Habituámo-nos a vê-lo como uma espécie de ancião dentro da Think Music. Se por um lado era ele quem limava as sonoridades de ProfJam, xtinto ou Sippinpurp dentro da agora extinta editora, também na escrita a sua caneta era capaz de impor um certo tipo de rigor e de subir a fasquia na hora de versar canções.
Muitas voltas depois — de “40 Oz. Freestyle” a SYSTEM —, benji price chega a 2022 com mais certezas do que nunca em relação ao seu trajecto enquanto artista a solo e lança pela Sony Music Entertainment Portugal o álbum de estreia ígneo, composto por 11 faixas e um leque de contribuintes que vai de 9 Miller a Mizzy Miles.
[“Gundam”]
“É da longa saga anime. Foi das primeiras, acho eu. Isso é tipo anos 70 e dura até hoje. Acabou por ser só um daqueles casos circunstanciais de ‘não existe um nome para isto, mas como eu por acaso tenho lá um verso em que eu incluo isso…” Acabou por funcionar como título porque basicamente o build-up todo do verso é para chegar a essa ideia.
Esse tema, falando assim de uma maneira mais específica, fi-lo um bocado tardiamente ao longo do processo de criação do álbum, mas eu já tinha uma visão muito clara de que eu queria fazer uma faixa dessas. Fiz algumas experiências, nada me agradou particularmente, porque eu queria mesmo uma entrada com uma sensação assim cinematográfica. Acabámos por, eu e o SPLINTER, decidir correr com umas guitarras portuguesas.
Consegui chegar a essa versão da faixa de ‘isto soa-me claramente a uma introdução’. A faixa nem tem dois versos, é mesmo uma entrada, apesar de ser relativamente longa do ponto-de-vista da duração — tem três minutos e tal. Ou seja, é uma faixa intro. E obviamente é uma canção que funciona por si mesma, mas era daquelas que não me faria sentido colocar em mais lado nenhum do projecto.
Começa com uma certa sobriedade, mesmo em termos de texto não é super alegre — também não é depressivo. Mas existe ali no meio um bocadinho mais reflexivo do ponto-de-vista do que é que tem acontecido até agora. Eu ao longo deste projecto quis criar assim um limbo entre o confiante e o meio ambíguo. Esta faixa estabelece bem esse mote.”
[“Kenshin”]
“Mantém-se nessa lógica de temas titulados com nomes de animes. A nota de rodapé da ‘Kenshin’ é: começou por ser um tema concebido para o SYSTEM. Foi a única faixa desse contexto. Era uma versão extraordinariamente diferente, eu acabei por basicamente só pegar na minha voz e depois reconstruí aquilo tudo para a inserir melhor na atmosfera do álbum. E aqui só um pequeno detalhe de informação interna: essa faixa fica fora do SYSTEM, bem como outra que veremos se algum dia sai porque o Prof sentiu que não tinha nada para contribuir. Da mesma maneira que ele tem uma faixa no SYSTEM que eu senti que também não tinha nada para contribuir. No entanto, eu estava tão afeiçoado a ela que passei bué tempo a pensar, ‘o que é que eu faço com isto?, meto a faixa?, lanço a faixa?, é uma coisa desconectada do universo do ígneo? o que é que vai acontecer?’. A única solução pareceu-me dar-lhe uma roupagem nova, musicalmente continua nesse espectro um bocadinho mais melancólico, já da primeira faixa vem com esse embalo. Eu só faço uma viragem para uma sonoridade um bocadinho mais digital consideravelmente mais à frente no álbum e tanto a anterior como esta é uma coisa que é muito baseada em sintetizadores velhos e esse tipo de coisas. Instrumentos muito orgânicos. A faixa em si, tematicamente, também é uma continuação da prévia. E isso até é uma coisa que se estende ao longo do álbum. É quase como se o que eu escrevi fosse uma única letra gigante. É uma ideia um bocadinho sinfónica, espero que isso não soe muito pretensioso, mas é isso.”
[“Oroboros”]
“Era algo que eu já queria fazer há muito tempo, explorar esse conceito da serpente que morde a própria cauda, que é uma ideia simbólica que surge em muitas culturas ao longo da história da humanidade, tanto nos vikings como nas culturas latino-americanas ou asiáticas… Está sempre lá de alguma forma. Neste caso, a palavra até vem do grego. Como tenho uma preocupação grande com a natureza cíclica da vida, eu queria tentar encontrar uma faixa em que eu conseguisse mencionar isso de alguma forma e também fazer essa referência de manter-me eterno, musicalmente falando. Mas espero que faça mais álbuns depois deste.”
