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Texto: ReB Team
Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 03/05/2021

De Herlander a Silly.

Afinal, o futuro da música portuguesa passa mesmo é por aqui

Texto: ReB Team
Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 03/05/2021

Haverá, certamente, uma ligação directa entre a visibilidade atribuída nos media a artistas que se encaixem na ideia de interseccionalidade e o próprio perfil de recursos humanos desses mesmos meios de comunicação: será complicado que artistas negros, mulheres, trans ou LGBTQ+ conquistem justo espaço mediático se quem gere esses espaços, como acontece no Rimas e Batidas, são sobretudo homens brancos. Por aqui têm-se encetado muitos esforços para construir uma equipa diversa que represente diferentes culturas, géneros, orientações, mas, há que admitir, mais precisa de ser feito porque estamos ainda muito longe de ter uma equipa que reflicta essa rica multiplicidade da música que nos apaixona. Lá chegaremos.

Em 2016, questionei uma capa do suplemento Ípsilon do Público cujo título senti que traduzia um problema de fundo para o qual confessei que poderia igualmente ter contribuído: “O futuro da música portuguesa passa por aqui“, escrevia-se num título de capa sobre uma foto em que não se vislumbrava um único rosto negro. A minha pergunta, num tom levemente provocatório com que procurei instigar um debate que acreditava ser urgente, foi “o futuro da música portuguesa é branco?”. As reacções não foram as que esperava, admito.

A verdade é que se continua a discutir a pertinência e legitimidade de petições como a que foi lançada a propósito da dobragem do filme Soul precisamente porque ainda há uma dificuldade culturalmente enraizada em entender a validade dos gestos de reclamação de representatividade. E ao mesmo tempo que facilmente se classifica como “música portuguesa”, e tomando como referencial a tal capa do Ípsilon, qualquer música que possa estar a ser feita neste momento em Portugal por jovens brancos, parece que há alguma dificuldade em fugir a termos (ou pelo menos a ideias) como “periferia” ou “bairro” quando se discute, como referi por aqui quando se assinalou o sexto aniversário do ReB, a música de artistas que somam nas plataformas de streaming números impossíveis de alcançar apenas no limitado espaço que os media partem do principio que ocupam. Não há assim tanta gente em Vialonga.

Em Blues People, livro que o poeta e intelectual norte-americano Amiri Baraka publicou em 1963, quando ainda assinava LeRoi Jones, argumenta-se que os blues e logo depois o jazz foram as primeiras genuínas manifestações musicais de uma experiência americana, complexos e dolorosos resultados de uma diáspora forçada e a destilação de séculos de vivência num contexto muito específico e particular. Da mesma forma, será talvez útil pensar que será música genuinamente portuguesa aquela que aceite todas as nuances da nossa concreta e específica experiência no âmbito de uma História que não tem sido assim tão bem contada.

Seria talvez a isso que Tristany aludia quando com ele conversámos a primeira vez em Janeiro de 2020: “Eu parto do princípio de que a minha música é um pouco apátrida [risos]. Sem tirar partidos. Tenho bué raízes na música portuguesa, na música lusófona, toda ela, e principalmente esta, na versão de estúdio, eu sinto que tem um caminho diferente. Mas ambas as versões se cruzam no sentimento e na energia. Em relação ao fado e à música africana, também tem muito esse travo. Eu sinto que nesta performance foi muito fácil recorrer às inspirações que eu tenho em termos de espaço, daquilo que é um concerto, do que é que é uma disposição de arte sonora e em movimento. Tem muito esse travo. Coisas que fui aprendendo com o meu cota”. “Apátrida”, entende ele, porque bebe de diferentes fontes, de diferentes geografias, de diferentes gerações. Mas, sugiro eu, só aqui, nesta realidade que é decididamente portuguesa e contemporânea, é que se pode beber em todas essas fontes.

