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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 28/08/2023

O manager e booker cumpre 10 anos de carreira em 2023.

Da ASTROrecords a T-Rex: nos bastidores do rap game com Nelson Monteiro

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 28/08/2023

A história da música popular e, neste caso mais concreto, do rap em Portugal não se faz só dos seus intervenientes mais directos. Muitas vezes, para que um artista brilhe, uma série de pessoas fulcrais operam na sombra. Agentes, técnicos, realizadores, assessores, editores ou até produtores estão nos bastidores da indústria (de forma mais ou menos formal) a trabalhar para alicerçar projectos artísticos. Muitas vezes executam o trabalho invisível que é essencial para mudar vidas, construir sonhos e, lá está, fazer história.

Foi com esta perspectiva em mente que entrevistámos Nelson Monteiro, na sua casa em Benfica, no ano em que celebra 10 anos de carreira. Foi há uma década que apareceu em cena como manager (e “faz-tudo”, na verdade) da extinta ASTROrecords, importante editora/colectivo lisboeta que firmou uma nova geração de artistas e, acima de tudo, abriu portas para novas linguagens no rap português. Nessa altura, Nelson Monteiro trabalhou com ProfJam, Vilão, Mike El Nite, Vácuo, Recalot, Baked Donuts ou Fínix MG, entre outros artistas que, a dado ponto, se aproximaram do projecto.

Três anos depois, co-fundaria com ProfJam a Think Music, selo que foi inaugurado com Mixtakes e que haveria de se destacar por dar novos mundos ao mundo do rap nacional, apresentando artistas disruptivos, muitos deles nascidos na era do trap, como benji price, Lon3r Johny, Sippinpurpp ou Yuzi, entre vários outros, revolucionando para sempre o panorama.

Quando decidiram encerrar o projecto no final de 2020, Nelson Monteiro abriu a sua agência All About. Neste momento é o manager e booker de T-Rex, benji price, xtinto e LEO2745, além de fazer booking para Catarina Filipe. Há 10 anos, quando tudo começou e tinha apenas 21 anos, a forma como o hip hop existia na indústria da música era completamente diferente. Nelson Monteiro foi uma das pessoas que contribuíram activamente para essa mudança de paradigma e que, ao mesmo tempo, assistiram a tudo na linha da frente, com as mãos na massa. Foi o mote para uma entrevista que nos leva aos bastidores do rap game em Portugal.



Vamos começar mesmo pelo início. A ideia que tenho é que já conhecias o ProfJam antes da ASTROrecords. Também és de Telheiras?

Não sou de Telheiras, sempre fui de Paço de Arcos. Mas os meus pais eram separados e a minha mãe sempre trabalhou em Lisboa. Então, desde muito novo que estudo na zona de Benfica. Estudei na secundária de Benfica, na Delfim Santos e na Vergílio Ferreira, que foi onde conheci o Prof no 10.º ano. E dessa escola vêm bué artistas: Da Chick, Mike El Nite, Agir, o Timor que está agora com o Piruka e que foi da minha turma, o Deezy… Muita malta andou nessa escola. Muitos writers. A escola tinha uma cultura mesmo… respirava hip hop e música. E era uma escola super liberal. Tu vens aqui da secundária de Benfica e não podes sair da escola nos intervalos, e ali podias. A escola era muito exigente e, ao mesmo tempo, dava-te liberdade. E havia uma mistura do caraças. Tinhas a malta do Parque dos Príncipes, filhos de médicos e advogados. E tinhas a Horta Nova e o Bairro Padre Cruz, tudo na mesma escola. Então tinhas uma grande mistura, malta de classe alta da parte nova de Telheiras, malta de classes mesmo baixas dos bairros e classe média da zona antiga de Telheiras, de onde veio o Prof e muita malta dele e minha. Portanto, desde o 10.º ano que oiço o Prof rimar à porta da escola. Toda a gente mandava freestyle à porta da escola.

Incluindo tu?

Eu não, porque não tinha mesmo jeito. Mas há muita malta que acabou por não ser rapper, que hoje em dia não tem nada a ver com música, e na altura fazia freestyle. A escola tinha isso. Um dia, estou em Telheiras e estávamos todos atrás da rua dos cafés todas as noites íamos para lá fumar, beber e conviver e o Mário estava a mostrar uma música à malta. E eu: “Deixa lá ouvir isso”. É quando ele me mostra o “Mambo Nº1”, antes de ser lançado. E eu: “Meu, isto é mesmo fora do que se está a fazer aqui em Portugal.” Estamos a falar de 2013, em que não tinhas ninguém realmente a bater se não o Regula. Tinhas o Dillaz a explodir online, a Força Suprema muito forte, o Sam e o Valete já eram nomes estabelecidos, tinhas o Richie ou o Agir muito grandes, mas não tinhas muitos artistas urbanos a bombar a sério. Mas quem é que fazia trap em Portugal? Tinhas o Regula e a Força Suprema a fazer uma cena mais club. E nós ouvíamos todos: Mac Miller, Kendrick Lamar, A$AP Rocky… E o Rocky estava a bater muito, tanto que o “Mambo Nº1” tem essa influência.

O Mike El Nite foi muito inspirado por essa corrente.

