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Fotografia: Beatriz Pequeno
Publicado a: 13/07/2023

Aquecimento pré-festival.

Black Country, New Road na ZDB: a rebeldia tolerada

Fotografia: Beatriz Pequeno
Publicado a: 13/07/2023

Um Range Rover nos verdes de Inglaterra. E um barco de madeira atrelado. A estrada faz-se tranquila por entre as sebes. O CD que se escolhe não é Naked City, seguramente não, como no já longínquo, tão remotas como as sessões de cinema na Casa das Artes, filme de Michael HanekeFunny Games. Nem o tema é “Bonehead” (“Grand Guignol” . Avant . 1992). São, continuam e assim o desejam até à eternidade a ser uma família feliz, os Black Country, New Road.

Eles sabem-no e a plateia que lotou o aquário da ZDB comunga da mesma ideia. A família é construção ancestral, os amigos de infância são para se manter. Tudo se conforma num estado de suave comodidade, independentemente das separações mais ou menos dolorosas, e pensamos que tenha sido assim, com a saída de Isaac Wood. Uma assistência pouco habitual à que regularmente frequenta a sala da Rua da Barroca, 59. Uma orquestra celestial vai apresentando os temas previamente definidos, com um concerto de duração determinado, entre 50 a 60 minutos, como marcado na folha do técnico de som e sem encore, como estabelecido. Na casa do lago não há surpresas. Peter e Paul não vasculharão o frigorífico, nem irão submeter ninguém aos jogos mais sórdidos de que há memória. Dançam na doce melancolia, entregam-se a um deleitável menear, as mulheres sacodem o cabelo para o situar no exacto ponto donde o mesmo nunca deveria ter saído. E ajeitam a bolsa ao ombro. Rendidos, desde o início, assim é, quase sempre, a uma imagem que se cria e que é intocável. “Que som!” exclamam entre dois temas. Respeita-se e agradece-se a paciência do público, enquanto se pede três singelos minutos para a afinação das cordas. A rebeldia tolerada. Uma citação de Pedro Mexia em jantar em volta da piscina, para santificar. Mas não mais. Reforço das convicções liberais e na crença do mérito individual. O Verão é estação propícia. A elegância em papel de parede. A realidade essa, e de volta ao colégio, não permite fugas ao guião.

Um conto de fadas eximiamente tocado. Sobre isso também nunca imperou a dúvida. Desde quando técnica é critério? Uma nova banda que se tem de desenhar. Fazem-no bem. O piano como a rede confortável que não deixa ninguém desregrado, o saxofone atinadamente no ponteiro e a voz a descair para uma toada mais folk, por vezes a lembrar Angel Olsen, presença assídua na Barroca. “Up song“, “The boy“, “24/7 365 British Summertime“, “I won’t always love you“, “Across the Pond Friend“, “Laughing Song“, “Nancy tries to take the Night“, “Turbines/pigs“, “Dancers“, “Up song (reprise)” seguem rumo como pequeno fontanário em jardim nocturno. A bateria de Charlie Wayne, toada mais marcada e ligeiramente dissonante — momento curto. No fundo, 28 vias na mesa e bem preenchidas. Anotações preciosas. Diarísticas. O Verão a meio. O “The Yellow Brick Road” levará uns ao Meco, no seu Range Rover e em casa de tio ou amigo para lapas, ostras e sumo de cenoura ao entardecer. A outros é hora de devolver as canetas e partilhar uma ervinha da boa. Mas, os primeiros, nenhum deles dirá — “D’Alema di’ qualcosa di Sinistra“, nem pensará visitar a exposição, ali em cima, “La Révolution R.S.V.P. de Pablo Echaurren“. Devemos assegurar. Isso não entra no jogo familiar. É inconveniência.


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