[“Pó de Cosmos”]
“É o primeiro tema com convidado. Tive uma preocupação muito grande em incluir… toda a gente que está neste álbum, seja de uma forma ou de outra, surgiu em momentos preponderantes da minha carreira e por consequência disso precisava mesmo de incluí-los. Nem toda a gente podia ter versos porque acho que este ainda não é o meu álbum duplo. Não é o meu álbum de 18 faixas, então precisava de uma coisa um bocadinho mais concisa. O xtinto sendo… pá, não quero dizer nenhuma barbaridade, mas ele, paralelamente com o Dez, é o meu colaborador de mais longa data. Eu acho que ele até rima mais tempo no som do que eu. Acho que ele está mais presente vocalmente. Está taco-a-taco, mas dá uma sensação que ele está muito tempo, até porque tem a secção final. E eu precisava, emocionalmente, de lhe conferir esse destaque todo, que é ‘brilha! Tens este espaço no meu álbum, isto é mesmo para shinares, diverte-te aí. Zero pressão. Faz um verso incrível, sem pressão.’
Esse som é a quarta colaboração seguida com o SPLINTER, fazendo aqui um parênteses. Aquele primeiro quarto do álbum tem um cunho muito forte do SPLINTER e acho que isso também se nota musicalmente. A faixa é provavelmente o tema mais calmo. Em termos de BPMs é uma ideia quase r&b, embora não seja nada r&b, longe disso. Curiosamente foi um tema que surgiu muito tarde porque foi para aí a penúltima faixa que eu abri e o xtinto é que me fez não desistir dela, porque basicamente não tinha ideias, daí eu o ter desafiado: ‘ok, esta faixa é para estar álbum, está bem, então é para ti’. Eu tinha tudo meu e não tinha mais ideias, basicamente. Adorava a faixa, mas como a sentia incompleta… Como ele era tão fã, foi tipo ‘Xico, queres que isto esteja no álbum compete-te a ti que esta faixa lá esteja, então boa sorte’.
Também, curiosamente, isto foi exactamente o que aconteceu com a ‘Éden’, que também era uma faixa que eu tinha para lá, perdida, e foi a mesma coisa. O xtinto já me salvou dois temas que eu gostava muito e ainda bem que ele me pôs a pressão para os lançar. Gosto muito dessa faixa.”
[“Veni Vidi Vici”]
“Esse foi o segundo tema a ser feito. Isso, basicamente, foi um feat imposto por ele, mas eu não fui forçado. Essa faixa foi a mais rápida que fiz. Foi uma canção muito simples de pôr cá para fora. Fiz o tema, para aí um dia ou dois… fiz o tema só com o meu refrão e com o meu verso. Eu tencionava continuá-lo, mas nem passado um dia ou dois o Mike foi lá ao estúdio, ouviu aquilo e disse ‘ganda som’, e eu, ‘obrigado’. Passado para aí meia dúzia de horas, quando ele já se tinha embora, diz-me assim: “olha, manda-me lá isso para eu ouvir”. E eu mandei-lhe. E, por acaso, a versão que eu lhe mandei tinha o espaço do segundo verso. Não foi uma manobra sorrateira. Nem coisa de para aí também um ou dois dias ele manda-me uma mensagem de voz, que eu até pensei em incluir no álbum, mas é super longa. E ele diz: ‘estou aqui no Algarve, sente lá esse verso que eu fiz’. E é um áudio cheio de vento, bué difícil de perceber e eu disse: “pá, ya, ganda verso… o que eu consegui perceber a mim soou-me bem, queres vir cá gravar isso?” E o gajo, “ya, assim que eu voltar do Algarve estamos a fazer acontecer”. Pá, olha, saiu bué bem, esse som é divertido, é muito primitivo na sua abordagem — esse instrumental tem, no máximo, para aí seis pistas.
É uma tema muito simples, directo, eficiente, não complica, ao contrário dos outros temas que estão para trás que são muito elaborados e muito progressivos, têm bué variações, há ali toda uma atmosfera. Eu achei que este era o momento certo para quebrar isto um bocado, também não estou aqui a tentar fazer um álbum demasiado cinema porque senão depois sinto que não tem coisas que chamem as pessoas para fazer uma pausa. Está ali. Quinta faixa. Já percebeste mais ou menos o que é que eu quero fazer, agora vamos ter aqui uma pausazinha só para curtir umas coisas mais simples, para limpar o palato.”