Sim, Tyler, The Creator e A$AP Rocky… E o Prof já andava a explorar novas sonoridades. Se fores ouvir as primeiras músicas dele, que eram para ser da Profecia [mixtape que nunca chegou a sair], já tinha músicas com refrões com auto-tune, em beats boom bap. Já andava a explorar essas cenas. A própria influência do Agir em Telheiras… É um gajo muito associado à música pop, mas sempre explorou muita música e foi um artista do caraças. É muito respeitado lá na zona e sempre foi a pessoa que deu casa e estúdio para a malta gravar. Tanto que a primeira música gravada pelo Prof [tal como o primeiro tema gravado por Mike El Nite] foi na casa do Agir. Mas, pronto, nesse dia em Telheiras o Prof mostra-me a música e eu: “Fogo, isto não existe aqui em Portugal.” E eles convidaram-me para ir ao estúdio do Vilão.

Mas já existia o projecto ASTROrecords, certo?

Já existia, mas era muito recente, tinha uns meses. E eu é que acabei por dinamizar com eles a ASTROrecords quando começamos a ir para o estúdio. Lembro-me bué bem do primeiro dia em que lá fui: o Prof estava a gravar a The Big Banger Theory, o “Parte Loiça” com o Vilão; e o Mike El Nite estava a gravar o “Mel & Cólicas“, com o Nofake.

Que faz parte do disco dele, Rusga para Concerto em G Menor, que é o primeiro lançamento da ASTROrecords.

Exactamente. Portanto, era uma fase muito embrionária. E desde aí curti muito o ambiente e comecei a parar lá todas as noites. Depois, a conversa puxa conversa: “E se fizéssemos um concerto?” E na altura ninguém queria comprar os nossos concertos. O Mike já tinha umas datas, porque ele já estava na Match Attack, era mais velho, tinha andado na estrada… E nós estávamos ainda a aprender a andar nisto. E eis que eu resolvo: “‘Bora fazer um concerto.” E eu sempre fui… A minha mãe nunca me deu muito dinheiro para semanadas, então sempre me fiz à pista. Tinha de me safar. Sempre tive a cena de ir atrás das oportunidades. Desde muito novo que arranjo trabalhinhos aqui e ali para ganhar dinheiro. E sempre tive uma família muito associada à música. A minha mãe sempre me incutiu desde rock a reggae, e ouvíamos sempre uma cassete de fado nas idas para casa…

E alguém da tua família trabalhava na área?

Não, ninguém. Mas sempre curti muito de festas, noite, música. No 8.º ano aprendi a tocar guitarra. Tive uma banda que eram os The Scrotum — Os Escrotos [risos].

Banda de quê?

Tocávamos Nirvana, grunge. Eu tocava baixo, tínhamos um guitarrista e um baterista. Era pessoal da minha turma. Portanto, sempre tive a cena da música. Voltando à ASTROrecords, andava a ver espaços para tocarmos e aluguei o Teatro do Bairro e fizemos o ASTRO Shuffle. Tínhamos ProfJam, Mike El Nite, Vilão, Baked Donuts, Blink, Recalot e o Vácuo…

O Vácuo que também é daqui de Benfica.

Exacto, ele foi da turma do meu irmão durante muitos anos. E o irmão dele, o David Sampaio, era da turma do Vilão. Portanto, nós já nos conhecíamos há muito tempo. 

E esse é o primeiro evento da ASTROrecords?

Sim, e foi aí que tive a primeira experiência. Era eu a fazer tudo. Não tínhamos técnico de som, eu estava na porta e a organizar a festa lá em baixo… Aquilo foi uma salganhada. Foi começar do zero mesmo. 

Na altura tinhas 21 anos. Tinhas tido outra ideia daquilo que irias fazer na vida? Já querias ir para a música?

Nessa altura estava na faculdade a estudar gestão turística, no Estoril. Até fiz ali um ano e meio muito bem, mas depois comecei a aperceber-me de que as saídas eram péssimas. Vou estar aqui três anos a estudar para, depois, a melhor opção ser ir para o Dubai ou ir para comissário de bordo? De repente tinha ali uma cena em que acreditava mesmo e que gostava de fazer. E na altura não havia cursos de gestão de eventos. O meu dava, mas não era muito direccionado. E eu queria produzir eventos. Ainda é o que quero fazer. Estou a trabalhar com artistas, mas o que quero mesmo fazer é produzir eventos. Daqui a 15 anos é o que vou estar a fazer, quase de certeza. Os artistas dão muitas dores de cabeça, são voláteis. Na produção de eventos estás bué dependente do teu trabalho, mas é algo mais de gestão. E quero cada vez mais ir por aí. Quero continuar a trabalhar com artistas, mas não estar dependente só deles. Então comecei a dedicar-me a isso e as coisas começaram a acontecer. E uma curiosidade: eu não era para ser manager do Prof. 

Então?

Eu trabalhava com a ASTROrecords, mas o Mike tinha o seu agente e o Prof ia começar a trabalhar com o Duda, o Duarte Figueira, que era o manager do Regula. Só que, entretanto, não sei bem como, ele foi para Miami. Ele tinha ambições de trabalhar na música a um nível completamente diferente. E agora está em L.A. e é diretor de A&R da Universal América Latina, o que é incrível. Portanto, o Duda era para ser manager do Prof e uma vez chamou-nos. Fomos jantar ao restaurante do Tito Paris ali em Alcântara, ao pé da ASTROrecords, e ele disse: “Vocês já estão a trabalhar juntos, não faz sentido estar a mudar.” E ensinou-nos como deveríamos começar a fazer as coisas. Deu-nos ali uma pequena aula. O Duda estava muito associado ao início da Bridgetown, foi um dos fundadores, portanto já tinha bastante mais experiência. Eu tenho um mail ainda, que é o mail base quando me enviam um pedido para contratar um artista, com aquelas perguntas base hoje em dia já fui reformulando e adaptando, mas a base ainda é aquela que o Duda me deu. As questões que devo fazer para perceber se tem interesse ou não e se faz sentido. Portanto, o Duda deu-nos esse empurrão e aí é que começámos a trabalhar a sério. Foi entre 2013 e o início de 2014. Quando lançamos a TBBT, eu já estou a trabalhar com o Prof. Portanto, começo entre a batalha contra o 9 Miller e a TBBT

Mas, além de o conheceres há vários anos, já estavas muito por dentro do projecto da ASTROrecords.

