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Fotografia: Sergio González Valero
Publicado a: 04/02/2019

C. Tangana: “As pessoas estão cada vez mais dispostas a ouvir música em espanhol”

Fotografia: Sergio González Valero
Publicado a: 04/02/2019

Tal como acontecia com os Corleones, cada decisão de C. Tangana é também meticulosamente calculada e analisada. À superfície, pode parecer descuidada ou até mesmo exacerbada a imagem de um folião, que se preocupa com a superficialidade das noites sem fim, das bebidas sem fundo e das raparigas sem interesse. Mas qualquer concepção meramente despreocupada é injusta de se fazer a este rapaz de 27 anos que parece ter o mundo nas palmas das mãos. Para Antón Álvarez Alfaro, a prioridade é colocar a música urbana latina no centro da discussão, algo que é cada vez mais urgente nos dias de hoje. O seu estilo, no mesmo sentido, vai ao encontro do que se tem ouvido nos últimos anos e que a rádio tem adorado reproduzir: um rap assertivo com influências pesadas do trap, mas que ao mesmo tempo passa pelas brasas de um reggaeton desenvergonhado e de um flamenco bem doce.

Com este mote, veio o disco de estreia, Ídolo, de 2017, seguido da mixtape Avida Dollars no ano seguinte — que recebeu mais atenção por parte do público. A partir daqui, Tangana não queria ficar limitado ao processo mundano de criar um disco cada vez que pretendia lançar uma música nova, e passou a ter mais controlo da sua arte e da direcção que esta tomava: “Não é uma constante para mim pensar no próximo álbum, porque não é uma prioridade; quando tiver de o fazer, então aí pensarei”, conta-nos. Em pouco tempo, nasceram temas como “Bien Duro”, “Un Veneno”, “Booty” e o mais recente “Pa’ Llamar Tu Atención” – todos partem de um pressuposto orgânico e familiar, com a capital espanhola como cenário principal, mas têm por outro lado uma ambição e uma capacidade de quebrar barreiras europeias e linguísticas: “há alma latina na Europa, e o meu trabalho é fazer com que essa alma seja espalhada a nível universal”.

Tangana tem aspirações internacionais e elas vêem-se precisamente com quem decide colaborar; afinal, a indústria musical é um negócio e, tal como Vito Corleone, é melhor fazê-lo em família. Em dois anos, colaborou com Farruko, French Montana, Jesse Baez e Danni Ble. Ainda teve mão pesada no último álbum de Rosalía, acabando por ganhar um Grammy Latino como compositor com a música “Malamente”: “Para mim, a música não se destina somente ao que fazes por ti mesmo, mas como trabalhas com outros. Sou muito selectivo com quem trabalho e com quem quero na minha mira. Não faz sentido fazer algo só por fazer, sabes? Tem de haver um clique especial e se eu não sentir esse clique, então esquece”.

Em entrevista ao Rimas e Batidas, directamente de Madrid, Espanha, Tangana falou sobre a capacidade que a música latina tem em quebrar muros sociais, a crescente exposição da sua música, os seus planos para dominar o mundo e as expectativas que tem para 2019, com uma atenção especial para o concerto que vai dar em Portugal, no dia 8 de Fevereiro no Musicbox, em Lisboa.



Sei que gravaste o vídeo do teu novo single, “Pa’ Llamar Tu Atención”, em Portugal, o que mostra já uma espécie de conexão ao nosso país. O que te trouxe até cá?

Já estive em Portugal algumas vezes, e não é de todo um sítio desconhecido para mim. O meu pai é de Mérida e muitas vezes ele levava-me a Vigo durante as férias, que é muito próximo da fronteira. Era normal irmos a Portugal, nem que fosse durante pouco tempo. Já estive no Porto, Lisboa, Valença e Faro, por isso pareceu-me natural gravar o vídeo cá. Nem pensámos muito nisso, na verdade. Alguém sugeriu Portugal e pareceu-me uma boa ideia.