[“Mármore”]
“O alicerce que divide o mais cinematográfico para depois o final que volta para essa ideia. Aquele bloco ali do meio é muito intecionalmente isso. São as respirações. Há excepção da ‘Final Fantasy (Freestyle)’, essas são as faixas mais simples. Esse tema foi daqueles que também foi repescado. Na altura em que eu comecei a fazer o ‘God Mode’, com o Mizzy Miles e o Prodígio, nós andámos a trabalhar em muitos temas, só para ver o que é que acontecia, e esse foi um que me pareceu perfeito para o meu projecto. Era uma energia que eu queria lá incluir, uma coisa assim muito leve. Curiosamente tem uma das minhas quadras favoritas do álbum.
Eu tenho um reparo a fazer, que até quem me comentou isso foi malta que esteve comigo no estúdio, o xtinto e o Billy [Verdasca], quando fomos lá fazer uma sessão. E eu toquei-lhes as versões que eu fiz para o MTV Push, que ainda não saiu, e são drasticamente diferentes do álbum. São muito pouco pronunciadas. Não são acústicas porque, obviamente, são instrumentos digitais, mas são coisas despidas em que é quase só a minha voz e uma pequena ideia melódica. Eles ouviram aquilo e disseram, ‘pá, as tuas letras têm bué profundidade, têm bué beleza’. E eu, ‘pá, espero que sim, eu esforço-me’. E isso pareceu-me engraçado porque a roupagem que tu metes naquilo torna a percepção de de repente é uma coisa que se calhar soa ligeira, mas depois quando tu reduzes aquilo ao minimalismo, em que é só o meu texto e um pequeno acompanhamento, põe-te numa posição em que tu se calhar consegues ouvir aquilo de um maneira mais ‘, afinal este texto é mais poético do que aparenta porque não está num trap bué light‘.”
[“Final Fantasy (Freestyle)”]
“É uma faixa que também surge por necessidade, à semelhança da ‘Gundam’. Eu sabia que precisava de ter um tema estranho no projecto. Não necessariamente estranho daquilo soar jazz-avant-garde-experimental-sem compasso-bué cromático ou bué atonal, não era necessariamente isso que eu pretendia, mas sem dúvida que eu queria algo que soasse intencionalmente disruptivo. As faixas anteriores a essa, embora algumas mais simples, outras mais progressivas, são fáceis de identificar. Existe ali uma fórmula. Elas não são feitas com essa intenção, mas estão a respeitar uma ideia tradicional de canção. Eu canto um verso, canto um refrão, depois há um segundo verso… quando eu tive a percepção de que isso estava a acontecer, não que isso tenha nada de errado, novamente, pensei, ‘não, eu tenho que fazer aqui alguma coisa que soe estranha e que a malta pense assim, o que é que se está aqui a passar que eu não estou a entender nada disto’. Então, eu fiz a primeira parte intencionalmente esquisita, em que está bué baseado em sintetizadores, a minha voz está toda distorcida, aquilo tem toda uma vibe retro-gaming, e quase já não soa a nada, já não soa a rap. E eu pensei, ‘ya, é isto’. Tanto que eu mandei aquilo às pessoas a que normalmente mando e as pessoas ficaram assim, ‘pá, gosto disto, mas não tenho a certeza como é que me sinto”. E eu, “exacto”. É exactamente essa a ideia para eu separar isto para outra coisa que também não há refrão, é só um verso, então a faixa em si é uma ideia bué fragmentada, curiosamente foi a letra que me saiu com mais facilidade, embora seja o texto mais longo do álbum, essa saiu-me relativamente bem, fiz isso tipo numa tarde — raro para mim. Nem estou a dizer isto de uma maneira arrogante.
A pequena parte nerd é que ambas as partes são reinterpretações de dois leitmotivs do Final Fantasy VII, que era uma coisa que eu queria fazer muito, e daí a faixa ter este título, em que a primeira parte sou eu a cantar os acordes de um dos temas do Final Fantasy VII, que é o ‘Victory Fanfare‘, a música que toca quando se ganha uma batalha. Eu fui olhar para aquilo e pensei, ‘o que é que eu consigo extrapolar daqui?’ Então, basicamente, cantei os acordes que se subentendem na faixa, foi toda uma viagem bué geek da música. Tanto que a faixa é muito cromática, a progressão de acordes daquilo, o facto de serem tão suspensos, cria uma certa tensão. E a segunda parte também começa com um sintetizador a fazer uma run descendente que é doutro tema do Final Fantasy, só que eu esse pensei, ‘ok, se eu já fiz a reinterpretação marada, agora como é que pego nesta ideia e transformo isto numa coisa muito canónica do rap?’ E daí ter surgido, com o SPLINTER, o beat de g-funk, que é uma coisa que curiosamente se ouve pouco em Portugal, se ouvi três pessoas a fazer foi muito. E não é por as pessoas não gostarem. Toda a gente a quem se toca um beat de g-funk adora, mas depois ninguém faz.”
