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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 21/09/2022

Sentir na pele.

ALGUMACENA: “Queríamos que esta banda tivesse a mesma transversalidade da música que nós ouvimos diariamente”

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 21/09/2022

A comunidade. Um local aparentemente seguro, onde o estado ou a qualidade das coisas inerentes a um conjunto de indivíduos, todos aparentemente diferentes, se unem numa só unidade que, quando bem oleada, permite a constante redescoberta do indivíduo enquanto ser e do universo que o rodeia a si e aos outros elementos desse grupo. Estas relações, que podem parecer simplistas quando postas por palavras, são (por natureza) complexas e, muitas vezes, a comunidade oferece os seus próprios obstáculos — e o que são relações sem obstáculos? Uma utopia desnaturada apenas. Mas, como se diz na gíria popular, a união faz a força e a coexistência em comunidade oferece sempre resultados esperançosos e, também, positivos. 

De certa forma, é por tudo o que de bom e complexo pode ser associado ao conceito de comunidade que a música e mestria dos ALGUMACENA, a nova banda formada por Alex D’Alva Teixeira (D’Alva) e Ricardo Martins (Jibóia, Adorno, Lobster, Fumo Ninja – só para citar uma pequena porção do seu ecléctico e extenso currículo), revela tanto sobre a comunidade que pretendem criar e incitar: inclusiva, diversa, complexa. No seu curta-duração de estreia intitulado de Que Te Tira O Sono À Noite, lançado na passa sexta-feira (16 de Setembro) e produzido pelo duo e por Bruno Xisto, os ALGUMACENA não perdem tempo em mostrar ao que vêm. A sua música, como uma comunidade, surge de vários pontos diferentes – o punk, o pós-hardcore, o hip hop, o rock alternativo – para os misturar num cocktail de pujança em que a bateria crua de Ricardo comanda as operações, os riffs da guitarra de Alex estremecem o espaço que ocupam e os seus vocais fazem-nos querer gritar em direcção a uma revolução cujo resultado só pode ser um: o coletivo que, unido, jamais será vencido.

Ao vivo, os ALGUMACENA estendem-se. Não em número de pessoas em palco, mas em sonoridade. Mantêm a pujança, mas aumentam o factor do inesperado, mas sem nunca perder a sua nuance interventiva. Foi isso que aprendemos na passada quinta-feira (15) no B.Leza, local onde decorreu a festa de apresentação de Que Te Tira O Sono À Noite. Além disso, a festa, ao contar com a presença de Marinho, com o seu indie folk enternecedor e belo, e dos Hetta, banda de hardcore do Montijo que editou este ano o excelente Headlights, mostra, em primeiro lugar, algo mais sobre a comunidade que os ALGUMACENA pretendem instigar e, em segundo lugar, sobre a paleta sonora do duo – aqui existe espaço para tudo. Não importa os extremos do som alcançados, sejam estes um drone etéreo ou um noise rock potente, nasce sempre um espaço onde nos podemos libertar sem rodeios de julgamentos por parte de outros. No B.Leza foi assim e, certamente, no futuro também o será – quem quiser um cheirinho dos ALGUMACENA, tem já a oportunidade de os ver na próxima edição do Super Bock em Stock.

Para aprendermos mais sobre a dupla e para descobrirmos o que incita à sua criação musical, o Rimas e Batidas sentou-se à conversa com os próprios na passada quarta-feira (14), numa sala do HAUS, após os seus ensaios para o concerto de apresentação do EP.



Vocês os dois já se conhecem há algum tempo. Como é que acabaram por surgir os ALGUMACENA?

[Ricardo Martins] Acaba por ser aquilo que nós dizemos sempre, mas é verdade [risos]. Nós sempre que nos encontrávamos falávamos um bocado em fazer alguma cena juntos, e fizemos [risos].

[Alex D’Alva Teixeira] É isso sim. Essa é a versão resumida. A versão longa… O Ricardo tocava numa banda que se chamava Adorno, com o Bráulio Amado, com o Óscar Silva, também conhecido como Jibóia, e mais uma malta fixe, e acho que a primeira vez que os vi tocar foi algures em 2015 e lembro-me que a minha vida nunca mais foi a mesma. Eu estava a começar também a tocar nas minhas primeiras bandas, e eles tinham uma abordagem à música de guitarras e ao pós-hardcore muito única. Nunca tinha visto uma banda como a deles, fiquei logo super fã e comecei a seguir o Ricardo por outras bandas Lobster, Cangarra – e uma vez houve uma festa, acho que foi em 2011 no WOT New, que já não existe, e era a festa da Coronado, que é um colectivo que também já não existe, e foi aí que eu tive coragem de [dizer], “curtia bué de fazer uma cena contigo”. E ele, “ya, bora fazer alguma cena”. Passado muito tempo só em 2015 , é que fomos para umas garagens na Bobadela, e depois passado muito mais tempo-

[Ricardo] Para aí três anos depois, 2018-

[Alex] Ya, porque foi tudo muito espaçado. Acho que foi em 2018 ou 2019 que tocámos no Barreiro Rocks… foi em 2018. 

[Ricardo] Foi assim a desculpa perfeita. “Pronto, olha, temos este concerto, agora bora trabalhar nisto”. Já tínhamos curtido sempre que nos tínhamos encontrado para tocar e assim obrigámo-nos a fechar ideias.

