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Fotografia: Nuno Andrade
Publicado a: 02/10/2023

Adoçante para a alma.

Dora Morelenbaum no B.O.T.A.: a beleza das pequenas coisas

Fotografia: Nuno Andrade
Publicado a: 02/10/2023

A voz. E o violão. E mais nada, a não ser um punhado de arrebatadoras canções e um rosto cheio de luz. Ah, e talvez um coração do tamanho de um oceano. Bastou isso para que Dora Morelenbaum arrebatasse a plateia que esgotou por completo o espaço B.O.T.A., ali no coração de Lisboa, nos Anjos. A cantora que também conhecemos de Bala Desejo tinha-se também apresentado em showcase de meio de tarde no MIL, evento desenhado para projectar novos talentos e pensar novos futuros que decorreu no final da semana no Hub Criativo do Beato, e ainda na Casa da Criatividade, em São João da Madeira. Dois espaços, portanto, que, como nos garantem os seus nomes, acolhem espíritos criadores. Habitat natural para Dora, certamente. Tal como, aliás, o confortável espaço lisboeta da Toca das Artes que, sendo dotado de um belíssimo som, se revelou cenário perfeito para a arte singular de Dora Morelenbaum, que se espraia nos detalhes invisíveis que os microfones tão bem captam.

As canções que nos ofereceu, acompanhando-se sozinha em violão ou guitarra eléctrica, chegaram de Vento de Beirada, EP que conheceu edição digital durante a pandemia, mas que ganha agora exposição internacional através da Mr. Bongo — casos de “Japão”, “Vento de Beirada” e “Dó a Dó”. A mesma editora britânica amplificou igualmente o alcance global de Sim Sim Sim, a premiada estreia dos Bala Desejo, quarteto que Dora integra ao lado de Júlia Mestre (também passou pelo MIL), Lucas Nunes (que vimos há um par de semanas a dirigir a “orquestra” nas apresentações de Caetano Veloso) e Zé Ibarra. De Sim Sim Sim, como é natural, veio mais material do alinhamento de beleza absoluta com que Dora nos presenteou, como “Muito Só”, “Lua Comanche” ou “Passarinha”.

A garganta de Dora é universal e segreda-nos ao ouvido em português tropical, espanhol e inglês, e até no francês que se lê na folha do chão em que se imprimiram estrofes da “Maladie d’amour” que Henri Salvador em tempos cantou. E em todas essas línguas nos adoça a alma. Dora tem uma maneira de cantar especialíssima, em que tudo é matéria de encantamento: as palavras e os sentidos que nelas se embrulham de acordo com o tom escolhido; o silêncio entre as palavras; as respirações; os ad-libs em que as palavras se desfazem em onomatopeias que dizem tanto quanto tudo o resto. E os olhares. Os sorrisos. E até aqueles momentos em que sentimos os seus olhos a fugirem para dentro das canções ou das memórias que elas evocam e que Dora depois traduz em mais emoções que nos atingem sempre como ondas suaves, frescas e salgadas. Mergulhar nesta música é, afinal de contas, a coisa mais fácil e o público presente não se fez rogado, juntando até, a convite da própria artista, a sua voz às canções mais conhecidas, como aconteceu em “Lua Comanche”, por exemplo.

Dora Morelenbaum fez saber que está ansiosa pelo seu próprio futuro, que vem aí mais música e que tem por diante uma nova fase. Falou dos seus amigos de Bala Desejo, deixou cair centelhas de Gal e Caetano, confirmando-nos que o seu lugar no maravilhoso devir da MPB está seguro e existe, mas que tudo deve aos que antes dela aperfeiçoaram esta arte de transformar palavras e melodias em murais imensos de beleza infinita. No final, distribuiu mais charme natural e genuíno, assinou autógrafos e esgotou o stock de discos que estava disponível na pequena banca da Mr. Bongo. Venham mais discos assim, que a gente guarda.


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