Sim, já estávamos a trabalhar juntos, eu estava super envolvido no projecto dele, a dar opiniões, a discutir as coisas com ele.



E o facto de gostares de música que é essencial para trabalhar nesta área, embora haja pessoas que têm mais essa sensibilidade e conhecimento também te ajudava a dar opiniões em estúdio, a fazer alguma produção executiva?

Sim, no início opinava muito. Gostava mesmo. Hoje em dia já percebi que há momentos para as duas coisas. Até porque eles é que fazem a música e sabem melhor do que eu. Mas, depois, tenho algo de que me apercebi: eu tenho sempre uma visão muito comercial das coisas, e às vezes não é isso que o artista está à procura. Portanto, tento primeiro perceber o que ele está à procura e depois dou opinião consoante o que ele está à procura. E tive ali uma fase em que estava à procura de a música ter sucesso. E o sucesso é sempre muito relativo.

Tirando este empurrão do Duda que estavas a descrever, suponho que tenhas aprendido muito pelo caminho, com as experiências, os erros que todos cometemos. Mudavas alguma coisa ou foi o caminho natural para chegares até aqui?

Há coisas que se calhar teria feito de forma diferente, mas essas coisas levaram-me a erros que me fizeram aprender. A única formação que tive foi mais tarde, na altura da Think Music, quando em 2017 trabalhei seis meses na Universal. Estive lá e fazia a Think Music ao mesmo tempo. Isso deu-me uma estaleca do caraças, a nível corporate, para saber quem são os players do mercado, perceber melhor a indústria, que as editoras não são assim um bicho tão papão como nós aprendemos a ouvir pelo Valete e Sam The Kid… Agradeço muito às pessoas com quem trabalho. E se me perguntares com ou sem editora? Se houver um envolvimento mesmo sério da editora, eu respondo: com editora. Precisas de ajuda, de mais gente a trabalhar, de malta a trabalhar as tuas músicas no Spotify e na Apple Music… Precisas de costas quentes na indústria. Na altura estive no management com a Carla Simões, que hoje em dia é a manager do Prof, é engraçado [risos]. Mas, voltando atrás, a ASTROrecords entretanto acaba. Tivemos umas divergências.

A história é mais ou menos conhecida: o Prof foi estudar para Londres, fez a Mixtakes

Sim, mas isso ainda foi durante a ASTROrecords, estávamos a trabalhar à distância. Ele estava a construir dois discos, na verdade. A seguir à TBBT, ele estava a fazer o Blood Money e a Mixtakes. O primeiro era de trap, com auto-tune pesadíssimo, e o Mixtakes de boom bap lo-fi. Eram dois projectos opostos: um muito esotérico e espiritual e outro muito interventivo e político, que era o Blood Money e que nunca saiu. Temos muitas músicas unreleased desse projecto. 

E é o Prof que tem a ideia de formar a Think Music?

Sim, porque quando a ASTROrecords acaba, ficamos sem uma casa. E acaba porque eu e o Prof sentimos que aquilo também era nosso e acabámos por não chegar a uma conclusão com outras pessoas que estavam na label. E pensámos: ‘bora criar a nossa cena. O Prof estava em Londres, eu em Lisboa, e ele estava a trabalhar muito mais activamente nisso. Foi ele que desenvolveu o conceito da Think Music. Até que um dia me manda uma fotografia do computador dele com um micro e uma placa de som, a dizer: “Olha, isto é a Think Music, é isto que eu tenho.” Já tínhamos grande parte da Mixtakes fechada.

Portanto, ia haver um lançamento, mas, tirando isso, não havia nada.

Não havia nada. Não havia espaço físico, empresa, nem sequer logótipo. Havia um nome e um disco.

Mas havia o conceito daquilo que o ProfJam queria que a Think Music viesse a ser?

Foi-se desenvolvendo on the go. Em 2016, quando saiu a Mixtakes, eu ainda não tinha ido para a Universal. Tínhamos acabado de vir da ASTROrecords. Ainda não tínhamos feito uma tour a sério. Estávamos mesmo a aprender, apesar de já estarmos há três anos a fazer coisas. Já tínhamos feito uns concertos, mas ainda estávamos a aprender. Não sabíamos bem o que é que queríamos que a Think Music fosse. Queríamos que, acima de tudo, fosse uma casa para o Prof lançar música. Depois, um dia, vamos ao Caldas Late Night, ainda nem tinha saído a Mixtakes.

E lá conhecem uma pessoa importante.