Sentes que há uma maior conexão da tua música a sítios onde o espanhol não é a língua principal (como Portugal, por exemplo)?.

Sim, sem dúvida. Penso que o espanhol se está a tornar cada vez mais popular, o que a mim me dá um enorme prazer. As pessoas estão cada vez mais dispostas a ouvir música nesta língua, mas nem sempre foi assim: durante algum tempo, a música em espanhol era sempre colocada numa certa categoria, numa certa caixa, e isso tem caído ao longo dos anos. Quando era mais jovem, ouvia muita música em inglês, mesmo quando não percebia nada e penso que o mesmo está a acontecer com a música em espanhol.

É impossível negar a atenção e aclamação que a música latina tem recebido nestes últimos tempos. Pessoas como o J Balvin, Bad Bunny ou até mesmo o Luis Fonsi têm feitos espectáculos por toda a América do Norte e mais pessoas estão atentas ao trabalho deles. O que achas que justifica esta atenção, especialmente agora?

Não sei se existe uma explicação própria para isso. Penso que nós artistas não nos devemos focar nos grandes feitos que outros estão a fazer. Eu, por exemplo, faço a música que quero e penso que estou num bom momento porque há pessoas que querem ouvi-la. Eu não quero saber de quem está em nº 1 ou se vou chegar lá um dia; para mim, é sobre como fazer algo diferente na minha arte, e como torná-la mais divertida, mais dançante, mais apelativa para mais pessoas. Isto para mim não é sobre ser o melhor.

Essa mentalidade é partilhada por muitos artistas do cenário espanhol da música urbana, que de alguma maneira estão a quebrar barreiras e a atrair mais pessoas. O objectivo a partir de agora é continuar?

Por exemplo, Portugal tem elementos de ligação com Espanha, por isso acho que essas barreiras são mais fáceis de quebrar. No entanto, de um modo geral, há uma nova onda de artistas mais jovens que querem fazer algo diferente. Agora, podemos chegar facilmente ao mainstream, o que é bom, mas não deve ser só isso, sabes? Há agora uma oportunidade de trazer algo mais artístico.

Na América, há imensos artistas que têm sucesso comercial, e fazem-no com algo singular. No lado latino, não estávamos tão habituados a isso, mas confio nesta nova geração para trazer algo diferente. Não se deve pensar em como fazer o próximo “Despacito”. Eu não quero fazer o próximo “Despacito”, estou-me a lixar – quero fazer música que tenha significado para mim.

Há, sem dúvida, uma necessidade em trazer algo diferente. Aliás, tu foste um grande exemplo disso o ano passado com o último álbum da Rosalía. Vocês chegaram a ganhar um Grammy Latino. Como surgiu tal relação?

Ela é simplesmente um génio. Conheci-a há dois, três anos quando ela só tinha uma conta no SoundCloud e percebi rapidamente que ela tinha muito potencial. A maneira como trabalhámos foi muito fluída e demo-nos bem com rapidez. Sei que ela vai ser dos grandes nomes da música no meu país.

Portanto, há esperança numa mudança a acontecer com esta nova onda de artistas. No entanto, achas que há algo ainda a faltar?

Não muito. Acho que se deve apostar mais nesta nova geração, em miúdos que têm interesse em música e que querem aprender ao máximo. Na América, sei que há quase sempre uma equipa de compositores e produtores por detrás de cada jovem, mas aqui não é nada assim: tens de ter um interesse natural por música e saberes bem aquilo que queres para ti. Há imensos miúdos com potencial e que muitas vezes não têm assim tantas oportunidades e isso é um ponto a realçar, sem dúvida.



Qual foi a tua primeira interacção com música?

