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Fotografia: Mike AK
Publicado a: 26/03/2024

Os primeros passos de uma carreira que soa promissora.

Allis sobre “Tentação”: “Resulta de uma fusão de sonoridades R&B, afro, e gumbé da Guiné-Bissau”

Fotografia: Mike AK
Publicado a: 26/03/2024

Nasceu em Portugal mas é à Guiné-Bissau (país de origem dos pais) que chama terra. É, aliás, filha de Manecas Costa, um dos ídolos contemporâneos do gumbé guineense, estilo que Allis diz querer incorporar nos seus temas que, de resto, misturam as batidas afro com o R&B que o coro gospel que frequentou na juventude e o hip hop tuga que ouviu ao crescer lhe fundiram na voz.

Da infância passada em estúdios e backstages com o pai, diz que herdou a seriedade e compromisso com a música. Ainda se formou em Design Gráfico, mas colocou a atividade de lado pouco depois para se concentrar na nova carreira que ainda germina. No entretanto, e apesar de apenas contar com dois temas editados, a nova colega de Way45 ou YeezYuri na 608 Records está já a trabalhar no seu EP de estreia e, contou ao Rimas e Batidas, espera ainda poder lançar vários singles e apresentar-se ao vivo antes de lançar o primeiro projeto de uma carreira que, passo a passo, pode chegar longe.



Gostava de começar por te pedir que nos contes um pouco sobre ti, já que és um nome novo na cena musical portuguesa.

Claro que sim. Eu sou a Allis, nasci em Portugal mas tenho origem guineense. Os meus pais são da Guiné-Buissau e o meu percurso na música já vem de way back. Tenho a música muito inserida na família, a começar pelo meu pai, que é artista. Essa vida de backstage, ao crescer, fez com que sempre tenha querido cantar e fazer música. Felizmente, pude fazer isso com o apoio da 608 Records, que apareceu numa boa janela de oportunidade. Consegui lançar o meu primeiro single com eles há pouco tempo, chama-se “Tentação”. Mas já tinha feito música antes e tenho um tema em colaboração com os Afrokillerz, “Nha Manera”. 

Pelo que percebi, a música é um sonho antigo mas uma realização recente. Tinhas outra carreira antes da música? 

Ainda vou fazendo alguns trabalhos de design gráfico, que é essa a minha formação. Sou licenciada na área e foi uma coisa que eu fiz porque os meus pais me pediram muito. O meu pai é artista e sabia que eu também queria ser, mas tinha esse receio de que eu só enveredasse pela música, que não é, de todo, uma profissão fácil. Então quando tive de escolher um curso, escolhi um que me desse noções que pudesse utilizar na minha carreira musical e escolhi o design gráfico já a pensar na parte do vídeo e da imagem, que me poderiam auxiliar. Vou fazendo cada vez menos design, agora só em regime de freelancer quando tenho tempo, até porque a música tem vindo a ganhar mais espaço na minha vida, o que é uma bênção. 

Tu és filha do Manecas Costa, um guitarrista e músico conceituado e bem conhecido dentro da lusofonia, sobretudo na Guiné. Gostava de saber que impacto é que ter uma figura destas como pai teve na tua vida.

Afiliar a arte à família parece-me algo muito normal. Vemos isso no desporto, na medicina… são áreas em que me parece que muitas vezes os filhos seguem as pisadas e os exemplos dos pais. Quando crescemos a ver alguém fazer uma coisa, temos a tendência a querer imitar, parece-me natural. Eu cresci muito no backstage, como eu digo. O meu pai ía atuar e eu estava sempre lá ao lado. Isto aplicava-se tanto aos espetáculos como às sessões de estúdio, e isso foi uma influência muito grande. Já crescer com um artista em casa é engraçado, porque somos muito pautados. O meu pai é muito disciplinado e tudo o que faz quer fazer bem feito, mas ao mesmo tempo é um grande apoio. E às vezes, no mundo da música, o que falta é o apoio da família, que não percebe a decisão de fazer uma carreira na música, ou não apoia porque acha difícil. Felizmente, para mim, esse não foi o caso e sempre senti muito apoio do meu pai.

E diz-me uma coisa: ele ouve a tua música? Dá-te conselhos, dicas?

Sim, ele tenta deixar-me sempre seguir a minha intuição e esforça-se por me dar liberdade artística para eu não me prender à musicalidade e à maneira de trabalhar dele, que foi a que sempre acompanhei. Mas sim, ele ouve a minha música, dá-me conselhos e vai-me perguntando o que estou a fazer e como é que o estou a fazer, quer a nível de composição ou produção. 