O benji price. Porque nós entramos para o soundcheck, e está o benji, o xtinto, o pessoal da Andrómeda, a label deles na altura. Eu fui sozinho com o Prof, sem comitiva nem nada. E eles iam abrir para nós. E quando chegamos ao soundcheck está o benji a cantar uma música que foi a que lhe deu o nome, porque antes ele era Um Profeta. O refrão era “à procura do benji”. Essa música nunca saiu. Mas ele estava a partir a loiça toda… E nós na altura ficámos a falar com ele, demos-lhe grande props, até que convidamos o benji para ir à apresentação da Mixtakes no Teatro da Comuna, que fui eu que organizei… Foi a terceira que fiz, depois da apresentação da TBBT na Taberna das Almas e em Telheiras, com o Slow J a abrir para nós. O do Teatro da Comuna, em 2016, foi incrível. Na plateia estava o Slow J, os Wet Bed Gang, bué malta do meio… Foi fixe que conseguimos esgotar a lotação de 400 pessoas. Pusemos lá um PA que estava quase a deitar fogo. Mas a produção de eventos é muito a minha cena e quero fazer cada vez mais.



E suponho que não queiras fazer só com os teus artistas.

Não só. Para já tenho feito só com os meus, mas quero começar a fazer com outros. Já fiz algumas coisas. Uma vez fiz ProfJam, Piruka e Fínix MG no Musicbox. Uma vez fiz, em Sintra, Allen Halloween e ProfJam. Em Braga fiz ProfJam e Sam The Kid e DJ Big em DJ set. Fiz várias vezes no Hard Club. Por isso já fiz uns quantos.

Mas agora gostavas de fazer, sei lá, um festival?

Ainda não… Agora será a Altice Arena com o T-Rex. Ainda vou fazer coisas com o xtinto e o LEO2745 em salas mais pequenas, mas assim em grande… Primeiro quero cimentá-los, ir às salas todas, fazer coisas grandes com eles e depois… Mesmo para contratar outros artistas, quero fazer com internacionais, não com nacionais. Porque os nacionais vão falar com a Everything is New ou com a Música no Coração ou fazem eles. Prefiro fazer com internacionais. 

De rap, ou não necessariamente?

Eu trabalho com malta do rap porque foi o que conheci, foi meio por acaso. Eu adorava trabalhar uma banda. Red Hot Chili Peppers, Arctic Monkeys… Uma banda mesmo. Tipo Capitão Fausto. Mas é cada vez mais difícil. Bandas que estejam aí a surgir, deem-me o toque para eu ouvir.

Voltando atrás, tu, o ProfJam e o benji price acabam por formar a “Santíssima Trindade” da Think Music e desenvolvem o conceito do projecto a partir daí.

Sim, o benji entra a seguir ao Teatro da Comuna. Aliás, nós convidamo-lo para a Comuna já com o objectivo de o convidar para vir para a Think Music. E ele aceita, vem de bom grado, já com malta em mente: o PrettieBoyJohnson, o xtinto… Esses e o Mike El Nite são os primeiros, mas não são os primeiros a mostrarmos às pessoas. Depois as coisas vão andando. Ainda não tínhamos estúdio. Tentámos alugar em Campolide, ainda pagámos dois ou três meses, mas ia ser muito caro fazer as obras que era preciso e deixámos aquilo. E começámos a fazer o estúdio na casa do benji, em Alvalade. Era a traphouse.

Só mais tarde é que foram para a Fábrica da Pólvora.

Isso acontece mais tarde. Depois entretanto entra o Yuzi, o Sippinpurpp, o Lon3r Johny, o L-ALI… Tudo nomes sugeridos pelo benji. Ele é que chegava ao pé de nós e dizia: olha este gajo. E aí começas a desenvolver o conceito.

Também te queria perguntar sobre isso. A Think Music começa com um trabalho de continuidade do ProfJam e acaba por se destacar, depois, com estes nomes novos e refrescantes, que ninguém conhece, e que são disruptivos.

Sim. Primeiro, o Prof sempre foi um gajo disruptivo. E o benji também, musicalmente. O Prof era um gajo estranho para a indústria e o Nite também. Nós sentíamos isso na pele, apesar de o Prof ser um dos melhores writers do rap game não há como dizeres que não. Sempre foi um gajo que inovou e arriscou e nunca se pôs numa caixa. E as pessoas sempre tentaram que ele estivesse numa caixa e ele sempre rejeitou isso.

Até porque a cena hip hop na altura era muito mais conservadora e fechada.

Sim, e apesar de o Prof na altura já estar a fazer números que competiam com o resto do game, nós, por sermos diferentes, sempre tivemos menos oportunidades. 

Sentias isso no booking?

Sim, muito, muito. Tinhas toda a gente a ir ao Sudoeste antes de nós. O Bispo, os GROG… Nós éramos os últimos a chegar aos sítios. Quando chegávamos partíamos a loiça, mas éramos sempre dos últimos. E isso tinha muito a ver com nós sermos um bocado outsiders

E a própria ASTROrecords tinha esse espírito, de artistas diferentes e relativamente alternativos.

Sim, vais ao canal da ASTRO e está lá um vídeo de freestyle em que eles estão a partir a loiça em 2014 num trapzão. Sempre ficámos numa de: a malta não percebe o que estamos a querer fazer. Mas, pronto, quando começamos a ouvir os gajos que o benji nos mostra, ficamos: why not? Isto é o que se está a fazer lá fora, é o que nós fazemos, porque sempre quisemos fazer aquilo que se estava a fazer lá fora. Nunca quisemos estar presos ao que estava a ser feito aqui que, aliás, era o que estava a ser feito lá fora há uns anos. Afinal, o hip hop não é português. E nós nunca nos quisemos fechar no boom bap ou no trap ou no que seja. Nós gostamos de música. O Prof é um grande fã de dancehall, de techno, de reggae… O benji é um grande fã de rock, o Nite também adora imensos géneros musicais. Nós na ASTROrecords até tínhamos um projecto secreto de kizomba [risos].

