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Fotografia: Matt Nelson
Publicado a: 24/02/2020

O DJ e produtor português é um dos nomes confirmados para a edição deste ano do ID_NOLIMITS.

Holly: “Eu gostava de fazer um álbum, mas preciso de mais tempo para perceber a minha linguagem musical”

Fotografia: Matt Nelson
Publicado a: 24/02/2020

Miguel Oliveira, mais conhecido no mundo da música como Holly, tem feito um percurso admirável. Mais apresentações parecem sempre escusadas, tendo em conta a qualidade e a quantidade de produção daquilo que lança, a sua relevância no meio e o crescimento exponencial da sua carreira. Fez-se DJ incansável fora de Portugal — e é fácil perder-lhe o rasto — mas, neste momento, encontra-se sediado nos Estados Unidos da América. Por lá, tem-se encontrado em estúdio com músicos de topo, tais como Machinedrum – com o qual lançou o seu mais recente EP, Berry Patch – ou The Bloody Beetroots. Vai lançando, contínua e incessantemente, novo material e o número de músicas que põe cá fora é praticamente impossível de acompanhar (quem tentou apontou para 600 músicas num ano, a certa altura), e é impressionante notar como, mesmo assim, não compromete o nível daquilo que faz.

Enquanto do outro lado do Atlântico vai editando com produtores próximos da música mais electrónica, mais concretamente dos mundos do drum’n’bass ou do dubstep, no panorama português, tem imposto a sua impressão digital como uma das mais marcantes no hip hop nacional, trabalhando com Slow J, Papillon, João Tamura, Kappa Jotta, Bispo ou Stereossauro e, mais pontualmente, com figuras como ProfJam, Cíntia, SP Deville ou Carlão. O músico estará presente na segunda edição do ID_NOLIMITS, já nos dias 3 e 4 de Abril. Apesar de ainda estar a decidir que tipo de actuação vai apresentar, as aprendizagens que tem tido nos últimos anos prometem algo digno de recordar. Para fazer crescer água na boca, o Rimas e Batidas esteve à conversa com o produtor sobre produção, colaborações e a possibilidade de se aventurar no formato longa-duração.