Portanto, o que um jovem afrodescendente produz na Quinta do Mocho, com ferramentas que são iguais às que se utilizam para produzir afrobeat em Lagos, Nigéria, funk carioca nos morros do Rio de Janeiro, Brasil, ou grime e drill no Sul de Londres, Inglaterra, enquanto combina a música que escuta desde criança em ambiente familiar, aquela que circula informalmente nos recreios da escola, a que absorve quando liga a rádio ou a televisão, quando passeia no centro comercial e, pois claro, a que escolhe ouvir na sua plataforma de streaming favorita, não podia estar a ser criado em mais lugar nenhum. É, enfim, o resultado de uma experiência complexa que é decididamente portuguesa. Não é uma experiência de bairro, de periferia, porque esses espaços não existem encerrados em redomas estanques. É, insisto, uma experiência portuguesa. A música que esse jovem da Quinta do Mocho cria é portuguesa.

Propomos, por isso mesmo, um outro olhar para o nosso futuro a partir do presente. Escolhemos uma série de jovens talentos que ainda não lançaram álbuns de estreia, mas que já espalharam amplas e relevantes provas das suas capacidades por várias músicas que, com diferentes alcances, têm invariavelmente apontado para a frente. Entre as pouco mais de mil visualizações de “Karimeen“, de PEDRA, e os milhões de “Mama ta xinti” de Julinho KSD estende-se um gigante espectro de possibilidades que traduz a diversidade a que o nosso futuro não poderá escapar.

– Rui Miguel Abreu



[Herlander] 

Para Herlander, lisboeta de 23 anos, nada importa tanto quanto a colagem. É a ética que põe a sua música entre o rasgão e o remendo, que nos atira para dentro duma indigestão sem nos afogar no suco gástrico. E bate, senhores.

Numa canção do compositor e produtor, as águas não se separam entre estilo e esqueleto. Todos a bordo do EP 199: uma balada cavernosa à Blonde transmuta-se em monstro trap; um sample da voz de Liz Fraser é capaz de esbarrar nos sons do Metro ou num instrumental à Billy Idol. “quem diriaiaia”, faixa de Labanta Braço, obriga Aretha Franklin e 2 Unlimited a conviver num só pesadelo. Se há cinema que pertence mais à imaginação do que à fita, a música de Herlander opera nas mesmas condições. A colagem protege do susto: as melodias vêm do nada, dessa natureza morta dos dias, das escolhas inconscientes num rádio portátil.

Herlander está a terminar um álbum programado para 2021 (o primeiro tema sai brevemente) e a conspirar em projectos e performances com Odete.

– Pedro João Santos



[PEDRA] 

Com o EP Karimeen, lançado na portuense Jazzego, PEDRA, aka Pedro Castro, reclamou um lugar no terreno em ebulição que por aqui se designou JazzNãoJazzPT. O facto de usar, para lá da sua bateria, as ferramentas próprias do hip hop para as suas criações sublinha-lhe uma perspectiva geracional muito específica (conta apenas 21 anos…), aquela que lhe permite equilibrar as influências de gente como Alfa Mist e Robert Glasper (que ele mesmo nomeou) com as de Madlib ou Sam The Kid com igual pertinência.

Depois dessa estreia em regime instrumental, PEDRA já se aventurou em cruzamentos com rappers surgindo, por exemplo, nos créditos do encontro de João Tamura com Beiro, mais um sinal de um inquieto fervor criativo que há-de dar mais frutos não tarda nada.

Como nos confessou numa primeira e breve conversa de apresentação, Pedra sente “que não é só de um género”, uma mais valia que lhe há-de permitir explorar múltiplos recantos de um futuro ainda a ser construído. Teremos tempo para confirmar isso porque o próprio Pedra tem, sem sombra de dúvida, um domínio muito claro desse mesmo tempo.

– Rui Miguel Abreu



[Big Jony] 

Quando Big Jony diz “rap foi tudo o que eu concebi” – na sua mais recente faixa, “Ascensão”, produzida por MadKutz –, não há como duvidar da sua palavra. Com apenas 22 anos, o rapper do Porto arrombou a porta da frente do rap nacional com o seu estilo clássico, a mostrar que ainda há frescura nas fórmulas tradicionais e que ainda se pode surpreender onde, à partida, já não há nada por descobrir.