A sério?

Está na net, com akas, nomes diferentes, noutro canal. Há músicas com três ou quatro mil views [risos], são grandes sons. Portanto, já na altura andávamos a brincar a fazer música. E na Think Music quisemos mesmo assumir essa diferença. Abres uma label com a Mixtakes, a partir daí podes fazer o que quiseres. E quando os convidamos a vir para a Think, é numa de dar voz a malta que nunca ia ter voz. E iriam ter dificuldades ainda maiores do que aquelas que nós tivemos para entrar no game e na indústria, sabendo de todos os danos colaterais que isso poderia trazer para o Prof, por estar a agarrar nessa malta.

Sentiram muito o backlash na altura?

Então não, com aqueles comentários no YouTube, éramos os gajos com mais hate no game. Não tinhas ninguém com mais hate do que a Think Music. 

E, três ou quatro anos antes, o “Mambo Nº1” já tinha dividido opiniões.

Sim, muito. A cena é que o “Mambo” tinha grandes barras. Quando metes o Yuzi ou o Sippinpurpp, não tens grandes barras, há muito auto-tune, um visual diferente… Isso já entra muito numa cena de estereótipo. O Mike e o Prof estavam a rimar, com bué dicas em inglês, num beat trap… É diferente para a altura, mas tens as bars. Quando vens com o Lon3r, o Purpp, quando o Prof entra no “Gwapo” com o Yuzi… E na mesma semana lança o som com o L-ALI, o “UAIA“, que faz um grande contraste. E nós queríamos mesmo fazer esse contraste. Toda a música é válida, desde que curtas ou que te faça sentir bem ou alguma coisa.



Mas o backlash fez-vos mudar alguma coisa?

Não, só nos deu mais força para continuar a fazer aquilo que estávamos a fazer. Não curtes, problema teu. E estávamos, ao mesmo tempo, a criar uma legião de fãs tão hardcore que quando alguém trashava ia imensa gente defender e isso dava-nos ainda mais força. E depois íamos aos sítios e tínhamos sempre tudo cheio. O Yuzi e o Purpp bateram os recordes de listas escolares. Eles os dois, e o Lon3r que estava a surgir na altura, fizeram 130 e tal listas escolares em três meses. Na altura não havia ninguém mais requisitado do que eles, nesse segmento dos putos. 

Também pelo facto de terem actuações muito enérgicas, com muito mosh.

Sim, já havia malta a fazer isso, mas o Yuzi veio intensificar muito isso. Os Wet na altura também estavam a explodir e tinham um concerto com muita energia, mas o Yuzi era mesmo rage. E, para nós, era fazer música que ninguém estava a fazer, e achávamos que era boa, portanto…

Por curiosidade, chegou a haver algum nome fresco destes em cima da mesa para assinar pela Think Music, mas que acabou por nunca lançar nada?

Não… Convidámos algumas pessoas para vir para a Think, mas mais no final, quando a cena estava a acabar, para ver se salvávamos aquilo. Mas num registo mais de business corporate do que agarrar num novo talento. Todos estes que queríamos agarrar, agarrámos. Ah, houve um que optou por não vir: o Yuri NR5. Esteve em cima da mesa, recebeu uma proposta nossa e outra da Bridgetown, e foi para a Bridgetown. O benji sempre o acompanhou de perto. E o NR5 foi um gajo que quisemos bué agarrar e que não conseguimos. Mas, por um lado, ainda bem. Porque a Think Music acabou passado um ano e tinha sido muito mau para ele.

Fala-me, então, do fim da Think Music.

É mais fácil de explicar do que parece. Começas um negócio em 2016, numa altura em que nós não sabíamos nada. Portanto, começas com certos princípios e vais chamando malta, sempre muito bem-intencionado, e estabeleces um deal com as pessoas. Esse deal, durante anos, faz bué sentido. Porque não há nada, não geras nada… 30% ou 20% de zero é zero. Agora, quando estás a falar de dezenas ou centenas de milhares de euros, 30% é muito. E quando rebenta a pandemia… Até lá tudo bem, já tínhamos problemas estruturais internos que eu, o Prof e o benji sabíamos que tinha mais a ver com a gestão da empresa… Tínhamos muitas despesas para a forma como o business estava montado. E nós não tínhamos contratos com os artistas, era tudo de palavra, porque a malta foi entrando e fomos fazendo. Os princípios não estavam bem definidos. E, quando a pandemia rebenta, as únicas pessoas que tinham dinheiro guardado para sobreviver era eu, o Prof e o benji. Geríamos a empresa, passávamos o ano na estrada e não tínhamos tempo para gastar o dinheiro… E houve muita malta a pôr em causa o deal que nós tínhamos com eles. Enquanto isso, eu tinha tido abordagens do Holly Hood, estava a fechar a cena com o T-Rex…

Ou seja, havia artistas de fora da Think Music que queriam trabalhar contigo.