[Alex] Exactamente. Eu no ano anterior [em 2017] já tinha mandado uma mensagem para o Suave (ou Nick Nicotine, como lhe queiras chamar) e era bué: “Olha, tenho esta banda nova, sou eu e o Ricardo, curtia bué de tocar no bar do Barreiro Rocks”. E em 2017 ele disse, “o cartaz está fechado, desculpa, mas arranjamos maneira de virem ao Barreiro”. No ano seguinte, uns meses mais cedo, eu disse, “tenho esta banda nova e curtia bué de tocar no bar do Barreiro Rocks”. Ele veio ver a banda e disse “ok, mas vocês tocam no palco principal”. Ele nunca ouviu nada, veio a um dos nossos ensaios e ficou “ok, vai ser fixe”. 

[Ricardo] Desde então tem sido regular. Gravámos o disco, que já está gravado há um bom bocado, mas, entretanto, aconteceu-nos aquilo que a gente sabe que nos aconteceu e, pronto, agora faz todo o sentido.

[Alex] Não sei se vais chegar aí, entretanto, mas o disco [o EP] está gravado desde 2019. 

Eu ia perguntar isso! Porque o vosso primeiro concerto foi em 2018, no Barreiro Rocks, e depois em 2019 abriram para os Glassjaw e ainda tocaram no Zigurfest ou no Indiegente, mas só quatro anos depois [desse primeiro concerto] é que surge o EP.

[Ricardo] É isso. Foi a pandemia e achamos que era tempo também de tomarmos atenção às nossas saúdes, a nós, aos nossos amigos, às pessoas que gostamos.

[Alex] E não só desculpa interromper-te. Para mim, é muito óbvio eu fui muito egoísta. Eu sabia que esta banda é uma banda que tens de ver ao vivo para perceber a energia e aquilo que nós fazemos. O EP dá-te uma experiência, mas acho que é uma experiência mais estética e artística. Ao vivo, é uma coisa mais crua e completa, e eu queria que o EP saísse quando as pessoas tivessem a oportunidade de ver ao vivo. Foi mesmo essa cena. Também, por outro lado, numa altura em que estávamos todos fechados em casa, a bater mal eu próprio não passei nada bem nessa altura e se calhar não era a melhor altura para as pessoas estarem a ouvir estas canções. Agora que já vivemos o Verão e voltámos à nossa normalidade, se calhar agora podemos pensar em coisas mais introspectivas que tiram o sono à noite. [Risos]

Há uns meses, quando falei com o Jimmy [Pedro Feio] dos Fugly na altura do lançamento do último disco deles, o Dandruff, ele disse-me algo semelhante, que se não pudessem tocar ao vivo não valia a pena lançar.

[Alex] É rock’n’roll e só faz sentido se tiveres a partilhá-lo com pessoas no mesmo espaço. Acho que foi muito importante para nós não só os concertos que mencionaste, mas também termos tocado em outros clubes, outros contextos, até porque o Ricardo toca com Pop Dell’Arte e com bandas maiores que esta, eu também com os D’Alva toco em contextos que são palcos maiores, e para mim também foi importante voltar a uma cena mais underground e perceber, “ok, isto é outra realidade, isto faz-se de outra forma”, e lembrar-me de onde viemos.

Esse primeiro encontro entre vocês nessa garagem em 2015 foi onde começaram a surgir as maquetes do EP já? Ou isso só aconteceu mais tarde?

[Ricardo] Sim, foi. Aliás, a primeira música dos concertos é a primeira coisa que fizemos juntos, vem tudo daí. Eu acho que nunca se mandou assim nada fora, só olhamos e trabalhamos mais as ideias. Muitas delas de coisas que o Alex já tinha até, demos, e trabalhámos a partir daí.

[Alex] Na verdade, não. Acho que só houve uma em que eu trouxe uma ideia de casa. O resto tudo surgiu na sala de ensaio.

[Ricardo] É super fixe. Ainda hoje [14], depois de tocarmos o set, começámos a tocar ideias e pá, sei lá, é avalanche, não é? Comunicamos muito bem e isso é super fixe. 

[Alex] Começámos a ter ideias, por acaso eu gravei demos e depois trabalhámos ainda mais em cima disso. Depois tocámos ao vivo, ensaiámos muito, e só depois é que fomos gravar.

O vosso EP conta com influências de vários estilos, como o pós-hardcore, punk, hip hop ou rock alternativo. Como é que foi pegar nesse caldeirão ao longo do processo e ir colando as coisas? Foi algo natural?

[Ricardo] Foi super natural. Acho que é uma conversa que temos, sem prisões, e vamos deixando as músicas a revelar-se de alguma forma. Não temos don’ts vamos só trabalhando. Se nos parecer bem, se nos soar bem, está bem. Acho que é um bocadinho por aí. Falamos muito musicalmente, e também falamos muito fora do âmbito da sala de ensaio, e acho que essa comunicação ajuda a criar. Ainda há bocado [no ensaio] se calhar fizemos duas ou três ideias que passaram por mundos musicais completamente diferentes, se calhar até um bocado distantes, mas que de alguma forma faz algo sentido.