Em cima de batidas escolhidas a dedo (que bem podiam ser produzidas à sua medida por Hit-Boy), as suas rimas revelam gana e ambição de grandeza, com uma entrega impetuosa que vinca os tempos marcados por cada instrumental que devora. Nos versos consegue ser habilidoso e brutalmente explícito. Nos flows é capaz de meter um Dave East no bolso. E no rap, em geral, é Big “fish” Jony a nadar com os tubarões, mesmo só tendo aprendido ontem a nadar.

Ainda agora chegou e já tem tudo para dar certo. E espera-se já neste Verão o primeiro projecto que irá assinalar o início do reinado oficial de João, o Grande. 

– Paulo Pena



[Silly] 

Silly apareceu de mansinho mas a música dela fala muito alto: ouça-se a versão de “além” que levou ao The Hood Box, um bálsamo para a alma que nos remete de imediato para a mesma profundidade emocional que nos comoveu quando ouvimos pela primeira vez “Cristalina” de Slow J.

E tal como o autor de The Art of Slowing Down, Maria Bentes é cantautora e produtora com agilidade para se assumir também enquanto instrumentista. A dar ares de algo que fica entre Hope Tala e Noname, a jovem artista de 22 anos ouve aquilo que o rap, o jazz, o r&b e a bossa nova têm para lhe contar e deixa isso informar a sua arte, criando um tipo de expressão que não é comum de se encontrar em território nacional. Com grande parte das criações instrumentais a serem assumidas por si — com algumas co-produções pelo meio –, o EP de apresentação, que está ainda em construção, é, parafraseando a própria, uma exteriorização daquilo que ela tem vivido e uma interpretação sensível do que se passa à volta.

Se acham que ela não morde, não se encontra ou não se encaixa, é melhor pensarem duas vezes: ela ainda só é metade daquilo que quer ser.

– Alexandre Ribeiro



[Wugori] 

Enquanto uns vivem obcecados com fórmulas para o sucesso repentino e números nos contadores de plays e redes sociais, outros gozam da liberdade imensa que é ser-se um artista de música quase anónimo em plena era digital. Nuno Rodrigues, que assina como Wugori, é uma dessas pessoas que se podem dar ao luxo de criar sem qualquer tipo de pressão associada. Aos 24 anos, o rapper e produtor da Amadora conta com dois EPs editados que são verdadeiras relíquias do hip hop tuga underground dos últimos anos — falamos de Ciclo Das Duas Cobras e do mais recente Mal Passado Bem Pensado, a meias com Gonsalocomc — e que deixam ao descoberto a inocência de quem ainda parece estar só preocupado em brincar com o rap, ao invés de quem já ingressa nele a pensar na profissionalização.

As piruetas e cambalhotas que dá descontraidamente no seu sótão são, no entanto, para serem levadas bem a sério. E apesar dos dois projectos já mencionados por aqui serem focados num estilo muito específico, dentro dos contornos do boom bap, Wugori não quer, de todo, ser apenas representante de uma só corrente dentro de um género que continua a evoluir a olhos vistos. E já nos mostrou isso mesmo em temas como “Uno” ou “EH EH EH”, não esquecendo também os devaneios que assinou enquanto Juice Manuva, personagem lhe valeu um pequeno culto na cena trap nacional que reside no SoundCloud.

De liana em liana — ou de experiência em experiência –, o pequeno “gorila” canaliza agora toda a aprendizagem que acumulou nos últimos anos naquele que será o seu LP de estreia, cujo título será Caos Premeditado. O disco, que reconhece como sendo um passo importante na sua própria descoberta enquanto artista e que vai misturar “influências do tribal com o urbano”, surge, nas palavras do próprio, “da vontade de encontrar novas formas de ser sincero. A ideia será ir adquirindo novos espectros diferentes da mesma verdade, que sendo uma continuidade em relação aos projetos anteriores, também pretende ser mais abrangente nos tipos de sonoridade que estão a ser exploradas, numa tentativa de expandir portfólio.”