E retiraste alguma coisa concreta da maneira de trabalhar do teu pai? 

Sim, ele é mesmo muito disciplinado. Uma coisa que se calhar não sabes é que o meu pai faz música desde os 8 anos. Ele trabalha com música a vida toda e se há coisa que ele me transmite é disciplina e seriedade — são as coisas que acho que herdei diretamente dele. 



Tu, nesta altura, ainda tens apenas dois temas disponíveis que, de resto, já mencionaste. O “Nha Manera” é uma colaboração com um grupo conhecido dos afrobeats e ligado sobretudo à música de dança, mas o teu primeiro single a solo ,”Tentação”, é algo mais ligado ao R&B, diria eu. Antes de mais, como é que surgiu a colaboração que deu o pontapé de saída da tua carreira?

Eu tenho dois amigos distintos em comum com os Afrokillerz, são duas pessoas que nem se conheciam, mas que ambos me disseram tanto a mim como aos Afrokillerz que devíamos fazer música juntos. Na altura eu cantava num coro e estava a tentar lançar a minha carreira a solo, mas ainda mesmo muito no início, sem qualquer tipo de apoio. Então, quando essa oportunidade surgiu, foi muito fixe e as coisas correram super bem. A verdade é que temos várias músicas feitas, e a escolhida foi a “Nha Manera”, que surgiu de forma muito fácil e fluída. A nível de produção, também foi muito fácil e eles deram-me total liberdade a nível da escrita, mantendo sempre o diálogo e os conselhos. De forma a que nos tornámos irmãos, até hoje. Foi um ótimo primeiro passo, não estávamos à espera que tivesse a receção e o impacto que teve. 

Já o “Tentação” veio depois, mas é o primeiro tema que tens “só teu”, por assim dizer. Fala-nos um pouco sobre essa música. O que é que ela significa para ti e sobre o que é que ela fala?

“Tentação”, é um pouco clichê, mas é como se fosse o meu primeiro filho. Foi algo que preparei com muito tempo, muito carinho e mesmo muita vontade. É uma música que resulta de uma fusão de sonoridades R&B, afro, e gumbé da Guiné-Bissau [género tradicional que resulta da fusão de várias sonoridades locais e incluí instrumentos típicos do país, como a tina e a cabaça] também. O gumbé é uma sonoridade típica da Guiné-Bissau, muito forte a nível de percussão. E como a Guiné está na Africa Ocidental, o gumbé assemelha-se muito ao som nigeriano, sobretudo a nível de guitarras e percussão.

O “Tentação” teve a parte dos drums muito pensada para encaixar nesta descrição, até porque o produtor também é guineense, o J Wolf. Mas teve uma fusão do R&B, que é a minha outra identidade sonora. Então, o que eu queria com o “Tentação” era fundir estes dois géneros. A ideia da letra partiu de mim e é uma vivência, fala de uma relação que tem tudo para dar certo mas não deu nunca. Em que existe a tentação de voltar, mas em que a mensagem é a de que o pensamento mais forte tem que ser o de ficar e não o de voltar, mesmo querendo, para uma situação que não vale a pena.

Lá está, são temas bastante diferentes, sobretudo a nível de sonoridade. Com qual te identificas mais e o que é que podemos esperar daqui para a frente?

Eu não gosto de colocar etiquetas na minha sonoridade, mas eu acredito que é importante estabelecer uma identidade, por isso vamos lá. Eu diria que sou uma fusão de R&B e afro, tento sempre trazer os dois na forma de boa música. E é sempre isso que eu tento, trazer boa música, com identidade, sentimento, e que case os dois estilos. 

E no que diz respeito às várias camadas da construção de um tema: já percebi que escreves, mas até que ponto gostas de te envolver na criação dos teus temas? 

Eu toco violão desde pequenina, não como o meu pai mas também arranho bem. Depois trato sempre da escrita e gosto de estar muito envolvida na produção dos meus temas. Sou muito opinativa e acredito que um artista tem que ter a noção e consciência do caminho a seguir. Ou seja, ouvir sempre a equipa, mas tentar seguir o que eu sinto. 

E já temos amostras dos teus dotes à guitarra, ou ainda não?

Nos meus temas não, é verdade, mas se fores às minhas redes percebes que, no Instagram, tenho lá uns vídeos a tocar. Entre os próximos temas, também pode ser que surja um acústico.  