[Alex] Para mim, houve coisas em que eu fui muito intencional. Querer explorar influências de hip hop, r&b, soul, gospel, porque o rock’n’roll tem origem na cultura negra e, durante muitos anos, as pessoas esqueceram-se disso e agora existe uma série de artistas afrodescendentes e afro-americanos que estão a querer reclamar essa cultura de volta. Então, para mim foi muito intencional eu querer fazer algo onde eu pudesse ser manifestamente preto e queer num contexto do hardcore, do rock, do punk. Acho que para mim punk rock é eu poder ser essas coisas todas e bater o pé e poder reclamar espaço nesse contexto. Então, fui muito intencional em querer fazer uma espécie de combinação de vários géneros musicais que, à partida, tu não vês funcionarem juntos, mas que felizmente conseguimos fazer de uma forma bem-sucedida [risos]. Não sei, no início não foi fácil porque eu venho de um universo sónico completamente diferente do Ricardo. O Ricardo até mesmo tecnicamente é muito mais habilidoso do que eu [risos] somos um bocado os White Stripes ao contrário, um baterista que toca muito bem e um guitarrista que não toca bem, é muito por aí , mas aqui é fixe ver como é que estas duas pessoas se encontram no meio e conseguem fazer as coisas funcionar.

Sobre esse cruzamento dos vossos diferentes universos sonoros, foi algo em que me pus a pensar logo ao início. O Ricardo com Adorno ou Lobster são bandas de pós-hardcore, math-rock, e tu obviamente com os D’Alva. Mas os D’Alva, por exemplo, têm também influências de emo e pop punk.

[Alex] Tanto eu como o Ben [Monteiro] em D’Alva, antes de fazermos essa banda, era isto que fazíamos. Estávamos em bandas de punk eu estava numa banda que era mais metal , mas eu com a minha irmã mais nova tinha uma banda de emo e queríamos ser os Paramore ou os My Chemical Romance, e o Ben tinha uma banda de punk rock. Ainda tentamos fazer uma cena pós-hardcore juntos, mas depois percebemos que não gostávamos só de Radiohead e Underoath, também gostávamos muito de Spice Girls então porque não fazermos aquilo que nos apetece e deixarmos de tentar ser cool. Ou seja, todas essas influências ainda vão estar para sempre naquilo que fazemos.

Estavas a falar também da ideia de reclamar o lado queer e negro do rock e do hardcore, e isso deixou-me a pensar no último disco dos Soul Glo, [o Diaspora Problems] que reclama muito esse espaço, tanto pela heritage, como pelo activismo. Vocês têm essa vertente também.

[Ricardo] Sou muito fã desse disco também! É grande disco.

[Alex] Eu acho que o Ricardo sempre teve – permite-me não falar por ti, mas falar sobre ti.

[Ricardo] Estás à vontade. [Risos]

[Alex] O Ricardo tem tendência a não ser aquela pessoa que vai debitar coisas para a Internet – não vai fazer aquele activismo de teclado –, mas tem opiniões e uma postura muito vincada e, à partida, quando tu o conheces, sabes claramente no que é que ele acredita e as coisas que ele defende. Nesse sentido, acho que ele, por pertencer desde sempre ao universo do punk rock e do hardcore, sempre foi mais activista do que eu. Estas músicas surgem numa altura em que eu me descubro activista – eu sou brasileiro, tenho nacionalidade brasileira – e quando existe esse candidato à presidência brasileira, que neste momento é presidente – e em Outubro eu vou votar noutra pessoa –, e aí senti que, “ok, só pelo facto de eu existir, há pessoas que não gostam de mim e a minha vida está em risco só porque eu sou uma pessoa queer num corpo negro”. Depois eu percebo que a minha existência é política. A partir do momento em que existência é resistência, isso é política. Tudo é político. Se calhar a forma como nós nos relacionamos, isso é político.

[Ricardo] Claro. Aquilo que fazemos é um acto político. Tudo aquilo onde estamos envolvidos de alguma forma, quer seja uma coisa em que tu és super vocal em relação a, ou não, tem sempre essa onda. Eu acho que sim, concordo contigo. Fez muito sentido e das nossas conversas, não musicais, também fez todo o sentido que a banda tivesse esta característica. Mais uma vez, também acho que foi feita com uma normalidade muito grande. As coisas que dizemos, as coisas que fazemos, reflectem aquilo que somos.

[Alex] Para mim faz sentido porque toda a música que eu sempre fiz é sempre uma resposta emocional, e essa reacção política veio também de um lugar muito emocional. É uma coisa que veio de dentro, e não uma coisa de fora – não é uma coisa de fora para dentro, mas de dentro para fora. Não te sei explicar, mas acho que consegues entender a ideia.

O punk e o hardcore têm na sua base a ideia de comunidade. O progressismo e a inclusão fazem parte do seu ethos. Com vocês a irem buscar coisas a esses estilos, acho que faz sentido também essa vossa abordagem.

[Alex] Ya, mas não sei, para mim é um bocado – e agora isto vai parecer uma tangente. Mas apesar de termos esses valores e de termos essas influências, para mim, eu não nos considero uma banda de punk ou uma banda de hardcore. Lá está, acho que o rock é um género com tantos sub-géneros lá dentro que dá para fazer tanta coisa e, para mim, essa é a coisa fascinante do rock’n’roll . Acho que vais perceber isso no concerto, que é, tanto podemos abrir uma música [sempre] a abrir, como também podemos ter literalmente um beat trap, e tudo isso faz sentido e tudo isso é rock’n’roll. Os drones do Ricardo também.

Houve muito trap na última década que foi influenciado pelo emo, por exemplo.

[Alex] Ya, ya, sem dúvida.

O Lil Peep, por exemplo.

[Alex] Sim, ya, ou o [XXX]TENTACION. Eu nessa altura estava a ouvir imenso o Life of Pablo – nessa altura ainda gostava do Kanye [risos].

