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Fotografia: warplahnts
Publicado a: 29/04/2021

O romantismo pós-moderno.

João Não & Lil Noon, Terra-Mãe e o “conceito de não encaixar em nenhum sítio”

Fotografia: warplahnts
Publicado a: 29/04/2021

À hora previamente combinada, João Não e Lil Noon apresentam-se lado a lado numa videoconferência que liga Gondomar a Lisboa. Ao ouvir Terra-Mãe, projecto em que uniram esforços, esta é a primeira imagem que nos surge: a do cantor e do produtor a compreenderem-se mutuamente e a divertirem-se no processo de criar aquilo que bem lhes apetece.

João e Nuno conheceram-se em 2019 através de outro gondomarense, Sien. “Eu dava-me mais com ele e mostrou-me a cena do Noon. Fiquei com interesse em conhecê-lo e vir aqui ao estúdio. A primeira vez foi assim na brincadeira e só uns meses depois é que vim gravar a sério”, começa por contar a voz do projecto, acrescentando que a formação deste conjunto de canções lançadas no início deste mês foi feita durante um período mais próximo: “Quando desconfinámos depois do primeiro confinamento, eu comecei a vir aqui, vinha vários dias da semana. Acabava de trabalhar e vinha para aqui. Na altura andávamos com aquela ansiedade de ter a experiência de começar a fazer coisas juntos”. Algo corroborado ainda por Tomás “Paki” Nunes na “Intro”: esta é mesmo “uma compilação de temas criados nos últimos meses em momentos que mais serviram como fuga à realidade”.

A parte instrumental foi toda desenhada por Lil Noon, que confessa ter sido muito “natural” a criação deste background sónico para João Não. “A maior parte dos sons aconteceram desta forma: eu às oito [da noite] já tinha começado a fazer um beat, e ele chegava aí às nove e já estava quase pronto”. O jovem artista que deu corpo ao refrão de “Dá-me Espaço” apresenta o seu lado da história: “Da parte do Nuno foi mais ele ir adivinhando aquilo que eu queria ouvir e o que é que eu queria fazer. Não falámos muito disso, honestamente. Quando eu chegava cá, se queria mudar alguma coisa para soar um bocado mais a mim nos instrumentais, mudava-se espontaneamente e eu gravava. Às vezes trazia letras, que até foram poucas vezes por acaso. Neste projecto habituei-me mais a fazer no momento, a escrever e a cantar aqui, mas trazia algumas coisas já escritas de casa que depois ia adaptando ao instrumentais dele.”

Com poucos temas lançados até aqui, João Não aproveitou este projecto para descobrir novos caminhos para o seu estilo: “Para ir ao início, desde pequeno que escrever e rimar foram coisas naturais para mim — até por causa da minha família. Mas não era tão poético. Desde aí que me fui habituando a manter isso em prática até ao ponto em que [hoje em dia] já me sai mais naturalmente. O meu processo era escrever em casa, às vezes ia reaproveitando coisas que já tinha escrito quando era adolescente. Neste projecto deu para desenvolver uma parte que ainda não tinha desenvolvido em mim que era essa parte mais espontânea de trabalhar as letras. Em termos melódicos também [me desenvolvi], e o Nuno ajudou, porque eu ia muitas vezes atrás do instrumental e desenvolvia muito por aí. Também comecei a fazer uma coisa que era não ir muito à primeira ideia, desenvolver mais uma ideia na minha cabeça até encontrar aquela que fosse mais única — para treinar também a originalidade”.



E é na arte de escrever em verso que encontramos algumas das pérolas mais valiosas de Terra-Mãe. Em “Rosa Rubra” ouvimos:

“Deixa que eu te encubra, deixa que eu te descubra
E cubra o frio neste fim
A deixa é que eu te encubra na fuga deste jardim
Queixas que eu dou pouco do pouco que há em mim
Eu dou-te o espaço que quiseres
P’ra cresceres, oh meu jasmim”

Em “Pontos (Interlúdio), a versão sombria de “La Bomba” de King Africa que não o é, na verdade, destacamos esta parte em particular:

“Entraste na minha mente mas acho que não estou pronto
Eu estou reticente, tu pra saíres deixas pontos
Tenho a cabeça aberta por tua causa
A еsvair-me em versos, canto da sala
O tеu colo é o chão que me consola
Colchão que me embala”

Também puxa pelos galões na faixa que dá título ao conjunto de faixas:

“Só ouvi ‘sê força mas sê sem cedilhas’
Eu já pisei milhas e dei por mim do outro lado
Estrelas chamaram-me aluado
Por isso é que não brilhas”

Só existem três nomes creditados para além do duo: o anteriormente mencionado Paki, Kenny Berg e Mike El Nite. O primeiro aparece para efeito-surpresa segundo João: “A ‘Intro’ por acaso já foi das últimas coisas a entrar no projecto. Tive a ideia que queria escrever um poema, que foi o que fiz, na introdução para uma pessoa ler. Pensei em ser eu, mas depois já ia ser muito a minha voz. E depois pensei numa pessoa que pudesse ler aquilo e que ninguém estivesse à espera. Nem pensei muito e lembrei-me logo do Paki. Entrei em contacto e ele aceitou. Nós damo-nos bem e sabia que não ia ser muito complicado contar com ele para isso. Ele interpretou à maneira dele e era aquilo que eu queria mesmo”.

Sobre os colaboradores de “Danceteria Love”, o cantor revela: “Em relação ao ‘Danceteria’, aquela letra já tinha sido escrita há não sei quanto tempo — para aí um ano antes de termos gravado. Eu andava sempre com aquilo na cabeça, já era uma canção que eu queria fazer com o Kenny, mas ainda era só um plano que eu tinha, de um dia fazer uma colaboração com ele. E queria que fosse aquela letra porque já estava a imaginar como é que ia ser o instrumental. Mas depois cheguei aqui e o Nuno fez uma cena completamente diferente, que correu bem. Estivemos aí uma vez num churrasco e o Mike ouviu, disse que curtia entrar também, e depois escreveu o verso dele e gravou-o aqui.”

A música urbana em território nacional vê-se assim com mais representantes que ousam misturar elementos da kizomba e do reggaeton, do tarraxo e do trap, mas sempre a almejar o “conceito de não encaixar em nenhum sítio”. Por aqui, imaginamos “Até Dez” numa qualquer festa alternativa de Santos Populares, “Terra-Mãe” a soar no sistema de som de um B.Leza em noites Na Surra ou “Danceteria Love” a ser banda sonora de um bailarico organizado por um qualquer grupo de jovens apaixonados pelas propriedades curativas do auto-tune. Isto são os novos fados que Pedro Mafama proclamou, os novos mundos que Conan Osiris criou, a nova canção romântica portuguesa que David Bruno idealizou.


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