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Gonçalo Oliveira

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Venham mais dez.

Dez anos de Rimas e Batidas: certificadamente redondos

2025 é um ano pleno de significado para o Rimas e Batidas, que celebrou o seu 10° aniversário no passado dia 20 de Abril, em plena Páscoa e na ressaca de um evento que levou a nossa chancela até à nova sala do Coliseu Club com uma arrojada proposta de novo jazz nacional. Nunca fomos quadrados, e estes 10 anos de existência vêm dar um ar ainda mais redondo a uma publicação que se tem pautado pela ousadia na sua curadoria editorial. O planeta ReB segue o seu curso numa órbita muito específica e não linear, tão capaz de produzir pensamento sobre os mais massificados e incontornáveis fenómenos musicais, como de olhar para as culturas que, mais longe do olhar das massas, vão ajudando a dar outras cores ao tecido sonoro que cobre o mundo em que habitamos, sempre com um eixo bem assente naquilo que é criado a partir de Portugal. É esta a receita que temos seguido desde o “dia zero”, ao esboçar os primeiros textos ainda antes do site ter ido para o ar nesse 20 de Abril de 2015. São também essas as linhas que nos vão continuar a guiar à medida que damos novos passos a cada dia.

É impossível pensar neste momento sem nos virem à memória os flashbacks de tudo o que fomos construindo e ouvindo até aqui chegarmos. Ancorados na cultura hip hop e em tudo o que em torno dela se move, acompanhámos desde logo os feitos que estavam a ser alcançados por artistas como Kendrick Lamar, Regula, Tyler, The Creator, Shabazz Palaces, Força Suprema, Rocky Marsiano, Stereossauro, Monster Jinx, Mustard, VULTO. & L-ALI, MGDRV, Mike El Nite, Allen Halloween, Slow J, Run The Jewels, ProfJam… A lista é infindável e é curioso ver que praticamente todos estes nomes foram edificando trajectos sólidos e ascendentes ao longo desta última década. O caso mais notório será mesmo o de Slow J, da quem dedicámos especial atenção mal The Free Food Tape, o seu EP de estreia, aterrou nas malhas digitais. Foi ele uma das apostas para aquele que foi o primeiro Festival Rimas e Batidas, possibilitando-o a dar o segundo concerto da carreira no palco do Cinema São Jorge para uns quantos curiosos. Pensar que Slow J esgotou por duas vezes a maior sala de espectáculos do país há um ano só nos dá mais motivos para acreditarmos que estamos mesmo a trilhar o percurso certo. E esse salto de popularidade dado pelo visionário artista de Setúbal acaba por ser um reflexo de toda a cultura hip hop no nosso país, que em 2015 era ainda uma linguagem musical marginal e hoje é uma das maiores forças criativas a alimentar a indústria fonográfica portuguesa. Se houve quem nos pudesse ter achado imprudentes pela insistência, o tempo veio mostrar que a nossa visão era a certa.

Mas não só das rimas e batidas — no seu sentido mais literal — se fez o arranque desta publicação. A electrónica, em todo o seu esplendor, é outra das correntes artísticas que por cá vamos abordando incessantemente, desde as suas estéticas mais concretas às mais laboratoriais, do techno puro e duro de Detroit às incursões que levaram o género a abraçar outras sonoridades, do rock à pop. Dentro deste capítulo, não podemos deixar de mencionar um nome recorrente por entre as nossas páginas nos últimos dez anos: a Princípe Discos. A editora que deu casa à batida de Lisboa é um dos faróis que nos ajudam a guiar o barco por entre esse infindável mar das produções caseiras feitas em computador. Apesar de não se terem tornado num fenómeno tão disseminado como aquele que representa Slow J, alegra-nos o facto da Príncipe ser hoje um selo de confiança nas pistas de dança do mundo inteiro, responsável por dar visibilidade a rostos da periferia que, à partida, teriam poucas hipóteses de vingar no mercado. Além de um sem-número de textos feitos em torno dessa armada lusa que compreende nomes como DJ Nigga Fox, Nídia e DJ Marfox, não deixámos de nos debruçar sobre o que foi feito lá atrás por pioneiros como Kraftwerk, Brian Eno, Massive Attack ou Cabaret Voltaire, nem de lançar o nosso olhar sobre outras frequências de nicho — desde o footwork de Jlin ao som mutante de Arca, passando por James Ferraro, Flying Lotus, KAYTRANADA, Holly, Bonobo, Octa Push ou Nosaj Thing.

Não podemos, claro, esquecer-nos do jazz. Essa linguagem que tanto alimentou samplers de produtores para dar vida a alguns dos maiores êxitos da esfera hip hop sempre teve espaço no ReB, fosse pela inovação de bandas como os BADBADNOTGOOD ou pelo lado mais luxuoso e exuberante que vinha impresso nas criações de gente como Adrian Younge. Mas hoje o jazz ocupa bem mais espaço dentro da nossa linha editoral do que no passado, reflexo da renovação que esse género tem atravessado nos últimos anos. Ecos norte-americanos vindos de Kamasi Washington, Thundercat ou Robert Glasper, e outros com origem no Reino Unido via Shabaka Hutchings, Nubya Garcia ou Ill Considered ajudaram a estabelecer as bases desta nova forma de abordar o jazz, que entretanto também tem causado mossa na cena nacional — YAKUZA, SAMALANDRA, Mazarin, Raquel Martins, OCENPSIEA, Azar Azar, Bardino, Pedro Ricardo ou Don Pie Pie são alguns dos nomes que têm marcado golos dentro de um movimento que classificámos como jazznãojazzpt.

Por último, há que destacar o constante crescendo da música portuguesa por entre as páginas do Rimas e Batidas. Se outrora sentimos dificuldade em escolher artistas nacionais fora do espectro do hip hop para abordar nos nossos textos, por estes “falarem” uma língua diferente da nossa, hoje o difícil é conseguirmos acompanhar afincadamente todos aqueles que nos interessam. Há cada vez mais praticantes em cena e, felizmente, muitos deles com visões bem arrojadas que conseguem ombrear com a arte que importamos lá de fora. A nossa camada pop é hoje muito mais plural e procura cada vez mais descolar-se dos padrões associados à fast food musical, tendo gerado vários fenómenos que se cruzam com o nosso lado “urbano” e que, consequentemente, vão sendo alvo de reflexões cá pelo burgo. Pedro Mafama, iolanda, João Não, A garota não, Conan Osiris, Dino D’Santiago, Rita Vian, INÊS APENAS, JÜRA, Ana Lua Caiano, Pongo, Margarida Campelo ou EU.CLIDES são nomes que vamos referenciando por cá com bastante frequência, símbolos de um Portugal mais inclusivo quer no que toca às suas gentes, quer no que toca às influências que absorve para ditar o estado presente da sua cultura.

Se há uma década não sabíamos que este iria ser o nosso retrato hoje, de igual modo não sabemos já apontar sobre o quê ou quem vamos estar a escrever daqui a outros 10 anos. Prometemos apenas o mesmo de sempre: a nossa total atenção às vozes que habitam este planeta musical, procurando continuar a dar uma opnião crítica sobre a arte que consideramos mais relevante, venha ela de antigos heróis ou das mãos daqueles que têm o potencial para ditar tendências no futuro. Sempre redondos. Nunca quadrados type beat.



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