– Gonçalo Oliveira



[Rita Vian] 

Irreverentemente tradicional de uma maneira sóbria: é assim que descrevemos Rita Vian, até porque uma só palavra parece não chegar para fazer jus àquilo que cria — e repensar um registo que se achava imutável requer não só ousadia, como uma engenhosidade distinta (e uma bagagem que guarda colaborações que vão de Beautify Junkyards a Mike El Nite).

Pensar num casamento entre o fado e o electrónico poderia soar catastrófico — é sempre um risco, mesmo que já tenham acontecido encontros fortuitos –, mas é exatamente deste ponto que surge a destreza e a criatividade da artista de 29 anos, tendo dado as provas certas em “Sereia” e “Purga”.

Temos cantautora, conferimos. O futuro da música tradicional portuguesa não está adormecido — e fica bem protegido na voz de Rita Vian.

– Rita Matias dos Santos



[Odete] 

Odete é um dos nomes desta lista que tem tanto de presente como de futuro: a produtora tem vindo a ter um impacto no panorama desde que o seu Matrafona surgiu nos meandros da electrónica nacional e além-fronteiras.

Com uma produção híbrida e multifacetada, a artista de 25 anos criou um imaginário sonoro emocionalmente denso, que tem tanto de field recordings como tem da electrónica mais puramente digital possível; uma amálgama de música popular folclórica com música erudita, na qual o corpo também é instrumento.

Depois dos marcantes EPs, remixes e temas soltos que foi lançando nos últimos anos, neste momento, Odete prepara-se para voltar aos lançamentos, desta vez para editar o seu álbum de estreia, em vias de ser terminado, e com o qual devemos poder contar até ao final de 2021. O segundo single de antecipação sai já durante o Verão.

– Vasco Completo



[Nenny] 

Já começam a faltar adjectivos para descrever a enormidade de talento que Nenny tem, mas os feitos vão-se acumulando para ajudar a fazê-lo: ainda nem sequer teve oportunidade de conquistar Portugal de lés-a-lés através de concertos e a esfera internacional lá se vai rendendo àquilo que tem para dar — e as passagens pelo A COLORS SHOW e o Tiny Desk são bases importantes para começar a desenhar digressões que extravasam as fronteiras portuguesas.

Se Aura foi uma maneira importante de se localizar sonicamente e testar o que consegue fazer, “Tequila” e “Wave” foram maneiras de Marlene Tavares dizer que o afropop, a soul e o r&b são linguagens que domina com presença e tranquilidade que não é, de todo, comum em alguém que conta apenas 18 anos.

Entre estrear-se com “Sushi” e ver a sua cara num ecrã da Times Square, em Nova Iorque, a nova coqueluche da V-Block teve de esperar apenas dois anos. Com ordem de soltura para os próximos tempos, o melhor é mesmo começar a apostar nas previsões mais ambiciosas que possam imaginar para o futuro de Nenny.

– Alexandre Ribeiro



[Julinho KSD]

É de Mem Martins, tem apenas 23 anos e é ele a voz que mais se destaca dentro do colectivo Instinto 26. De promessa a certeza, há um momento crucial no trajecto de Julinho KSD que o coloca entre os mais bem cotados visionários da música portuguesa a operar numa camada mais mainstream. Falamos, pois claro, de “Sentimento Safari”, provavelmente o último grande hit de um Verão pré-pandemia e também valioso carimbo no seu “passaporte”, que valeu ao artista e ao seu grupo não só assinarem um contrato com a Sony Music Entertainment como também a passagem por inúmeros palcos de Norte a Sul do país.