Uma coisa que me chamou logo à atenção logo no single [“Não Chega”], e depois na totalidade do EP, é o som de bateria – é muito cru, trouxe-me à cabeça algo como Shellac. Por exemplo, na “Urgente (Mas Sem Pressa)”, nota-se bem isso. Como é que foi pensar o som de bateria para o EP?

[Ricardo] Foi bué importante e uma das coisas em que nós pensámos muito. Algo muito importante para este EP foi, depois de estar gravado, toda a parte de produção, toda a parte de busca sónica – de somas analógicas, de passares delays de fita por voz, a bateria tem sempre um bocadinho de distorção na tarola. Há uma série de coisas que vamos fazendo e que vamos processando as peças. Por acaso, na bateria a lógica era que ela soasse com muita força e acho que o que tu estavas a falar dessa parte mais crua da bateria vem um bocadinho daí, daquela tarola que não te soa a uma tarola acústica. Já está um bocadinho modificada, já está afinada muito grave – não vou full nerd [risos] – mas tem essa cena de ela já não ser uma tarola como tu estás habituado, se calhar, a ouvir num registo musical mais assim. Pá, a referência a Shellac é brutal ,não é? O Steve Albini, a forma como ele pensa som, claro, incrível. Mas foi tudo pensado mesmo… Nós passámos uns bons dias ainda a fazer somas e a passar vozes por delay.

[Alex] A questão é que para mim passou tão rápido. Nós estivemos três dias no estúdio, acho eu?

[Ricardo] Ya, foi bué rápido. Imagina, desses três [dias], eu lembro-me que se calhar no último o Alex já estava a gravar vozes e eu estava a processá-las ao mesmo tempo.

[Alex] Exactamente, exactamente.

[Ricardo] Ou seja, existiu essa coisa de já se estar logo a pensar em som. Um universo musical só fica completo quando tu pensas como é que ele é desenhado sonicamente. Super props ao Bruno [Xisto], que fez isto connosco e que é super importante. Cada vez mais nas gravações, já não consigo não pensar nele, e aqui também nos ajudou imenso a chegar aos sítios onde queríamos. Até naquela coisa de não haver ideias demasiado malucas. Nós íamos sugerindo coisas, processamentos, e ele alinhava sempre. Isso ajuda-nos muito.

Agarrando no que o Ricardo falou sobre os vocais do Alex e delays, é algo que também se nota ao longo do EP – soam anthemic, muito presente. Aqui é um pouco a influência do rock alternativo a surgir?

[Ricardo] Está lá, claro. 

[Alex] Obviamente, está lá. Nós ouvimos tanta coisa diferente e essas coisas vão todas permear aquilo que nós vamos fazer, e como não nos impomos limites, tudo é válido. Para mim, a parte mais fascinante foi eu estar a gravar voz e o Ricardo estar já a processar a minha voz com pedais. Há imensos delays que é o Ricardo a mexer nos botões e a ligar e desligar coisas.

[Ricardo] Fita, não é? Fizemos monte de modulação com fita em tempo real. Há aquela parte que tu dominas, mas, por outro lado, também é uma coisa analógica, que às vezes responde-te de maneiras que tu não estavas à espera. Às vezes, quando ouvimos – e até há pouco [tempo] conversamos sobre isso –, ainda encontramos coisas de uma fita que, de repente, foi parar lá e deu reflexo de uma coisa qualquer. É super fixe também porque nós fizemos muita pouca limpeza. Não foi aquela coisa do, “Ah, agora vamos limpar pistas de bateria, agora vamos limpar pistas de baixo”. Deixámos isso, aí sim, muito cru, para que exista um noise de fundo nas coisas. 

[Alex] Lá está, não está perfeito, mas acho que também [não é suposto]. Para mim, foi muito importante ter ido gravar ao Black Sheep. Há um lado quase de fanboy nisso, em que imensas bandas que ouvi na minha adolescência gravaram lá, inclusive bandas do Ricardo, e de repente eu estava super contente. “Wow, agora é a minha vez, eu estou aqui”. É um estúdio que te permite tirar partido daquilo que o digital tem de melhor, mas também tem muita coisa analógica. Este EP não ia ter este som se não fosse gravado no Black Sheep.



Todo esse cruzamento de sons e a pujança da vossa música também me deixou a pensar. Como é que é, por exemplo, estar em cima de palco e cantar uma música como a “(Mas) Ele Não”?

[Alex] Acaba por ser um dos pontos mais altos. Eu foco muito na forma como as pessoas reagem àquilo que estamos a fazer. Enquanto as outras canções são muito sobre o eu, eu, eu, esta é aquela que é sobre o eu, mas também é um eu que pode agregar mais pessoas. Acho que de todas as canções, essa é aquela que as pessoas acabam por se rever mais – se calhar porque também partilham dos mesmos valores. Há um lado com essa canção – a letra varia ligeiramente ao vivo [risos], dependendo do meu estado de espírito. Foi uma coisa que nós até debatemos muito sobre isso. Lá está, qual é a sensação? Uma coisa tão crua, consegues dizer aquelas coisas com uma convicção, sei lá, muito forte. Não te sei descrever.

[Ricardo] Os dias também influenciam imenso, não é? Acho que é isso. Tu tens uma resposta emocional àquilo que tu estás a fazer, e além disso, também tens um feedback. Há dias que é nesses momentos do concerto em que nós nos descontrolamos e que se calhar passamos alguns limites musicais. Entramos em partes mais noise ou entramos em partes mais violentas esteticamente porque também nos está a afectar de outra forma. Ou seja, essa resposta é bué importante.

Se o público responder com a energia, com a intensidade necessária, ainda mais.