E bons. Eu queria muito agarrá-los mas eles não queriam a Think Music. Não imaginas o Holly Hood na Think Music, como é óbvio. O T-Rex também estava a fazer a cena dele… Já o benji estava a trabalhar com muita malta fora da Think Music, com toda a indústria. Em tempos de pandemia, o Prof era o investidor e o que estava agarrado a mais guita. Era o que tinha mais guita investida em artistas e estávamos com muitas dores de cabeça, por causa da malta a contestar dinheiro… O Prof estava a ficar farto de algumas coisas, eu com interesse em trabalhar com pessoas fora da Think que não queriam ir para a Think e estava a ficar farto de trabalhar com pessoas que estavam na Think, e o benji idem aspas. Então, chegámos à conclusão: “‘Bora fechar em grande.” O benji e o Prof decidiram fazer um projecto, o SYSTEM, e mais vale fechar a coisa em alta do que deixá-la desvirtuar-se. Poderíamos tentar agarrar a cena e mudar o deal com as pessoas, mas nós já estávamos tão cansados e a perceber que se calhar íamos perder certas oportunidades, que preferimos terminar o projecto e começar novos projectos com bases novas. “Com tudo o que sabemos agora, ‘bora criar coisas novas.” Com muito carinho à Think Music, adorei mesmo, é dos projectos que ainda está no meu coração… E continuo a dar-me super bem com o Prof, o benji, o Nite… Com outras pessoas cortei algumas relações, as relações estavam um bocado saturadas.

É natural, também. Como é que olhas agora para a ASTROrecords e para a Think Music? Não só para a importância que tiveram para ti, mas para o panorama da música e do rap em Portugal.

Acho que a ASTROrecords foi um embrião do que a Think veio a ser. Na Think, eu, o Prof e o benji conseguimos mesmo fazer aquilo que queríamos. Sentimos que fomos mesmo dos 0 aos 100 muito rapidamente. A seguir à Bridgetown, éramos a maior label independente. E com influência directa nas novas gerações que vieram a fazer música. Vês os novos putos que estão aí a surgir e a quantidade de “filhos” de ProfJam e de Think Music que existem é gigante. 

Há um antes e um depois da Think Music.

Sem dúvida, e nós sabemos dessa importância. Isso orgulha-nos muito. Saber que nós deixámos mesmo uma marca vincada na música e no hip hop em Portugal. 

E estavas a contar então que os primeiros contactos com o T-Rex coincidiram com essa fase.

Eu, o Prof e o benji abordámos o Rex para ele vir para a Think Music. Porque sabíamos que ia haver para aí duas pessoas que iam saltar fora do barco. E, para mantermos a Think Music, tínhamos que ter um novo talento super forte. Porque o Prof estava com uma facturação gigante que sustentava tudo e os outros estavam a correr bem — mas, sou sincero, enquanto manager não os via a atingir o nível do Prof. Mas nós víamos o Rex a atingir isso. Tanto que está aí a prova. Nós os três víamos isso e convidámo-lo: “Achamos mesmo que, aqui, vamos dar-te o que tu precisas.” Mas o Rex já gravava e misturava as próprias coisas, ele não precisava de um benji. Nem precisava propriamente do Prof para investir na carreira dele. Ele não queria estar debaixo da asa do Prof, ele queria ter a cena dele e estava a criar a label dele. Ele precisava de ajuda para ser alguém como o Prof e não para estar abaixo. E, na altura, isso foi um trigger: “Malta, não vou perder esta oportunidade. Vou trabalhar com o Rex.” Entretanto, a minha relação com o Prof também estava desgastada. Desde 2008, para aí, que nos conhecemos… Com muita estrada, os problemas profissionais ou pessoais, as coisas da Think, estávamos com uma relação muito saturada. Discutíamos bué. Eu já evitava dizer-lhe coisas que achava que lhe deveria dizer para evitar o confronto. Ele fazia o mesmo. Então: “Nós somos bué amigos, não vamos estragar uma relação.” E resolvemos cada um seguir a sua cena. Ele sabia que eu estava bem entregue, e ainda tínhamos uma tour dele para fazer, portanto não fiquei de mãos a abanar. E deu tempo para eu ir trabalhando o Rex.



E, naturalmente, ficaste a trabalhar com o benji.

Sim, e com o xtinto, que também estava na Think. Foram as pessoas com quem quis continuar. E resolvi ter um new beginning. E acho que a ASTRO, a Think e a All About mostram que começar de novo é muito importante. Começar novos capítulos e conseguir outra vez, e cada vez melhor. Sinto que cada projecto está a ser maior do que o anterior. Claro que a All About já não é uma label, é uma agência. Mas acho que ainda vai crescer bastante.

Tens ambições de ter muitos mais artistas a trabalhar contigo?

Muitos mais não, mas quero ter mais. Quero ter bons artistas e quero formar artistas, como aconteceu com o Rex e o Prof. Acho que o xtinto tem um potencial do caraças. Ele tem 26 anos — o Prof rebentou com 28, o Plutonio foi com 30. Ele ainda tem muito para dar e é muito talentoso. Nessa geração, entre os 18 e os 25, ele e o Rex são “os gajos”.

Mas o Rex está em topo de forma, no seu auge de popularidade e impacto.

Sim, também é muito mais comercial do que o xtinto. É mais melódico, tem uma imagem bué apelativa, tem as comunidades todas com ele… Isso ajuda muito. Mas demorou. Para quem acompanha a carreira dele, está desde 2013 ou 2014 a lançar, no mínimo, um projecto por ano. Deve ter mais de 10 projectos na rua. Não precisa de ninguém para fazer música.

O que é que achas que ele precisava quando começaste a trabalhar com ele?