[“Estúpido”]
“Nunca mais faço um fast flow na vida. Escrito em pedra: não quero fazer mais fast flows. Esse fast flow foi para provar um ponto a mim mesmo. Eu não quero entrar nessa competição com o 9 Miller.
A letra foi estranhamente simples, mas foi muito calculada. No sentido de: o texto em si não foi muito difícil, mas eu tive de parar várias vezes para pensar no que é que iria fazer a seguir. Ou seja, eu escrevia duas quadras, fácil, e depois era, ‘e agora, para onde é que eu vou com isto?’ A faixa foi um beat que eu fiz para o 9 Miller e depois pensei, ‘ah, não, afinal esse beat é para mim, temos pena’. Mas só que fiz-lhe um refrão e ainda lhe mandei naquela, ‘sente lá isso que eu fiz’. E ele ouviu e disse, ‘incrível, o que é que vais fazer com isto?’ E eu aqui, antes de lhe dar uma hipótese disso ser apropriado por ele, de ser privatizado, disse-lhe, “ah, não, isso é para o meu álbum e tu farás parte dele se assim quiseres”. Quando vi que ele estava muito entusiasmado, tive de tomar ali uma decisão em cima do joelho.
O beat em si pedia fast flow, é um beat muito à 9 Miller, e eu aqui fui muito rato e pensei, ‘bem, eu já sei o que é que ele vai fazer’. Eu, por acaso, começo o meu verso a rimar de uma forma muito lenta, e isso foi deliberado para criar um contraste com toda a secção bué rápida. O refrão em si já é rápido, vamos abrandar aqui um segundo. Por acaso é a parte do texto que eu mais gosto, que não tenho que estar ali a escrever tanto e a dizer tanta coisa. Tanta coisa no sentido de significado, não é do ponto-de-vista semiótico da coisa. Ter de dizer muita coisa é cansativo porque quando ’tás a fazer um fast flow daqueles já escreveste bué palavras e não preencheste uma quadra. E uma pessoa está assim, ‘fogo, isto vai demorar um bocado a fazer’.
Como eu já sabia mais ou menos o que é que o Miller ia fazer naturalmente e como já sabia que ele iria fazer tão bem, aí a pressão ficou completamente em cima de mim. E depois aqui surge aquela parte engraçada, que é: eu mando-lhe o som e a reação dele foi basicamente, ‘pá, cabrão, e agora?, já rimaste bué’ E eu, ‘tão!’ E ele, ‘vou ter de me esforçar bué’. E eu disse, ‘mano, eu é que me esforcei bué sabendo que tu já ias brilhar’. Tive de me defender. É assim, eu quando chamo as pessoas para os meus sons é para eles me matarem. Eu quando chamo alguém para fazer um tema comigo não é para os humilhar, de todo, isso seria uma energia bué má.
Eu quero que as pessoas me tentem fazer figuras que é para depois também poder estar ao nível disso. Eu não quero chamar o 9 Miller ou quem quer que seja para fazer um verso mau. Então, essa parte competitiva existe, mas só que também não posso ficar embaraçado, que é ‘ya, o verso dele foi extraordinariamente melhor que o meu’. Tive de puxar muito da caneta. Caneta figurada, que eu escrevo no telemóvel, mas sim.”
[“Judge Dredd”]
“Eu adoro este som. É o som que se calhar passa mais despercebido no projecto, mas é um beat muito extravagante no sentido do feeling dele porque é relativamente desacelarado e, como é um beat muito assente em sincopações e é bué tercinado, aquilo força-nos a um bounce diferente. Eu queria muito incluir isso, tanto que esse é o som do álbum que tem a progressão harmónica mais longa de se resolver. Imagina, enquanto se calhar o ‘Estúpido’, que é o que está antes desse, tem dois acordes, resolve-se em duas barras, em dois compassos, a ‘Judge Dredd’ é extremamente longa. Aquilo para resolver demora 16 compassos, há toda uma viagem no que está a acontecer.