Já trabalhaste com várias editoras desde que começaste a produzir. Como é que se deu esta nova relação com a Insomniac Records? Qual é que tem sido a influência desta mudança de editora? Eu já trabalhei com várias editoras, mas acho que cheguei a um ponto em que estava à procura de alguma que me conseguisse dar mais do que apenas ser uma plataforma para lançar a música. No início do ano passado comecei a pensar em editoras com que gostava de trabalhar e a Insomniac foi uma delas porque para além deles fazerem um trabalho brutal na parte de lançamento também são uma promotora bastante forte aqui nos Estados Unidos, e havia vários festivais que eles fazem em que eu gostava de tocar. Então, basicamente, passei-lhes algumas demos para ver se eles gostavam e surgiu o interesse da parte deles também, e fizemos o meu penúltimo EP, o Alameda 1000. Foi assim, bastante natural. Foi só enviar as ideias, eles gostaram, conhecemo-nos, e decidimos começar a trabalhar juntos. Ok, foi mais por causa da relação que eles tinham com eventos, ou foi também porque querias maior intervenção de mais pessoas para trabalhos teus? Foi mais por me identificar com os lançamentos que eles tinham feito, e também porque queria tocar em certos eventos que eles estavam a fazer, porque o pessoal com quem eu estava a trabalhar – pelo menos nesse EP – tudo o que era featurings e participações, eram tudo cenas que eu já tinha gravado antes de começar a trabalhar num lançamento com eles. Tu mantens-te a a viver nos Estados Unidos mais pelas relações que tens com essas editoras e com os músicos ou é por uma outra razão? Sinto que há muito para fazer aqui o dia todo e acho que é um sítio onde posso aprender muito para a vida e para a música. Apenas gosto de estar aqui, por enquanto. Como a parte da música é muito forte aqui e como há muitos músicos e produtores, é claro que isso acabe por trazer mais oportunidades – de sessões e de trabalhos. Mas é mesmo [por uma questão] pessoal. Sempre quis viver noutros países sem ser Portugal e, para lá dos Estados Unidos, quero ir para outros países no futuro. Por enquanto sinto-me bem aqui. Há algumas máquinas específicas que te têm entusiasmado mais a produzir ultimamente ou és muito dado a hábitos? Ou por outro lado também te mantens muito à base de plugins e instrumentos digitais? Quanto à produção sempre fui um bocado mais simples: sempre usei só o meu computador, o Frutiy Loops, samples e outras coisas que vou arranjando. Tem sempre sido assim, desde que comecei a produzir, por isso não tenho tido muitas máquinas. Às vezes também é um bocado complicado. Acabo por estar aqui mais tempo nos EUA, mas como ando sempre de um lado para o outro é complicado trazer o material todo atrás. Então, por norma, é só mesmo o Fruity Loops. Sim, andando sempre dum lado para o outro é normal que assim seja. Eu fiz a pergunta porque às vezes começa-se a produzir numa onda mais DIY — com o computador, um teclado… –, mas depois, quando se sobe, passa-se a ter mais possibilidades ou mesmo a interagir com mais pessoas que têm estúdios, e começa-se a querer tocar com outras coisas, não é? Sim, mas acho que isso tem a ver com o teu gosto pessoal, o que realmente te facilita a vida na produção e o que queres fazer. Por enquanto tenho sido bastante feliz a fazer assim, por isso… [risos]. Talvez no futuro arranje algumas máquinas, mas por enquanto gosto só de depender do meu computador. É já sabido que o teu processo criativo é sempre veloz e incessante. Pela tua agora (um nadinha) menos movimentada página de SoundCloud, dá a sensação que estás um pouco mais ponderado com as coisas que lanças. Corrige-me se estou errado. Um bocado. Acho que há dois ou três anos eu tinha lançado 600 sons ou assim, eu nem sabia muito bem que era [um número tão grande], mas houve um rapaz no Reddit que fez um documento do Google em que meteu todos os sons que eu tinha lançado. Eu fiquei, “olha, nem sabia que tinha lançado esses 600 ou 700 sons!”, e cheguei a um ponto [que pensei] qual é que era a próxima coisa que eu podia fazer. Não quero também estar sempre a lançar 600 ou 700 sons por ano, então agora tenho experimentado um bocado mais fazer várias ideias e produzir na mesma quantidade, mas pensar o que é que realmente vale a pena — o que eu realmente quero dizer, também; qual é a mensagem que eu quero passar com a minha música. Acho que às vezes isso é um bocado mais complicado sem eu expor um número tão grande de trabalho e de som, por isso que tenho pensado mais no que é que eu quero lançar.  