Com Cabo Verde no peito e no som, o jovem rapper é também um dos principais rostos de uma nova escola do hip hop nacional, que é cada vez mais mestiça e menos purista, etraz para o actual quadro do movimento as cores e memórias do funaná, da morna ou do tarraxo e trata o português e o crioulo como se fossem uma só idioma. São estes os pilares que vão suportar o seu aguardado álbum de estreia, um dos trabalhos que mais aguardamos para este ano e do qual já surgiram vários avanços como “Mama Ta Xinti”, “Vivi Good”, “Mistura” ou “Hospedeira”. Ainda sem um título ou data de edição definidos, o Rimas e Batidas sabe que o longa-duração tem Fumaxa, Migz e Rubik como figuras-centrais na sua produção e Here’s Johnny como destino final para receber o toque de Midas do “cozinheiro” da Superbad.

Até lá não há férias e Julinho KSD está neste momento a preparar o lançamento de um novo single para o mês de Maio, “Stunka”, que parte de uma demo que soltou para as redes sociais no início deste ano e maravilhou aqueles que o acompanham com mais afinco.

– Gonçalo Oliveira



[Mirai] 

Mirai é um artista que desde cedo partiu do rap para caminhos inusitados. Depois de vencer o concurso WTF – O Game, com Nedved, o artista de 25 anos foi confirmando o seu potencial single após single como rapper diferenciado, desde a estética que cultiva ao pormenor em cada vídeo, com conceitos arrojados, à musicalidade que lhe corre nas veias muito além do MCing.

Se por um lado já mostrou tanta versatilidade no seu ainda curto catálogo (que se há-de estender com um projecto ainda por definir num futuro próximo), por outro, a cada lançamento, fica sempre a sensação de que estamos ainda a ver apenas a ponta do icebergue. É camaleónico sem perder identidade; dobra rimas e flows com uma naturalidade impressionante; alterna entre versos pujantes e refrões sedutores; e tem, acima de tudo, uma facilidade inacreditável em criar canções, sozinho ou acompanhado, com certificado de banger, cheias de corantes e conservantes que estendem o prazo de validade de cada hit aparentemente empacotado para o consumo rápido. Como uma amostra em promoção que conquista de imediato o consumidor.

Agora imaginem quando chegar às grandes superfícies – não vai haver quem não queira provar.  

– Paulo Pena



[Rafaell Dior] 

“Lágrimas na Cara” apresentou-nos o melhor de Rafaell Dior: ouvido apurado para beats que fazem metade do banger, flow serpenteante que nos agarra e conduz sem largar e capacidade para escrever linhas que, isoladas, têm o potencial para serem partilhadas pelos seus fãs até à exaustão — “se dormirem em mim, eu vou roubar a vossa cama” e “eu queria ser o Stevie Wonder and never see my momma cry” são dois bons exemplos.

“Prada Me” dissipou as dúvidas sobre aquilo que podia trazer para o rap português mais melódico — não há assim tantos exemplos (se há alguns…) de descendência directa de nomes como Young Thug, Lil Baby e Gunna por cá. Se alguma vez pensámos que isso não fazia falta à cena, Dior foi a razão definitiva para esquecermos rapidamente essa ideia.

Ainda com uma discografia curta, o futuro promete ser risonho para o rapper que vai apostar em mais singles e, talvez, um EP para a recta final de 2021, deixando ainda antever duas ou três colaborações com “artistas muito conhecidos no cenário da música tuga”.

– Alexandre Ribeiro



[Pedro Mafama] 

A síntese que Pedro Mafama propõe é profundamente interessante porque abraça, de uma só vez, passado e futuro. No seu mais recente vídeo, para o tema “Estaleiro”, Pedro inscreve todo um programa estético de considerável ambição: uma reinterpretação visual de certas marcas da nossa identidade, mas esvaziando-as de qualquer tipo de saudosismo, propondo outro ângulo para se olhar para a História e oferecendo ao mesmo tempo um refrescante balanço, que é na verdade impulso para o futuro.

A revelação recente de que Pedro Mafama está criativamente empenhado na nova fase da carreira de Ana Moura é igualmente importante: a visão artística que Pedro tem vindo a refinar desde 2017 começa a render frutos e até, pode dizer-se, a criar escola.