[Ricardo] Tu sentes, claro. Eu acho que há muitas formas disso acontecer e há aqueles dias em que tu está a tocar e tu sentes que a sala está a respirar contigo, e quando tu estás num momento mais intenso, também sentes que a sala está tensa, e quando estás num momento mais de ar e de delay bonito, de parte cantada, também sentes que a sala está a respirar de outra forma – está mais leve. Então, isso é super importante. Tu respondes sempre a isso. Uma coisa que eu acho bué fixe também de sermos dois é os concertos serem sempre adaptados ao que está a acontecer porque também têm montes de sítios onde não estão fechados, que estão feitos exactamente para nos deixarmos ir e trazermos liberdade às músicas.

[Alex] Eu nunca fui do jazz [risos]. Nunca estudei jazz nem nada nem nunca toquei em ensembles jazz, mas há uma coisa que eu adoro, que é o improviso, e o facto de ter crescido numa igreja evangélica e de ter tocado durante muitos anos numa igreja evangélica ensinou-me muito sobre aproveitar esses momentos e sentir. Como somos só duas pessoas, como só sou eu e o Ricardo, nessa altura é mesmo um diálogo – estamos a falar um com o outro apenas com os nossos instrumentos. Recentemente, eu tive a oportunidade de começar a fazer performance art, com a Grada Kilomba, e percebi que, muitas vezes, a metodologia é exactamente igual àquilo que nós fazemos em palco. É um diálogo, é contar uma história em que, sei lá, em vez de estares a falar com o corpo, falas com os instrumentos, ou em vez de falares com palavras, falas com instrumentos. É mega engraçado porque tu nunca sabes o que é que pode surgir aí. Houve concertos em que eu comecei a cantar Pablo Vittar no meio das nossas músicas.

[Ricardo] Aliás, nós temos algumas malhas que já têm espaço para ser o que é naquele dia. É mesmo fixe. 

[Alex] Sim, sim. Hoje [14], estávamos a tentar falar sobre isso – “O que é que fazemos naquela parte?”.

[Ricardo] “Vamos deixar ir”. 

[Alex] Vamos ver o que é que acontece.

[Ricardo] Ya [risos]. No último concerto até tocámos uma malha de D’Alva.

[Alex] Pois foi. Houve um concerto em que tocámos uma malha de D’Alva, houve um em que tocamos Da Weasel também. 

Essa troca de ideias entre público e artistas eu acho que, num contexto de música mais “pesada”, é extremamente importante porque justifica o input de ambos. Por exemplo, eu fui a Paredes de Coura e vi Turnstile, e aquilo foi muito libertador pelo diálogo entre banda e público.

[Alex] Ya. Como é que hei-de responder a isto? Turnstile é muito semelhante a tantas outras bandas que são referências para mim. Para mim, se calhar Turnstile é mais referência para D’Alva do que para esta banda [risos]. Mas, para mim, nesta banda, há outras referências. O Ricardo gosta bué de The Armed. Enquanto estávamos a fazer este disco eu estava obcecado pelos Oathbreaker. Antes de 2022, nós gostávamos muito muito dos Daughters. Na minha cabeça, quando iniciei esta banda, eu queria que fosse uma banda que tu consegues ver a tocar no Barreiro Rocks, mas consegues ver a tocar no Amplifest ou num festival de Verão como, sei lá, um Super Bock ou um Alive. Lá está, queríamos que esta banda tivesse a mesma transversalidade da música que nós ouvimos diariamente.

Sobre o “Não Chega”, o vosso primeiro single, não consegui deixar de reparar que na “In Media Res” há lá um sample do refrão dessa música. De onde é que surgiu essa ideia?

[Alex] O EP tem uma data de brincadeiras. A primeira e última música têm nomes semelhantes, mas descrevem, na minha cabeça, um movimento, e todas as canções são uma frase. É sempre, tal como o título [do EP], “Alguma cena… qualquer coisa”. Sempre que lês “alguma cena”, o que vem a seguir é sempre uma frase. Esse interlúdio, na verdade, foi uma sample de um disco de Placebo, o Sleeping With Ghosts. Eu não me lembro do ano em que saiu, mas lembro-me que, na altura, tinha o meu primeiro computador. Era um computador de torre e não tinha quase nada. Ainda tinhas aquele Windows Media Player com aqueles gráficos que nós ficávamos só a ver aquilo-

[Ricardo] Era hipnotizante!

[Alex] Exacto, exacto. E uma coisa que eu fazia muito… Eu não tinha nenhum programa de edição de áudio, mas o Quicktime Player dava para meteres música em reverse, e eu lembro-me de meter uma música de Placebo em reverse e ficou com aquele som. Lembrei-me disso e agora, passados não sei quantos anos, uma década ou mais, fui aproveitar isso. I don’t know, achei que fazia sentido com a canção.

[Ricardo] E é muito fixe, esses interlúdios vêm todos de sítios diferentes, há um beat que vem do Ben-

[Alex] Esse só existe ao vivo!

[Ricardo] Pois é, é verdade. Mas não interessa, esse vem do Ben, há um beat que vem do Bráulio, há um beat que vem de Papaia, que tem a voz do Bráulio, mas que eu fui samplar e mexer. Então, há um bocado essa coisa de irmos buscar música para modificar, e esses momentos acabam por existir, na realidade, para servir o concerto. Depois, também faz todo o sentido isso existir no disco.

A cena com Placebo e esses outros jogos que vocês fizeram com os samples é muita fixe.