Faz sentido, também às vezes para aproveitar [as ideias]. Com um leque de colaborações crescente, é bom se calhar guardar para quando as pessoas abordam, não? E pensar mais a fazer projectos, e mesmo um conceito por trás, criar uma história à volta disso, em vez de ser só sons soltos. Mas, como já disse, isso foi uma coisa que já fiz, então agora sinto que quero experimentar algo novo. Daí se calhar ter também deixado de lançar tanta música. Relativamente ao teu processo criativo: por que instrumentos costumas começar quando compões? Tens algum padrão, alguma forma de trabalhar comum a todos os projectos? Ou é sempre diferente? Cada projecto acaba por ser diferente. Depende um bocado da música que estiver fazer mas se for, por exemplo um beat mais de rap, ou algo mais hip hop, por norma eu costumo começar por gravar uma melodia ou um sample, e as drums vão seguir a melodia ou como estão as suas progressões. Mas se estiver a fazer algo mais electrónico, em que, por exemplo, inclui-se um drop no som, por norma costumo começar por ele e depois desenvolver o resto do som. Mas normalmente costuma ser isso. Costumo sempre arranjar primeiro uma melodia, um som que eu ache que seja fixe para ser a peça principal do som, e depois acabo por desenvolver isso.  Curiosamente (ou não), aí fora tu colaboras muito com músicos de electrónica, drum’n’bass e derivados, mas em Portugal as tuas colaborações são maioritariamente com músicos de hip hop. Vês alguma razão para ser dessa maneira?  Nunca pensei muito nisso, acho que estou disposto a trabalhar com qualquer tipo de artista de qualquer estilo de música, desde que sinta que é algo que me traga novas ideias, que possa trazer algo e vice-versa. Eu trabalho com alguns produtores em Portugal mas nunca chegou a sair nada. Nunca chegámos mesmo a acabar nada que ache que fizesse sentido lançar. Por isso acho que acabo por trabalhar com vários tipos de pessoal, aqui como aí em Portugal, mas é curioso que as cenas que acabam por sair mais daí são mesmo colaborações ou produções que faço para outros nomes de hip hop. Mas sim, tenho, por exemplo, cenas com o Stereossauro, com o DJ Ride, com o Moullinex, com o Nigga Fox. São só ideias que nós temos, mas nunca ouve um espaço para acabar e concluir esse projecto. Mas sem dúvida que no futuro gostava de lançar. É estar à procura do momento certo. Às vezes, como produtor, acaba por ser mais fácil se tu estiveres a produzir o projecto de outra pessoa, se for um rapper ou assim. Claro que se vê que trabalhas com esse tipo de malta – com o Moullinex ou o Nigga Fox, como disseste –, mas onde acaba a ver-se um bocadinho mais a tua impressão digital é no hip hop, por cá. Perguntei porque poderia ser uma questão de nos Estados Unidos te entusiasmar mais outro tipo de música, mas, do que se está fazer em Portugal, o lado do hip hop é que te puxava mais, por exemplo. Não, não! Acho que os produtores em Portugal estão a fazer um grande trabalho. Estimula-me bué o que o pessoal está a fazer aí, desde o Moullinex, do pessoal da Príncipe, ao Ride, ao Stereossauro, ao Branko. Acho que os produtores estão a trazer sonoridades bué diferentes e muito bacanas. Mesmo o pessoal do rap – tipo o Charlie [Beats] e o Lhast –, acho que têm um trabalho brutal quanto à produção. Mas eu gosto de todos os estilos de música e gosto de colaborar com qualquer estilo de produtor. Fala-nos um pouco do último trabalho que lançaste, o Berry Patch com o icónico Machinedrum. Como é que esta ideia começou e qual foi o input de cada um neste EP? Basicamente, um amigo meu introduziu-me a esse rapaz, que acabou por se tornar meu amigo, que é o I-Emerge. Ele é um DJ, ganhou vários campeonatos de scratch a nível nacional aqui nos EUA (e mundial). Deixou um bocado de fazer a cena de DJ, acabou por lançar uma label com o Machinedrum há uns anos. Ele veio cá a Los Angeles uns dias e o meu amigo introduziu-me ao I-Emerge, eu passei uns dias com ele. Introduziram-me ao Machinedrum, houve um dia que fui a casa dele, toquei alguns sons que estava a fazer e ele perguntou se queria fazer alguma coisa com ele. Eu fiquei bué entusiasmado e surpreendido de ele querer trabalhar comigo, porque sempre foi um produtor que eu admirei bastante e nunca pensei