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A cena cultural conimbricense ficou mais pobre.

Afonso Macedo (1970-2022)

O sentido de humor é a característica que mais aprecio numa pessoa e o Afonso Macedo dominava essa arte com inteligência e mestria. Tinha sempre uma frase, um comentário que nos desarmava e ao mesmo tempo nos deixava um sorriso nos lábios.

A primeira vez que me cruzei com o Afonso foi em 1987, nos corredores da Nova Rádio de Coimbra, uma rádio pirata com sede na Rua Visconde de Montessão nos Olivais, em Coimbra. Alguns anos mais tarde voltaríamos a encontrar-nos na Rádio Universidade de Coimbra, onde partilhámos inúmeras experiências. Até há bem pouco tempo, o programa O Meu Disco Azul do Afonso Macedo vinha logo depois da minha Cover de Bruxelas.

Mas foi em lojas de discos que nos entendemos melhor. Dotado de uma cultura geral e musical acima da média e um bom gosto irrepreensível, foram inúmeros os artistas e discos que ao longo dos anos conheci através de sugestões do Afonso em lojas de referência da cidade de Coimbra como a Fuga e especialmente a Discoteca Almedina. Depois do encerramento da Discoteca Almedina, em 2010, o Afonso convidou-me para colaborar no projecto Quebra-Orelha. Após anos atrás do balcão nas lojas de outros, o Afonso tinha finalmente a sua loja de discos. A Quebra-Orelha, situada no número 8 da Rua Quebra Costas, funcionou entre 2011 e 2015 e deixou saudades nos amantes de boa música que preferem os formatos físicos.

O Afonso Macedo transpirava música por todos os poros, e por isso a rádio e as lojas de discos não eram suficientes para preencher a sua necessidade de transmitir emoções e provocar reações através de ritmos e sons. Lançou-se aos pratos e iniciou a sua actividade como DJ no bar A Noite Tem Mil Olhos, passou pelo Via Club, e esteve ligado a produtoras da área da música electrónica como a Cosa Nostra e a Journeys. Foi na área da música de dança onde Afonso Macedo mais se destacou como disc jockey actuando em clubes e festivais como o Forte (Montemor-o-Velho), o Boom Festival (Idanha-a-Nova), o Neopop (Viana do Castelo), os Jardins Efémeros (Viseu) e o Les Siestes Électroniques (Coimbra).



Formou também a sua própria produtora de espectáculos, a Put Some, e assim Coimbra pôde assistir a apresentações de artistas como Pantha Du Prince, Wighnomy Brothers, Murcof, Nathan Fake, Matthew Dear, Joakim ou DJ/Rupture. Mas os seus horizontes não se limitavam à dance music, a Put Some foi também responsável por trazer a Coimbra os Animal Collective, Matt Elliot e os Swell. Quando os norte-americanos Swell editaram o single “Trouble Loves You” em vinil pela Lux Records, surgiu a hipótese de se fazer uma mini-digressão em Portugal para promover o disco. Eu queria muito que houvesse um concerto em Coimbra, e por isso falei com o Afonso que fazia a programação de concertos na Via Latina. A sua disponibilidade foi imediata, e ainda hoje recordo a forma cordial e generosa que demonstrou para com a banda do malogrado Dave Freel.

Depois do final dos Tédio Boys, em 2000, o Afonso foi a primeira escolha de Paulo Furtado para o DJ de serviço dos Wraygunn, e ainda gravou para a Lux Records o disco de estreia dos Wraygunn, o EP Amateur.

O Afonso deixou-nos no passado sábado. Coimbra perdeu não só um melómano, mas também uma das suas grandes referências na área da música. Era daqueles indivíduos que utilizava a música para chegar às pessoas e fazia-o com paixão, sensibilidade e a humildade necessárias quando se quer partilhar uma forma de arte.

Deixo-vos com palavras dele: “Independentemente do género de música que esteja a tocar, tendo a criar sempre uma pequena história, em que as pessoas possam entrar e se sintam confortáveis”; “não tenham medo, são coisas da dança”.


O velório é hoje às 18h30 na Igreja de S. José. O funeral é amanhã, às 10h30, na Igreja de S. José e depois segue para o Crematório de Taveiro.

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