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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/01/2019

Christoph de Babalon na ZDB: assombrações de raves passadas

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/01/2019

Entre os muitos espaços que encontramos na noite de Lisboa, a variedade de concertos da cidade pinta um cenário urbano diversificado e representativo do que se tem feito por cá e lá fora. Um quadro que já se viu mais homogéneo, diga-se. Alguns expõem nomes e culturas muito mais visíveis, com adesão e audiência muito mais numerosa; outros dedicam-se a dar espaço aos que ainda estão a encontrar um lugar nas bocas e ouvidos do público. A Galeria Zé dos Bois demarca-se de muitos destes espaços pela insistência e incentivos a “práticas criativas diversas e enriquecedoras”, como disseram recentemente os representantes do colectivo 00:NEKYIA em entrevista com o Rimas e Batidas. Além de apostar nas residências artísticas em diferentes artes, ressalva constantemente a importância de músicos que nem sempre têm lugar nalguns festivais e espaços, pelo teor underground ou experimental dos mesmos, por serem consumidos dentro de nichos. Sem tirar importância a espaços como as DAMAS, ou festivais como o Semibreve, o OUT.FEST ou os Jardins Efémeros, a ZDB figura como lugar para apresentar novos artistas e para não esquecer outros que significam tanto, conseguindo albergar um público atento e entusiasmado pela música que lá passa.

Nesse sentido, a noite de 19 de Janeiro trouxe o produtor alemão Christoph de Babalon, que no ano passado mereceu a reedição do seu If You’re Into It, I’m Out Of It – e respectiva atenção por parte da Pitchfork ou Resident Advisor, como disse Bruno Silva no texto de apresentação do concerto –, disco marcante na electrónica do virar do milénio, em que a cultura rave ainda persistia com maior força. Cultura essa que, quase uma década depois, daria asas a um tal de Burial para reforçá-la sonicamente com classe e qualidade, num registo que conheceu um público mais vasto. Nesse âmbito, e com o novo EP Hectic Shakes cá fora, a ZDB recebeu Christoph de ouvidos bem abertos.



Para a abertura, Enkō deu-nos um set de quase duas horas em que timbricamente sentia-se como se o som saísse gradualmente de uma gruta. Inicialmente soou mais submerso, caminhando a passo e passo para batidas e pancadas mais claras. A sonoridade que nos apresentou tem influências variadas dentro da electrónica e do clubbing, da qual vai buscar o dub, o garage, o techno e o house. Com sons etéreos entre Burial e Valentin Stip, o DJ começou com uma paisagem nocturna, enevoada e ventosa, tal como vimos as ruas do Bairro Alto antes de entrarmos no espaço. Neste jogo com o espectro sonoro — batidas carregadas de reverberação alicerçadas em sintetizadores misteriosos — sentíamo-nos num ambiente cinematográfico, completamente construído pelo som, sem necessidade de imagens. Como tal, a imersão foi fundamental no jogo narrativo de passagem entre cada paisagem que Enkō revelou. Entre as batidas submersas com algum house mergulhado nos loops e texturas volumosas, lembrou-nos Haxan Cloak e até Jon Hopkins. Houve alguma agressividade tímbrica e harmónica, quase trip-hopiana. Encontraríamo-nos entre o house e o techno, se mantivéssemos os BPMs, pegássemos nos samples e baixássemos algumas oitavas. Como tal, o DJ soou mais misterioso e nocturno, embora igualmente dançável. Mas o som de DJ Enkō falou por si. As referências e paralelos são meramente ilustrativos. O set terminou com o público visivelmente satisfeito, que acompanhou atentamente cada mudança de beat ou de ambiente.

À meia-noite, o produtor alemão iniciou o seu espectáculo. Sem uma quantidade extensa de material em cima da mesa, como por vezes é comum no mundo da electrónica, Christoph de Babalon serviu-se apenas de três dispositivos para controlar o som, inclusive um tablet. Num ambiente tenso, igualmente enevoado, iniciou-se de forma atmosférica e misteriosa. De súbito, as batidas voltaram a ser o centro da noite. Os graves mostraram-se poderosos neste espectro sonoro, intensificando as batidas de garage e jungle de Babalon, típicas dum clubbing mais nervoso e catártico. Neste âmbito entre o groove quase drum and bass e a agressividade e timbres do industrial alemão, o set do produtor alemão centrou-se em complicadíssimos e velozes beats, não esquecendo o seu lado mais ambiente com paisagens tensas e dissonantes a ocupar parte da performance e trabalhando com momentos mais harmónicos, nos quais a catarse foi mais sentida.

Ao longo de 1h30 jogou constantemente com a atmosfera e a repentina entrada de batidas e breaks, reforçando um estilo intenso embora despido, visto que esta sonoridade se define pela instrumentação minimalista: uma linha de sintetizador, a variação tímbrica e harmónica, e o groove e intensidade das baterias. Não há muito mais contornos, e também não são pedidos. E as reacções da audiência assim o demonstraram: acompanharam o balanço daquilo que saiu disparado do sistema de som num momento catártico para todos aqueles que marcaram presença.


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