[Alex] Ya, é isso. Basicamente, se tu meteres – acho que é a “Protect Me from What I Want” – em reverse, a intro da música é o que tu ouves nesse interlúdio [“In Media Res”].

Ainda nesse caso dos interlúdios, o disco faz o movimento — como disseste — entra a “Emerge” e a “Imerge”, e a “Imerge” é uma faixa de drone. Soa-me como se fosse a calma depois da tempestade. Foi com esse propósito?

[Ricardo] Há uma cena muito libertadora no drone. Eu sempre que estou a fazer uma coisa muito extrema a nível sónico… parece que, às tantas, tens assim uma experiência fora do teu corpo de alguma maneira. Acho que sim, que é libertador. Acho que quando chegas ali a um threshold e o ultrapassas a partir daí só estás a sentir som. Isso ao vivo também é muita fixe porque com subs, com amps com muito volume, essas coisas todas são super importantes quando estás a fazer essas partes. 

[Alex] Eu concordo completamente.

[Ricardo] Porque é muito aéreo, não é?

[Alex] Quando nos vires ao vivo, vais perceber que aquilo que nós fazemos também tem uma componente experimental. Eu sou super fã do Ricardo, do que ele faz a solo e eu sempre quis fazer música experimental e drone. As pessoas conhecem-me mais por fazer pop, mas também fico muito facilmente impressionado por pessoas que fazem música extrema e que está fora dos padrões.

[Ricardo] Essa ideia, esse pequeno excerto [a “Imerge”] já existia, e foi só trabalhar com isso. Synth modular, passar som por lá, e um bocado reagir. Também tem essa coisa – mais uma vez, em full nerd – de poderes agarrar numa ideia musical, passares por um synth que é bué físico, pelo menos da forma como eu interajo com ele. São sliders e são knobs de uma forma muito física e então acho que isso também passa para a malha.

Vocês em 2019 abriram para os Glassjaw. Como é que correu essa experiência?

[Alex] Eu fiquei mega surpreendido. Nós ouvíamos Glassjaw na adolescência – para mim e para o Ben, nós ouvíamos bué, era grande influência. Eu lembro-me perfeitamente, acho que ainda estava no 9º ou no 10º ano, e a minha vizinha, que era a minha melhor amiga, mostrou-me Glassjaw e eu adorei. De repente, passado tanto tempo, eu vi um cartaz, “wow, eles vêm a Portugal, curtia bué que ALGUMACENA fizesse a primeira parte”, e há um dia em que recebo um telefonema e perguntam-me: “Achas que era fixe ALGUMACENA fazer a primeira parte [para Glassjaw]? Vocês curtiam?”, e eu “claro, conta connosco”. Depois soubemos que, ainda por cima, iam os Ash is a Robot, que eu gosto bué. Acho que o Cláudio Aníbal é dos melhores frontmans que este país tem.

[Ricardo] Além de ter o nosso João Descalço.

[Alex] Exactamente, o João Descalço, que faz os nossos vídeos, é baixista dessa banda, e então foi tipo uma reunião de família. Foi muito louco, porque éramos todos os amigos a comer pizza e estavam lá os Glassjaw.

[Ricardo] O concerto foi uma energia brutal, e podemos estar tipo a falar todos e a passar um bom bocado. Foi mesmo fixe.

[Alex] Mas, para mim, a melhor parte, para além de ter conhecido os Glassjaw, foi que o baixista [a tocar com Glassjaw] foi de Taking Back Sunday. Tu não estás a perceber! Eu gosto bué de Taking Back Sunday, e ele foi o baixista que gravou os meus dois álbuns favoritos de Taking Back Sunday, e ele vem ter comigo [e diz-me]: “Tu és daquela primeira banda, não é?” – “Ya”. “Pá, estava a soar bué bem, eu fui lá ver. Mas não há baixo, é só uma guitarra?”, e ele “Don’t change it, keep it that way”. Eu fiquei, “ok, estou a fazer uma cena bem”. Se o baixista dos Taking Back Sunday diz que esta banda não precisa de baixo, então está tudo certo. 

Quando existe oportunidade, é fixe que hajam bandas portuguesas emergentes abrir para bandas estrangeiras?

[Ricardo] Acho que sim, acho que é sempre fixe. Devia ser sempre assim até. Gerar assim mais um bocado de diálogo. Não sei se não acontece muito…

[Alex] Acho que já aconteceu mais. Também ultimamente acontece muito o fenómeno de, muitas vezes, as bandas já trazerem consigo outras bandas.

[Ricardo] A tour já vem fechada.

[Alex] Mas há um lado óptimo. Geralmente, as pessoas pensam que vai ser bom para a banda local que vai abrir porque essa banda estará exposta a mais público em se calhar, um público mais velho ou que não teria acesso a música underground vai conhecer uma banda nova e vai passar a ser fã. Mas eu acho que muitas vezes as bandas podiam pensar que o oposto pode acontecer. Houve uma vez em que fui ver uma banda do Ricardo abrir para uma banda holandesa, os GGGOLDDD, e eu não conhecia a banda – só conhecia de ver anúncios no Instagram com o artwork e com fotos, e fui dar uma chance. Fui ver a banda do Ricardo e a seguir fiquei para ver essa banda e, pá, passado pouco tempo, eu só ouvia a música dessa banda. Eu mandei vir merchandising dessa banda, fiquei mesmo super investido.

[Ricardo] Acho que é super fixe gerar esse encontro e isso devia de acontecer sempre, basicamente.

[Alex] Sim, mas devia acontecer muito mais, e tenho pena que não aconteça.

