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Fotografia: Madalena Gouveia
Publicado a: 27/01/2023

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… João Não

Fotografia: Madalena Gouveia
Publicado a: 27/01/2023

Em tempos de Genius na Internet e lyric videos no Youtube, nunca a letra de uma música esteve tão perto dos ouvintes como nos dias de hoje. Facilmente pesquisamos pela parte escrita de todas as músicas imagináveis: aquela balada para dedicar à cara metade, o tema para cantar em uníssono mais para lá do que para cá num jantar de amigos, as duas palavras em falta na estrofe mais fanfarrona do banger mais sujo — tudo ao alcance de um pequeno computador que cabe confortavelmente no bolso das calças. E é neste universo que aterram as músicas de João Não, poemas cantados que se lêem tanto como se ouvem. 

Natural de Gondomar, João Carlos Silva começou o seu percurso na música como rapper, mas a sua identidade acabou por se metamorfosear para algo mais cantado. Percebemos pela maneira como encara as suas músicas e pelos seus flows a destreza adquirida em tempos passados para encaixar com critério as palavras umas nas outras. Mas a principal qualidade da música de João Não não são os seus jogos fonéticos, é a sua bonita poesia. A sua estreia foi em 2020 com o tema “nossa regra (rosa negra)”, uma profética interpretação num instrumental envolvente, cortesia de Sien

Há três anos atrás, o Rimas apelidava-o de “Camané da Geração Z”, e rodeado por géneros como música electrónica, tarraxo, trap, reggaeton e kizomba João Não tem construído um repertório em que se nota uma procura de identidade. Pouco depois da estreia em grande, volta a colaborar com Sien no embalo convidativo de “Dentro”, seguindo-se a outonal “O Tédio” (aqui com um6ra), duas faces do mesmo artista que mostram que este se está a descobrir e cuja viagem vai sendo transcrita em canções. Na docemente tristonha “Relembro Dezembro”, colabora pela primeira vez com Nuno Garrido, mais conhecido como lil noon, rapper e produtor gondomarense que se tornou um aliado de peso na busca pela identidade artística de João Não.



Em 2021, o duo estreia-se com Terra-Mãe, um pequeno conjunto de canções em que a sintonia entre os dois artistas se nota nos primeiros instantes do projecto: em “Até Dez” ouvimos uma engenhosa fonética que chama aos números na voz de João Não. Em tom de desafio, a voz funde-se com o beat de lil noon, batida que nos assegura que não vamos escutar a poesia sem abanar a anca, um atributo que se sente por todo o projecto. Temas como “Rosa Rubra”, “Terra-Mãe” ou a grandiosa “Danceteria Love” seguem essa máxima, são palcos condignos às palavras que se ouvem. Há até instrumentais que trazem de volta as “barras” a esta nova fase: é em “Pontos (Interlúdio)” que as encontramos, e a parte cantada lembra os clamores de Pedro Mafama, uma influência na música do artista. Mas acompanhado por Nuno, João Não mostra que o seu fado é trilhar por caminhos diferentes.

No final do ano passado, o duo estreou “Se Eu Acordar”, uma música que soa mais madura, fruto de um aprofundar do elo criativo entre os dois artistas. É electrónica e dançável, inspirada pelos anos 80 e pautada por teclas imperiais. Com pouco mais de dois minutos, é uma canção muito ambiciosa que os mostra prontos para um público maior. Ambos almejam esse objectivo e fazem-no sem reinventar a sua roda e à boleia do que melhor sabem: beats aprumados de noon e poesia acutilante de João Não, um artista tão versado que até o seu nome rima.


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