Também tive uma abordagem bué estranha a esse tema. Eu não sei bem o que é que hei-de chamar àquilo porque é um refrão tão longo, será que é um refrão com uma bridge? Eu, pessoalmente, se calhar sinto que é um refrão extremamente longo. O refrão da música dura tanto tempo quanto o verso, que é uma coisa relativamente incomum. Adoro esse som, também me permitiu vocalmente poder berrar… muito. Tem lá algumas barras a que eu acho muito piada. Provavelmente será a letra mais ‘fraca’ — eu gosto bué dela –, mas se calhar é a letra mais simples e easygoing. A compensação que eu depois faço musicalmente fez-me todo o sentido incluir esse tema no álbum. Adoro essa música de morte e é daquelas que cresce em ti. Se calhar, a segunda vez que tu ouves já estás a sentir mais. E a terceira vez já estás a sentir bué.”
[“Girassóis”]
“O tema mais fácil de interpretar do projecto. É um beat boom bap. Simples. A abordagem é muito tradicional. It is what it is, como diz o povo. Mas eu precisava de ter essa faixa. Emocionalmente, eu precisava de tê-la no álbum. Curiosamente, uma coisa que muita gente me diz e que isso não é muito de acesso ao público generalista porque é uma coisa atrás da cortinas, que é: bué gente me diz que os meus beats de boom bap são muito bons. Ou seja, comparativamente, o meu output se calhar é mais poderoso em termos de boom bap. Faço menos mas quando os faço são bons. Tanto que quantos beats produzidos de boom bap é que eu tenho na rua? Tenho o ‘Girassóis’, que é meu, tenho o ‘Marfim’, do xtinto, que eu acho que é um beat lindíssimo e um som lindíssimo em que ele fez ali um brilharete. E tenho o ‘1000 Jogos’ do Sippinpurpp, que é, provavelmente, top 3 dos beats que eu mais gostei de fazer na vida. Eu lutei muito com esse beat, mas essa é uma conversa para outra altura.
Então, o ‘Girassóis’ é basicamente isso, eu sentia uma necessidade emocional de ter um tema que em termos abstractos fosse muito tradicional, não sei se soa a um boom bap clássico, a uma coisa que se calhar é muito assumidamente uma referência aos anos 90, não sei se tem esse feeling, até porque o piano é bué contente e animesco. Mas depois quando aquilo dropa soa-te familiar, soa-te a alguma coisa que tu estás acostumado a ouvir. Se calhar é um boom bap um bocadinho mais contemporâneo. Eu também não queria fazer uma coisa que fosse, ‘ah, olha, agora vou rimar num boom bap que soe a uma produção do Sam The Kid’. Para isso o Sam já faz, e faz de uma maneira fenomenal. Não preciso de fazer isso, deixa-me tentar fazer isso à minha maneira. E gostei muito do resultado.”
[“Daytona”]
“Curiosamente, essa faixa não foi feita no mesmo espaço mental, mas foi basicamente o mesmo que aconteceu à ‘Kenshin’. Esse tema eu não o fiz para o SYSTEM. Já surge bastante depois do SYSTEM, mas foi algures aí nas duas, três primeiras faixas que eu fiz para este álbum. Eu fiz o ‘Girassóis’, o ‘Veni, Vidi, Vici’, e depois não sei o que é que fiz, não sei se fiz esta, a “Daytona”, ou a “Ouroboros”. Mas eu tinha uma música que não era nada disso, era drasticamente diferente, a cena é que eu adorava aquele refrão e eu pensei, ‘pá, eu tenho que fazer alguma coisa com isto’. E andei ali à cabeçada até que encontrei uma solução simples, e eis que a música foi feita. E foi feita desta maneira: eu exportei só as minhas vozes e tentei encontrar uma ideia melódica para isto. Explorei bué coisas. Harmonicamente não me estava a soar nada interessante, não conseguia encontrar um teclado, nada. Então, o que é que pensei: ‘vou samplar-me a mim mesmo vocalmente. Vou cantar aqui umas linhas melódicas e vou adulterá-las todas, depois vou lhe só meter uma bassline, só para aí sim fazer a progressão harmónica que eu queria, ou seja, estão lá as notas todas’. A faixa está feita dessa maneira. É a voz, é o sample e é o bass. E depois eu mandei para o SPLINTER e disse: ‘agora resolve-me isso, por favor, faz-me lá uma ganda faixa. Já está aí tudo, estão aí os versos, os refrões, as ideias melódicas, devolve-me isso com drums, bro”. Depois ele devolveu-me uma coisa que eu gostei tanto que aí já foi, ‘ok, vamos fazer uma faixa a partir disto, agora sim podemos pensar como é que vamos fazer isto diferente”. Acabei por reescrever muito a faixa, acabei por fazer versos substancialmente maiores do que tinha. Foi uma coisa 100% colaborativa. A faixa é do artista benji price mas muito facilmente podia ser do artista SPLINTER também.”