[Ricardo] Sim, claro. E até gerar tours e oportunidades de tour. Não sei, acho que, dessas conversas, esses concertos, essas experiências que também vem esse desejo de, “olha, vamos viajar”. É importante.

O Alex estava a falar à pouco que queria que os ALGUMACENA fossem uma banda que pudesse tocar no Amplifest, no Barreiro Rocks, mas depois também num festival de Verão. Isto fez-me pensar nos Turnstile, que foram headliners em Paredes de Coura depois de terem “explodido” com Glow On em 2021. Situações como a dos Turnstile podem gerar espaço para bandas de punk e hardcore em Portugal chegarem a mais público, de ir além do nicho?

[Ricardo] Acho que sim. Ou seja, tu às vezes vês aquelas bandas que te mudam um bocadinho a trajectória daquilo que estás a ouvir. Numa situação, num festival, com muito muito público, com certeza isso pode ser potenciado, não é? Malta que se calhar ouvia outra coisa qualquer, de repente dispõe-se a uma realidade musical que pode ser mais extrema ou mais underground e, de repente, há ali engrenagens que começam a rodar – acho que sim. Da mesma maneira como tu juntas bandas portuguesas com bandas de fora essa comunicação vai gerar – provavelmente – mais concertos desse género, eu diria que aqui é igual. Se tu juntas bandas um bocadinho mais extremas num festival que tem uma abrangência muito grande, vais ter mais público para bandas mais undeground

[Alex] Eu já estive assim experiências assim que foram muito “fora”. Lembro-me que uma vez estava no NOS Alive e não conhecia uma banda que se chama Drenge, e aquilo era grunge. Mas era um grunge assim muito puxado. Eu não estava à espera de estar no NOS Alive, ainda por cima no palco Clubbing, a fazer moshpit. É uma banda que, na altura, era mais pesada que IDLES – entretanto a banda foi evoluindo, etc. Mas vou-te dar o exemplo desta banda [de ALGUMACENA]. Sempre que mostro a nossa música a amigos, as pessoas ouvem e têm uma reacção do género – até pessoas que não ouvem rock e não gostam de rock –, “huh, pensava que isto ia ser mais pesado, pensava que isto ia ser mais difícil ou mais inacessível”. Acho que também depende muito da predisposição, se tu ouves a música sem uma ideia pré-concebida. Acho que, no nosso caso, até a ideia pré-concebida acaba por ser uma cena fixe porque as pessoas estão à espera de uma coisa super abrasiva, ultra pesada, e acho que não chegamos aí sequer. Eu acho que temos alguma intensidade mas não, sei lá, não somos uma banda de black metal.

[Ricardo] É super fixe falarmos destas coisas porque nós falamos muito, mas falamos de tantas outras coisas e, às vezes, estas perguntas são engraçadas, até para nos fazer pensar sobre coisas que não tínhamos pensado. A ideia de que forma é que um festival grande afecta o público é uma coisa que, se calhar, eu não penso todos os dias, não é? [risos] Aquela energia de um concerto num clube pequeno, para malta que vem ouvir a banda e faz parte de um grupo de pessoas e partilhamos todo um momento e respiramos todos aquela energia, é uma coisa que gostamos muito e que nos é muito próxima e, às vezes, essa tradução para um universo com uma abrangência diferente… tu vais e vais — e dá super pica e é fun –, mas também é outro mundo. É curioso que fizeste-me essa pergunta e com certeza vou pensar nisso ao longo do tempo. Sempre que se ouve música ela tem uma reacção, em qualquer sítio, e aí há de ter uma reacção maior, como é evidente.

[Alex] Há coisas que são surpreendentes. Imagina, a terra onde eu cresci tem um festival bué conhecido, o Moita Metal Fest, e não é normal uma banda como More Than a Thousand estar nesse festival, e eu fui lá ver essa banda. Houve uma edição em que tinha Quartet of Woah!, e eles não são necessariamente metal, mas fez muito sentido ali. O Paredes de Coura teve Turnstile. Na minha cabeça, nunca faria sentido Turnstile num festival como Coura, mas funcionou. Acho que foi em 2018 ou 2019, há uma banda que são os Ho99o9, que à partida, também é uma banda daquelas [que não faria sentido].. Ou, então, Touché Amoré no Primavera, Converge no Primavera. Ou seja, acho que hoje em dia essas linhas já se estão a esbater tanto… Eu noto que o pessoa Gen Z – eu sou millennial – e noto que as gerações seguintes quase não querem saber qual é o género de música. É tipo, “se eu gosto disto, eu ouço”, ponto. Essa coisa de nos separarmos por géneros musicais é muito tribal e felizmente morreu nos anos 90 — morreu nos anos 2000, vá, [risos] que ainda houve a cena do nu metal e não sei quê. Mas felizmente, já não é assim. Tu podes gostar de tudo. Podes gostar de Deafheaven e de Charli XCX. Estou mega excited para ir ao Ampli[fest] ver Lingua Ignota e Sumac, mas também fui ver a Dua Lipa e adorei. Para mim, isso tudo é fixe.

Vocês podem ter lançado o vosso EP num momento certeiro para poderem ter a oportunidade de chegarem a um maior público.