Antes de mais, começo por aquilo de que eu próprio precisava. No final da Think Music, eu, o Prof e o benji estávamos cada um em sua casa, a perguntar “metes tu na net? Meto eu?” e trabalhar com o Rex trouxe-me uma alma nova. Estes gajos festejam cada pequeno passo, cada pequena vitória. Só o facto de estares a lançar uma música é motivo para festejar. Ainda nem sabes se vai correr bem ou mal, mas está na rua. A energia é do caraças. E isso leva-me ao início da Think Music e ao início da ASTROrecords, que deixámos de ter. Eles e são eles, muito o Smyle também deram-me uma motivação nova para trabalhar. O que eu trouxe, acima de tudo, foi a profissionalização do projecto. Uma pessoa que acreditava tanto no projecto como eles, que já tinha trabalhado num projecto muito parecido que é o do Prof. São artistas muito criativos, conceptuais, muito bons em palco. No fundo, tinha de replicar um bocado aquilo que eu tinha feito com o Prof mas já com uma experiência completamente diferente e adaptada ao Rex, claro. E, tal como com o Prof, eu e eles estamos na mesma página, no mesmo mindset. Claro que temos divergências, mas a postura na forma de estar, a forma como encaramos os lançamentos, é muito idêntico. E isso é muito importante. Sinto-me mesmo blessed.

Com o T-Rex num momento de forma tão bom, o desafio é sempre dar o próximo passo e manter o hype. Como é que encaras a carreira dele neste momento? Por onde é que dá para crescer mais? Estavas a falar há pouco de fazer a Altice Arena, que é um passo natural embora gigante…

Eu nem tenho pensado muito nisso, porque estamos a acabar este ano, ainda estamos um bocado overwhelmed com tudo o que está a acontecer. E estamos a acabar a tour, que termina no final de Setembro. Depois vamos parar um bocado, vamos só fazer fora de Portugal, um concerto ou outro, e depois voltamos para o ano. Mas nós sentimos que ainda não estamos na fase de consagração, ainda temos de fazer algumas coisas. Temos que fazer a Altice Arena, cimentar Portugal, Angola e começar a olhar cada vez mais para fora. Porque ele já é tão grande em Angola como é cá ou se calhar ainda é maior, é diferente. E queremos muito olhar para o Brasil e outros países. E depois é manter.

É um desafio.

É o maior desafio. No To Pimp A Butterfly, logo no início, tens o Dr. Dre a dizer “Anybody can get it, the hard part is keepin’ it, motherfucker”. Chegar ao topo muita gente chega. Já tiveste muitos hypes. Tiveste o Holly Hood, o Dillaz, o Piruka… Acabam todos por descer um bocadinho e depois o grande desafio… O 50 Cent não vai fazer o “In Da Club” outra vez, não é? Provavelmente o Richie não vai fazer o “Do You No Wrong” outra vez. Ou o Slow J se calhar não faz outro “Teu Eternamente”. Não sabes se voltas a ter uma canção tão grande. A cena é não viveres na sombra do teu sucesso anterior e continuares a caminhar e a trabalhar bem. E acho que isso passa por não teres medo de arriscar e por seres consistente. Mas é a primeira vez que, na minha carreira, estou a passar por isto. Tive o hype da Think Music, do ProfJam e estou a ter do T-Rex. Mas nunca passei pela fase de como manter. Estaria a fazer essa parte agora com o Prof. Falo com ele mas não acompanho o dia a dia. Mas acho que passa mesmo por isso. Muitos artistas ficam com receio e param muito tempo. E depois sentem que têm de voltar com um hit. E se lançam uma ou duas que não correm muito bem, ficam ainda com mais receio e param mesmo bué tempo. Tiveste uma música com 10 milhões, depois lançaste duas com três e achas que estás a flopar. Não é um flop. Tento incutir muito aos artistas que eles devem abordar o seu projecto da mesma forma que eles observam o projecto dos artistas que eles gostam de ouvir. Quando ouves os teus artistas favoritos, os Drakes ou os Kendricks… O Drake não está preocupado se o Honestly, Nevermind vai ser um mega sucesso. Ele vai lançar aquilo porque é o que lhe está a apetecer fazer.



E depois logo se vê o que acontece.

Exacto. E o Prof neste novo álbum [MDID] é um reflexo disso. Com este projecto foi fazer aquilo que lhe apetece, não está à procura de fazer um “Tou Bem” ou um “À Vontade” outra vez. Claro que no #FFFFFF ele estava a trabalhar com o Lhast, que é um produtor com uma visão muito comercial e ajuda muito os artistas a terem aquelas estruturas redondinhas, mas agora o Prof não estava à procura disso e é um bocado isso com que temos de lidar com os artistas. Não vais ser sempre o number one. E acho que esse é o maior desafio, saber lidar com isso e como não trabalhar para ser o number one e continuar a ser o number one. Porque o Drake continua a ser o number one… E já não é o number one. Percebes? 

Queria também perguntar-te em relação ao benji price, porque ele está a fazer uma mudança de posicionamento ao assumir o seu nome real, João Maia Ferreira. Isso muda alguma coisa na forma como o trabalhas perante a indústria?

Não… Vai dificultar um bocado a nível de comunicação, mas eu continuo a referi-lo como benji quando falo com os promotores, porque é assim que as pessoas o conhecem. Se disser que é o João, ninguém vai associar a ele.

Digo isto no sentido em que ele expressou querer afastar-se do rap game.

