro que supostamente nos conseguem oferecer não justifica as oito pessoas que estão cá a trabalhar para fazer isto acontecer. Não justifica as bandas que vão lá tocar porque darmos cachês à porta é bué ingrato.

[Afonso] E o dinheiro que veio dos apoios não ficou nada para nós. Começámos a oferecer cachês fixos, começámos a oferecer cachês mais altos, conseguimos trazer bandas mais conhecidas, como os Baleia Baleia Baleia. Gastamos o dinheiro e não ficou nada para nós.

[Guilherme] A cena é essa. Há ajudas e apoios, mas nunca é o suficiente para que as coisas sejam bem feitas, estás a ver? Ficas sempre naquela de que vais estar ali três dias a trabalhar bué, a ficar sem costas e tal, e vais receber, se calhar, no máximo 50€ no final do dia. Será que compensa? Não. [Risos]

[Afonso] E não é um dia. Isto são semanas de trabalho. É pôr cartazes, é fazer booking. E é engraçado, porque nós chegamos ao fim de uma edição, com apoio ou sem apoio, praticamente com a mesma quantidade de dinheiro.

[Marta] Não justifica o trabalho que se tem antes, o trabalho que se tem no dia, montar, desmontar.

[Afonso] Para estas coisas funcionarem, tem de haver um investimento assim maiorzinho inicial, e depois daí, conseguir construir alguma coisa. Deram-nos dinheiro, mas esse dinheiro nem deu para tapar os buracos todos. Conseguimos comprar material que já estava mesmo a morrer, conseguimos oferecer dinheiro às bandas que não fosse à porta, e mesmo assim, havia coisas que ficavam a faltar. Mesmo os cachês, houve montes de bandas que não vieram porque o cachê não era suficiente. 

[Guilherme] E houve montões de bandas que vieram porque conheciam o Picos e sabiam que o pessoal era fixe e tratamos-lhes bem, e aceitaram o cachê mais baixo por causa disso.

[Marta] Mas por isso é que ainda é mais frustrante, acho eu, porque as pessoas que vêm gostam bué, mas depois… Aqui, a distribuição dos apoios não é feita de forma igual. Isso é ainda mais frustrante. Eu sei que, se tivéssemos mais apoios e mais dinheiro, nós conseguíamos fazer a cena evoluir ainda mais e ia ser ainda melhor.

[Guilherme] Trabalhar na cultura aqui em Portugal, numa cena mais alternativa, como é a nossa, significa trabalhar com apoios públicos, porque não dá para fazer de outra forma. Não tens massa crítica no Barreiro, ou se calhar, até em Lisboa, para fazer um Chamem os Amigos, como fazíamos, todos os meses com três bandas.

[Afonso] É o que eu estava a dizer no outro dia ao Guilherme, que é, tanto para os Humana como para a Hey, Pachuco!: o dia em que tivermos algum tipo de sucesso, de certeza que é por mérito e não por sorte. 

A Pointlist, em Évora, com o Black Bass, ou a MALFEITO, em Fafe, são dois exemplos fixes de associações que têm apoios públicos e estão a dinamizar, a trazer malta jovem, para a cena alternativa nesses spots. Têm esse objetivo também?

[Guilherme] Ao início, tínhamos dois objetivos com o Chamem os Amigos. Primeiro, e sempre, era conseguir pagar a renda do estúdio onde ensaiávamos, e segundo, era criar algum tipo de movimento no Barreiro, jovem, tal como existia antigamente (ainda que seja impossível de replicar porque antigamente tinhas os baby boomers todos). Tu sais à noite no Barreiro e não vês pessoal da nossa idade, estás a ver? Vai tudo para Lisboa, ou para outros sítios, ou fica tudo em casa. Não vês pessoal em concertos.

[Afonso] Antes da Sala 6, não havia mesmo nada. 

[Guilherme] 2022 foi um ano de a gente insistir para ver se aparecia pessoal. Chegou a aparecer algum pessoal, mas ainda não é suficiente para criar um movimento como deve ser.