muito como é que os nossos mundos podiam combinar, mas quando ele me convidou para fazer a colaboração consegui encontrar ali um meio termo. Começámos por fazer uma ideia: ele mandou-me uma ideia que tinha feito com uns samples do meu sample pack que tinha saído na altura e fizemos um som, e eu gostei bué. Então, perguntei se ele não queria fazer mais sons, só mesmo para nos divertirmos e para passar [música], não tínhamos que lançar nada, então começámos fazer mais música. Chegámos a ver que tínhamos basicamente um projecto e surgiu a ideia de lançarmos. Embora o projecto acabe por estar numa onda mais drum’n’bass, acaba por viajar por vários estilos diferentes de música – tem cenas mais trap e ambiental, cenas mais hip hop e mesmo uns interlúdios mais jazz –, por isso é um projecto que eu gostei bastante. Acabámos por trabalhar à distância, nunca chegámos mesmo a estar no mesmo sítio, no mesmo estúdio, mas íamos sempre mandando ideias e pistas por Internet. Foi um projecto muito orgânico, acabámos por não forçar nada e fico mesmo contente por ter feito um projecto assim com alguém que eu admiro há bastantes anos. Já tens trabalhado com nomes grandes desde há algum tempo. Tens alguma dream collab que ainda esteja por acontecer, ou que gostavas mesmo que acontecesse?  Eu gostava muito de trabalhar com o Liam Howlett, o produtor dos The Prodigy, porque ele foi sem dúvida o produtor que acabou por me influenciar mais na minha juventude, na minha adolescência, quanto a gostos musicais. Gostava de trabalhar assim com pessoal como a Björk, ou fazer algo com o Skrillex. Há vários nomes com quem eu gostava de trabalhar. Penso que será possível. Sempre estiveste muito activo a fazer singles, remixes e a produzir para vários artistas. EPs também é costume lançares. Estás a planear trabalhar num registo mais ponderado, como falámos, mais ambicioso, algo como um álbum a solo, por exemplo? Sim, é claro que penso em fazer um álbum no futuro, mas acho que por enquanto ainda há muito que tenho de desenvolver de mim próprio para perceber qual é que é o tipo de sonoridade que eu gostava de atingir com um álbum, por isso acho que ainda há muito por fazer até esse álbum. Se calhar até acabo por estar já a trabalhar no álbum de maneira inconsciente – acho que há algumas demos que já fiz que podem fazer sentido para um projecto assim mais sério. Mas sem dúvida que é algo que eu gostava de fazer no futuro. Só preciso de um bocado mais de tempo para perceber mais da minha linguagem musical, porque há muitos estilos que eu gosto de fazer e acho que para fazer um álbum era necessário ter um conceito ao lado em que me baseasse mais, mas há-de acontecer no futuro. Além disso, o que nos podes contar já do que será o resto deste ano? Que planos tens em termos de lançamentos?  Este ano tenho alguns festivais por anunciar, nas próximas semanas. Vou tocar ao México pela primeira vez no fim do mês, ao EDC Mexico – nunca fui ao México por isso estou curioso para ver como é que vai ser o festival; depois tenho essas datas marcadas por cá, como no ID, também fico entusiasmado para lá tocar, acho que tem um line-up bué bacano, com vários nomes da música portuguesa que são meus amigos, vai ser fixe poder partilhar [o palco] com eles. Depois, tenho alguns lançamentos que devem vir daqui a uns meses. Tenho outros projectos, um EP mais a solo. É o pouco que posso dizer agora. O que podemos esperar da tua actuação no ID? Será concerto ou DJ set?  Ainda não sei muito bem, ainda estou a pensar bem no que vou fazer. Sei que o meu tempo de set vai ser duas horas, o que acaba por ser mais extenso que o normal para um DJ set, por isso ainda estou a abordar o que é que faz sentido. Mas acho que, por um lado, mesmo que eu faça só um DJ set a passar cenas minhas, cenas que tenho ouvido e de amigos meus, vai ser altamente e se der para viajar por vários estilos diferentes… Fazer um concerto com alguns convidados também podia ser uma hipótese fixe, mas ainda estou a pensar mesmo no que vou fazer. Para concluir, estou só mesmo muito, muito contente por poder tocar em Portugal, para pessoas que falam a mesma língua que eu e que fazem parte da mesma cultura. E obrigado ao ID por proporcionar essa oportunidade. Ainda está assim numa incógnita o que vou mesmo fazer, mas o pessoal pode esperar um set divertido. 

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