Não me lembro bem. O meu pai tocava com frequência guitarra lá em casa e sempre tive curiosidade em aprender. Quando cresci, comecei a desenvolver um interesse pelo hip hop e partilhava isso com amigos. Começámos a escrever os nossos versos, a grafitar as paredes das ruas e a partir cenas. Queria ser melhor que eles, claro.

Já era competitivo nessa altura?

Entre miúdos era inocente, mas já pensava em ser melhor e estava sempre a escrever novas rimas, coisas que me vinham à cabeça na altura.

De alguma maneira, ajudou a perceber o que querias para a tua música – e o que continuas a querer…

De alguma maneira, sim, mas claro que é um processo contínuo. Na altura, não falava nas coisas de que falo agora, como podes imaginar, mas ajudou-me sem dúvida. Não quero obviamente focar-me nos mesmos assuntos até ao final da minha carreira. Não sei em que me vou focar, mas um artista não se deve repetir durante muito tempo: é chato quer para ele como para quem o ouve.

Falando no C. Tangana de hoje, e na música que fazes, o que queres que retirem principalmente dela?

Essa é uma pergunta difícil. Para mim, a música não tem de ser algo em concreto, para mim depende sempre de como me estou a sentir. Imagina, eu adoro ir a discotecas e dançar ao som da música mais indecente em que possas pensar – para mim é excelente. Mas quando estou em casa, gosto também de ouvir música mais experimental e sentir-me inspirado com aquilo que posso fazer para a minha arte. Para mim, é uma questão que apela de maneira diferente a cada um, percebes? Eu adoro flamenco, adoro bossa nova, fandango, bolero, por aí. Eu gosto de quase tudo, por isso não posso atribuir um significado específico à música; para mim, ela nunca pode ser nada.

O que ouves mais agora?

Está sempre a mudar. Nunca oiço a mesma coisa durante muito tempo, tenho que estar sempre a descobrir coisas novas. De momento, estou a ouvir muita música de Cuba, do México, um pouco de Compay Segundo, Los Chichos, Gypsy Kings, Buena Vista é sempre uma boa escolha também. Mais no mainstream, tenho prestado atenção ao que a Ariana Grande tem feito, porque acho que ela está no pico da sua carreira e fazer coisas bastante interessantes – e gosto especialmente desta nova atitude dela. Não sei bem, estou sempre a ouvir coisas novas.

Pensas que o teu estilo mudará bastante nos próximos dez anos, ou continuarás a buscar influências da mesma fonte?

Espero muito bem mudar nos próximos dez anos. Como te disse há pouco, é importante que um artista não se repita durante muito tempo, pois a um certo ponto tudo deixará de fazer sentido, especialmente para ele. Imagino-me a fazer música daqui a 10 anos, sim, mas tenho a certeza de que não será com a mesma direcção. Mesmo se pensar na maneira como lido com a minha vida agora, não posso ser o mesmo durante dez anos seguidos. Já pensaste se eu saísses quase todas as noites e ficasse completamente fodido durante 10 anos? Nem estaria vivo daqui a cinco. Quero manter um equilíbrio quer na minha vida pessoal, como na minha vida profissional. Tenho planos para o que ainda quero fazer e sei que ainda tenho tempo para lá chegar, por isso mais um ou dois anos assim e mudarei.

Não falando em 10 anos, mas quais são os teus planos para 2019?

Estou a tentar fazer cenas diferentes com a minha música e 2019 será sem dúvida um bom ano para experimentações. Ando a dar uma especial atenção à minha composição e procuro sempre superar-me e dar algo novo às pessoas. Quero ser diferente daquele que fui em 2018, mas ao mesmo tempo manter o meu flow. O lado latino neste momento está a fazer algo bastante especial e diferente do que se fazia há dez, vinte anos e esta é a melhor altura para tirar proveito de tal mudança. Estive com a Becky [G] na Billboard há uns tempos e durante as gravações falávamos só em espanhol. Não me lembro de isto acontecer, percebes? Temos mesmo de aproveitar.


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