[Afonso] Depois tens aquela cena, que é, fazes uma edição, como foi a última, uma espécie de mini-Barreiro Rocks e aparece 250 pessoas.

[Marta] Mas é só cotas. [Risos]

[Afonso] Pois. Se calhar não vale a pena insistir na cena jovem quando, se fizeres para os velhos, os gajos vêm e gastam todos 10 vezes mais em cerveja.

Que projetos têm em mente para ajudar com essa renovação?

[Guilherme] Nós agora vamos meter o Chamem os Amigos um bocado para o lado, porque a gente só faz isso se tivermos dinheiro. [Risos] Mas a gente agora tivemos orçamento europeu para fazermos um novo Programa Jovem Músicos. Não se vai chamar isso, mas vai ser algo similar. E vamos ter assim várias coisas que é para pessoal mais jovem ver o que é fazer música e entrar no ambiente, ou pelo menos, ter uma forma de entrar no ambiente, que era uma cena bué complicada quando a gente entrou. O Barreiro Rocks era uma cena escondida na cidade e que o pessoal novo não fazia ideia que aquilo existia. A gente agora quer tentar construir essa ponte para trazer esse tal pessoal jovem que, supostamente, existirá no Barreiro.

Com Zafira cá fora, o que se segue para os Humana Taranja? Já falaram aí num novo álbum que está quase completo.

[Guilherme] Olha, antes de vir para cá, estava a acabar de escrever uma música sobre isso.

[Afonso] Concertos, concertos.

[Marta] Tentar apresentar o disco.

[Guilherme] Quer dizer, já andamos a apresentar o disco desde o primeiro concerto. [Risos]

[Marta] Mas agora é apresentar de outra forma. É diferente as pessoas já conhecerem as músicas todas. Queremos bué ir tocar ao norte, queremos ir tocar a Évora… Acho que com as cenas novas é mais fácil para o pessoal ter uma noção do que é que nós somos, acho eu. Mas ya, queremos tocar muito agora, ensaiar, e tentar gravar o próximo disco, para ver se não demora tanto tempo a sair como este.

[Guilherme] Eu estou a planear começar as gravações no verão deste ano.

[Afonso] Portanto, em 2027 sai, que eu ouvi esta conversa em 2019. [Risos]

[Guilherme] Mas a gente já toca três ou quatro músicas novas ao vivo agora.

[Afonso] Mas eu acho que, e respondendo à pergunta, o que se segue para nós é continuar neste limbo infinito de não ter dinheiro para viver mas continuar a drenar, gastar o dinheiro todo em cerveja e depois teres de trabalhar durante três meses para teres dinheiro e depois é isto até aos 40 anos, quando acabas a deprimir e a trabalhar no Continente.

[Guilherme] É esse o exemplo que queres dar ao teus filhos? [Risos]

[Afonso] Tu achas que eu vou ter filhos?

[Guilherme] Sei lá.

[David] Com esse ritmo, não. [Risos] 

Edição física?

[Guilherme] Pá… Dinheiro.

[Marta] Se o pessoal quiser muito.

[Guilherme] Nós temos que investir em merch e tudo mais mas não somos ricos.

[Afonso] Eu gostava bué de ter uma edição física, mas depois fui ver os preços. E imagina, há um armário lá no estúdio, que é o armário de álbuns que não foram vendidos, e são caixas e caixas. 

[Guilherme] A gente tem um bom exemplo do que não fazer. Portanto, a gente está naquela de vamos tentar ter pessoas nos concertos primeiro e depois começar a vender cenas porque a gente não tem muito dinheiro.

[Marta] Só para ficar lá arrumado, não vale a pena gastar dinheiro.

[Guilherme] Prefiro fazer as coisas devagarinho, sem estar a gastar balúrdios logo à partida e depois não vês esse dinheiro a voltar, porque somos pobres e precisamos de ter essas partes on-check, estás a ver? Do que vale estar a investir bué dinheiro e depois venderes 10 álbuns para aqueles 10 amigos que curtem bué? A gente nem sabe muito bem como é que estamos em termos de fãs e tudo mais, estás a ver? Vamos ver se justifica em termos de números, acho eu.


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