Quer, mas a verdade é que o próximo projecto dele está bué rap ainda. O benji é um caso à parte. Ele quer afastar-se, mas para se afastar é o que lhe digo a ele e ao xtinto , tens de seguir um bocado o caso do Childish Gambino. Era um rapper, fazia trap e não sei quê, e quando lança aquele projecto, o Awaken, My Love!, aquilo já não é rap. Não é mudares os beats e continuares a rappar. Mesmo vocalmente, tens de ir para outra cena. Olha o Mac Miller, que conseguiu mesmo com o álbum que estava a fazer antes de morrer, o Circles… Já está outra cena. Mas o meu trabalho com o benji… Ele está a aprender a ser frontman. Nunca teve muito essa cena, sempre foi uma pessoa mais reservada, mais introspectiva. Nunca foi uma pessoa com um grande à-vontade no palco, nas câmaras… Para ele, é um trabalho de motivação, de dar-lhe o seu espaço. Apesar de eu achar que tanto ele como o xtinto têm de ser muito mais consistentes em lançamentos de música. Têm que lançar mais, mais, mais. O Prof todos os anos lança música, o Rex também… É muito importante teres essa consistência para te manteres e, especialmente quando estás a subir, não estares muito tempo desaparecido… É um bocado esse trabalho estratégico que se tem de fazer. O benji está a fazer, mas já não lança música [com voz] há mais de um ano. O xtinto lançou álbum este ano e já vai lançar música nova este ano outra vez… Estou a conseguir fazer com ele aquilo que queremos fazer. O Rex nem vale a pena…

Não vale a pena falar, mas de certeza que tem imensas músicas guardadas para lançar.

Tem, tem. Já havia quando lançámos o álbum. Ele tem muita música. Mas com o Rex não estamos propriamente com estratégia… Sabemos que queremos fazer a Altice Arena entre o final de 2024 e o início de 2025. É o que temos planeado, mas não sei se vamos conseguir cumprir os timings, porque pode ser já para o ano, é já ao virar da esquina. Porque projectos como o Rex e o Prof tens de trabalhar com um ou dois anos de antecedência. Tem mesmo de ser assim. Não podes decidir fazer uma Altice Arena um mês antes, isso não existe.

Claro, é preciso haver uma calendarização para fazer booking, promoção, videoclipes. Há bocado disseste que gostarias muito de trabalhar com uma banda. Que outros tipos de artistas é que nunca tiveste mas gostavas de ter?

Gostava muito de trabalhar fado, porque gosto muito e cresci numa família de fado. Mas estou bué fora dessa indústria, de quem são os produtores, os players… Portanto, acho que nenhum fadista upcomer me irá contactar. Acho que é uma cena que, se calhar, acontece daqui a uns anos, quando eu estiver mesmo estabelecido na indústria, com muitos anos disto. Aí, sim, talvez me possa aventurar nisso. Não é para já, nem me sinto capaz de dar o melhor acompanhamento a um artista de fado. Mas gostava muito de fazer management de um fadista, de entrar mesmo na produção… A nível de management, talvez consiga fazê-lo neste momento, no booking é que estou mais fora. Não tenho é tempo agora para trabalhar mais um artista enquanto manager. De booking, estou muito aberto a novos artistas. Mas artistas já com sucesso, porque já tenho muitos a começar, então já é difícil dar oportunidades novas… É uma distribuição complicada. Então, agora tenho portas abertas para alguém maior que queira mudar de agência.

Para fecharmos a conversa, uma pergunta de retrospectiva: como olhas para a profissionalização e a industrialização do rap em Portugal ao longo desta última década, que foi uma grande fase de mudança, com uma abertura em diversos circuitos para artistas de rap, seja de promotores, editoras e comunicação social?

Acho que a coisa mudou porque veio toda uma nova geração, que é a minha. Eu, o Tomás Martins, o Zizu, o Simão Santos, o Ben, o Jêpê, o Diogo Andrade, o Rodrigo Balona… Vem de malta que começa a trabalhar nisto de forma independente e com visões frescas e renovadas. Porque existe um gap gigante entre a geração da Ana Moitinho, a Helena Pedro, o Vasco Sacramento, o Ruela… Depois disso tens o Pedro Trigueiro e depois tens a nossa geração com 30 e poucos anos. Tiveste aqueles players sozinhos durante muito tempo. E daqui a 10 ou 15 anos estão fora. Por isso, se calhar, nos próximos 20 anos somos nós. Não sei se vai haver outro gap, mas acho que daqui a 10 anos nós vamos ser esses gajos. Acho que é uma questão de geração, e isso tem a ver com o aparecimento do hip hop, a malta nas escolas com os amigos a criar as cenas… E não vejo ainda outra geração a aparecer. Mas nós acabámos por agarrar em tudo o que está a acontecer.

Falando dos concertos, quando começaste havia muitas portas fechadas para o rap em comparação com agora.

Nós não tínhamos números, o rap não estava a bombar tanto… E o Regula quando explode com o Gancho estava em todo o lado. Foi ao Sudoeste, às Queimas das Fitas todas… E tem a ver com a profissionalização. Os promotores tinham muita dificuldade em contratar artistas de hip hop. Não havia ninguém disponível às 10 da manhã para fazer uma chamada, estava tudo a dormir. Só começavam a atender o telefone às 5 ou 6 da tarde. Tinha de ser logo o pagamento todo, não havia contratos, não havia empresas, não havia uma profissionalização… E pessoas como eu, o Tomás, etc., é que vieram profissionalizar os artistas. Porque a malta ia sem técnicos, sem nada… Era tudo em formato DJ set, com o qual não tenho nada contra, mas as coisas não soavam bem. Foi preciso haver uma profissionalização.


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