Será por isso mesmo muito interessante perceber como será esta viagem que pretende fazer “por este rio abaixo”, rumando ao sul: o seu fado cruzado com uma electrónica que é cosmopolita e diferente, sedutora e original, e traduz, de facto, uma nova ideia de portugalidade que é inclusiva, múltipla, o equivalente aural a um passeio pelo Martim Moniz, um autêntico festival de sons e sabores, cheiros e cores. O tipo de festival a que todos vamos querer ir não tarda nada.

– Rui Miguel Abreu



[João Não]

E nem só em Lisboa se cantam os novos fados. De Gondomar, João Não, de 21 anos, é o filho da tempestade perfeita que só um mundo interligado digitalmente poderia proporcionar: é imaginar um cartaz onde o seu nome poderia conviver harmoniosamente com os de Ana Moura, Nathy Peluso e C. Tangana, por exemplo. É esse o mundo onde queremos viver.

Terra-Mãe, a sua estreia em registos que vão para lá do single, é um esforço colaborativo com Lil Noon e um cartão de apresentação para a sua escrita poética que tanto pode partir ou reparar corações e a facilidade que tem em estar de voz de presente nas diferentes cadências (tarraxo, trap, kizomba, reggaeton — digam um e ele provavelmente não negará o desafio).

Não há aqui missão para mudar o mundo. Porém, este “intérprete de canções” tem tudo para assinar a banda sonora ideal para os amores e desamores que vão encontrar ao longo das vossas vidas. “Foi o som de fundo que me fez dançar/ Agora estou de joelhos só p’ra te ouvir a cantar”.

– Alexandre Ribeiro



[EU.CLIDES] 

Não se vê disto todos os dias: falamos do talento de EU.CLIDES, que foi rapidamente reconhecido por meio mundo. Mesmo com apenas alguns temas soltos lançados, o cantautor de 24 anos tem demonstrado uma excelente capacidade de composição que se junta à sua voz doce e arranjos de guitarra de sedução fácil — tudo embalado pelo teor vulnerável e sentimental da sua entrega em todas as dimensões sónicas.

A sua carreira enquanto músico não é de agora – enquanto guitarrista andou em digressões com os senegaleses Daara J e com a cabo-verdiana Mayra Andrade –, mas EU.CLIDES só se apresenta como artista a solo em 2020, e com o Dia da Liberdade como mote para o fazer. Bem dita a hora.

Embora não tenha sequer uma mão-cheia de lançamentos, o músico já conta com uma participação no Festival da Canção de 2021 e a promessa de um futuro risonho na linha da frente da autoria de r&b de emoções complexas e interpretações cruas. Em Maio dá o próximo passo nesse sentido. Mal podemos esperar.

– Vasco Completo



[b-mywingz]

Para Margarida Adão, a música nunca deixou de ser um desafio. Lançou-se ao lado de y.azz, com quem venceu a final da edição de 2019 do EDP Live Bands e com quem está prestes a editar o seu primeiro álbum, CYCLES, e desde então a produtora tem vindo a mostrar uma fibra diferente — ainda para mais quando se move numa posição maioritariamente ocupada pelo corpo masculino.

As suas composições instrumentais revelam-se sólidas e com espaço suficiente para encaixar sonoridades distintas que vão do rap ao r&b, resultando em arranjos que soam a algo feito por alguém que anda cá há muito tempo, prova de que existe muito empenho e dedicação na hora de atacar o processo de construção de cada faixa.

Para além da dupla que colocou o seu nome no radar, b-mywingz foi aguçando o seu engenho com trabalho feito para artistas de todos tipos de estirpes musicais, factor que lhe concedeu uma plasticidade criativa e uma agilidade mental maior quando é altura de atacar o estúdio enquanto instrumento de criação. E voltamos a reforçar: num universo com excesso de testosterona, é muito necessário que esta seja a primeira de muitas Margaridas a florescerem…

– Rita Matias dos Santos

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