[Alex] Não sei. Gostava muito que as pessoas ouvissem a nossa banda sem ideias pré-concebidas e não nos tentassem encaixar numa caixinha, porque acho que é mesmo possível aquilo que nós fazemos caber num festival de metal, caber num festival de rock e num grande festival de música popular. Acho que tem mesmo essa elasticidade, e não somos nós sequer a adaptarmo-nos. Claro que reagimos ao espaço onde estamos. Há dias em que estamos a tocar num jardim, super lindo, no meio da natureza, e não vai ser a mesma coisa que estar a tocar no Zigurfest, em que as pessoas estão ávidas para fazer mosh e libertar a energia. O que fazemos tanto funciona num auditório em que estás sentado, e tens uma experiência mais contemplativa, como funciona num ambiente de festival ou de clube, em que queres mexer o corpo e gritar connosco.

Amanhã [15] vão estrear o vosso EP no B.Leza com a ajuda da Marinho, que vai tocar canções folk, mas depois vão tocar vocês e os Hetta, para partir tudo. Está relacionado com isso que falas do vosso alcance enquanto banda? 

[Alex] Mais ou menos. Eu queria que esta noite tivesse todos os extremos. Alguém como a Marinho, que faz canções lindíssimas, ela fez-me chorar muito com o disco dela [~]. Para já, o critério foi serem artistas que nós ouvimos bué a música deles. Eu ando a ouvir imenso o EP de Hetta [Headlights] todos os dias e a Marinho é uma espécie de crush musical que eu tenho – sou fã dela desde da altura dos Iconoclasts. Os Hetta é aquela cena de nunca ter visto esta banda ao vivo. Todas as vezes que eles tocaram eu não pude ir, então [risos], eu coloquei-os aqui para finalmente poder ver o concerto. E é mesmo uma banda que eu estou mega fanboy, e estou a mostrá-los a todos os meus amigos que gostam de hardcore – “Tens que ouvir estes gajos, são do Montijo, são bué bons”. E eu queria que tivesse esses extremos, de alguém que faz canções, de alguém que faz coisas mais ruidosas e nós fazemos qualquer coisa que está ali no meio. A nossa música tem mesmo esses altos e baixos. Então, acho que tem tudo para ser uma noite cheia de amor. Tenho a certeza que vai ser cheia de amor – isso é o mais importante – e diversa. Tens homens, mulheres, pretos, héteros, queers e, para mim, o meu edge… epá, eu curto bué que as pessoas sejam diferentes. “We’re not the same, we’re different, but we’re equal“. Infelizmente, não é possível dizer isto em português, se alguém souber como se diz isto em português, por favor ensinem-me.

Já falaram para aí de novas ideias que foram surgindo nos ensaios. Que é que há mais no futuro para os ALGUMACENA?

[Ricardo] Já estamos a fazer malhas. Ou seja, na realidade estas novas ideias têm surgido em ensaio. Até foi engraçado, hoje [14] tocamos [as ideias] e elas estavam frescas, lembrávamo-nos delas e foram ganhado logo assim mais caminhos e é interessante. Acho que agora há muito essa vontade de fazer novas músicas e de, novamente, nos fecharmos em sala de ensaio e ensaiar, ensaiar, ensaiar, ensaiar, fazer malhas, possivelmente tocar ao vivo umas quantas – mas acima de tudo depois, havemos de ir gravar de novo.

[Alex] Ainda vamos perceber. Ser músico em Portugal nesta altura está a ser muito difícil. Eu estou a tocar em duas bandas, eu tenho um emprego – que na verdade são dois – e uma família, e é muito difícil tu seres um ser humano com as mesmas 24 horas que a Beyoncé tem, mas sem os assistentes e a equipa que a Beyoncé tem e sem o dinheiro que a Beyoncé tem. 

[Ricardo] Sem dúvida nenhuma.

[Alex] Neste momento, não é possível pagar contas. Não é assim para todos os músicos. Há músicos para quem, felizmente, e ainda bem que está a acontecer com esses músicos, é possível viver dessa forma. Para mim, não está a ser possível viver em Lisboa e ser só músico. Mas espero que as coisas voltem a ser como eram antes, e possamos passar mais tempo a ser criativos e a contribuir para a cultura portuguesa e para a vida das pessoas — isto agora soou muito pretensioso. [Risos]

[Ricardo] Acho que, acima de tudo, a vontade está lá, da mesma forma como estava nos primeiros ensaios em 2015, e agora já é uma coisa regular e com certeza que vai acontecer – já tem estado a acontecer – com outro ritmo. Não há assim nada planeado porque, lá está, sai amanhã, não é? A partir daí, logo vamos ver. Eu gosto sempre de estar a fazer coisas e funcionamos bastante bem assim. Acho que a certa altura vamos irresponsavelmente marcar um estúdio e fecharmos as ideias [risos].

[Alex] Para mim é muito complicado, porque a minha agenda está cheíssima até ao final do ano.

[Ricardo] Este ano tem um bocadinho essa coisa que, de repente, estão a existir muitos e muitos concertos.

[Alex] Há um lado que é — eu quero dar mais concertos com o Ricardo. Quero muito tocar ao vivo com ALGUMACENA, mas também quero passar muito tempo nesta sala a fazer música nova, e nós temos muitas ideias. Há mutações que esta banda pode ter, mesmo em termos de ensemble e já falamos de fazer coisas diferentes sobre este umbrella, mas, lá está, eu preciso de tempo para fazer isso tudo e acho que o próximo passo também é trazer mais pessoas para dentro. Queremos muito fazer colaborações.

[Ricardo] Sim, já há uma série de pessoas que nos lembrámos.

[Alex] Eu tenho estado a falar com alguns amigos para escrever canções para depois tocar com o Ricardo. Vamos ver o que é que acontece.


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