E quando é que vamos poder ouvir mais música tua? Imagino que estejas muito ativa em estúdio, mas que esteja ainda muita coisa por sair.

Este ano ainda tenho muita coisa para fazer, mas apesar da minha curta carreira já concluí que nunca mais vou dar datas. Ainda assim, posso dizer-te que tenho um tema para sair em breve e tenho colaborações muito engraçadas para sair, que acho que o pessoal vai curtir. Estou mesmo muito entusiasmada. 

Tu tens esta dualidade de identidade guineense e portuguesa. Podemos com isso esperar colaborações lusófonas, ou ficas-te pelos artistas sediados em Portugal?

Ambos. Eu sou muito hip hop minded. É o género que ouvi ao crescer e de certeza que vamos ter muitas participações nesse sentido, mas também quero ter essa ligação à terra e trazer coisas diferentes com sabores lusófonos da Guiné e de Angola. Há coisas mesmo muito giras a virem aí. 

Isso abre-me a porta a perguntar-te sobre referencias musicais. O que é que tu ouves que transparece na tua música?

Sou grande fã de hip hop tuga, sobretudo do STK e do Regula. Eles até gostaram dos meus posts relativos ao “Tentação”, o que me deixa muito entusiasmada. Depois, também ouvi muito Allen Halloween, Valete (óbvio), Boss AC… E tenho falado de nomes portugueses, mas também gosto e ouço muito J. Cole, Tupac, Kanye West….

Old Kanye ou new Kanye?

Old Kanye e new Kanye, até porque a nível de produção há coisas recentes de que gosto muito. 

E qual é o teu plano agora? Sei que vais lançar alguns singles ainda, mas estás a trabalhar num projeto maior. Vem aí um EP ou um álbum?

Sim. Não tenho datas, mas tenho um EP em que estou a trabalhar e está quase finalizado. Por enquanto vou continuar a lançar singles e a avaliar a reação do pessoal, que até agora tem sido fantástica. A nível de comunidade, a minha música parece ter chegado a todo o tipo de pessoas, e mesmo na questão da faixa etária tem sido muito heterogéneo, o que me tem surpreendido. 

E a nível de atuações ao vivo? Eu sei que será difícil fazer uma setlist apenas com dois temas, mas tens essa ambição de pisar palcos em nome próprio, imagino.

Sim, tenho tido até algumas propostas devido ao feedback da minha primeira música, mas é como disseste, a setlist ainda é muito curta. Soon vão poder ver-me atuar, mas o melhor é acompanharem-me nas redes sociais, porque é onde vou postar todos esses updates.

E, desculpa a provocação, mas o que é que achas da ideia de estrar temas ao vivo? Ou seja, mostrar em palco música que ainda não foi editada.

A ideia não me desagrada. A reação do público costuma ser de picos, é bom cantar algo que as pessoas já conheçam, mas também gosto da ideia de mostrar material inédito para tentar perceber o que acham do tema, que até pode ser uma versão mais curta da música. Só para ver se gostam e recolher algum feedback. Eu fiz isso com o “Tentação”, no verão do ano passado, numa altura em que a música já estava pronta mas em que ainda não tinha sido editada. Foi num pequeno show na Costa da Caparica, que até tinha algumas pessoas, e esse concerto deu-me a orientação de que aquele seria um bom tema para lançar. 

E como entrou a 608 Records na tua carreira?

Eu tenho um amigo em comum com o Way 45 [o também futebolista do AC Milan e seleção nacional, Rafael Leão], que me falou da label e me explicou o projeto. Eu na altura andava também à procura de apoios para a minha carreira e já tinha algumas respostas positivas que me deixaram a pensar no assunto. Depois tive uma conversa com o Leandro [Fernandes], o fundador da 608 e gostei muito da visão. É uma label que, apesar de ter aquele feeling de upcomer, ao mesmo tempo quer projetar os seus artistas da melhor forma possível, com visibilidade e a pensar em grande. Está-se aqui a montar uma estrutura muito porreira, algo muito importante quando começas a tua carreira. Depois dessas conversas iniciais eu gostei do projeto e aceitei o convite que me foi feito. Aí começámos a projetar música e a testar muitas coisas. Eu comecei também a procurar uma sonoridade para a minha carreira, porque já tinha o tema anterior com os Afrokillerz, que era a minha única “imagem” até à data e que me lançou num certo nicho, mas eu queria fazer a minha cena e ter o meu som. Tudo isso foi muito bem aceite e, a nível de liberdade criativa, tenho muita, o que é muito importante para mim.


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