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Fotografia: Rui Silva
Publicado a: 04/03/2021

Mensageiros divinos com emoções humanas.

7777 の天使: “Este projecto sempre foi um sítio onde nos pudemos expressar sem limites”

Fotografia: Rui Silva
Publicado a: 04/03/2021

Por entre escombros celestiais, dois anjos com ski masks surgem dos céus e trazem-nos sonoridades vindas do seu imaginário, que tanto tem de divino como de obscuro: os 7777 の天使 nasceram de um mero acaso e têm-se tornado um dos projectos mais intrigantes do underground português. Compostos por Swan Palace e DRVGジラ, o duo encontrou uma química que permite explorar e desenvolver os potenciais de cada um, resultando na criação deste enigmático universo que mistura gabber, metalcore, trap e witch house.

Com as anteriormente referenciadas máscaras mas também correntes e uma imagética obscura e misteriosa, a dupla mostra-nos um pouco como são as raves siderais, enquanto nos afronta com letras que abordam o amor, a tristeza e a solidão. Os dois anjos que passeavam por Berlim em Wings of Desire são, aqui, substituídos por estes seres que pairam à volta da estética e sonoridade da capital europeia da música electrónica e constroem em cima delas um projecto com uma visão que só poderia ser resultado de quem viveu o que eles viveram (e da maneira que o fizeram).

Após os EPs Ski Mask Angels (2019) e Bruised Grills Eternal Tears (2020), o grupo regressa à editora do último para lançarem o seu primeiro álbum, Seven Angels, que podem adquirir em formato cassete no Bandcamp — e há ainda uma t-shirt desenhada pelos próprios por lá. Na estreia do projecto em formato longa-duração, a voz toma as rédeas das faixas do início ao fim, não abdicando, no entanto, das densas e distorcidas camas sonoras a que já nos habituaram, apesar de se notar uma menor intensidade nessa vertente em prol de um lado mais emocional e, de certa forma, humano.

Para celebrarem o lançamento, a Soul Feeder organizou um evento online no próximo dia 13 de Março, onde poderão ver um concerto de 7777 の天使, mas também de FARWARMTH e Odete, artistas que o duo considera importantes no processo de criação do álbum. A eles juntam-se ainda os DJS sets de DJ GHEPARD, dj hristos e t0ni.

Numa tentativa de tentar desencriptar este tão enigmático projecto, o Rimas e Batidas falou com os músicos para os ouvir sem máscaras.



Falem-me um pouco de onde veio a ideia de criarem este projecto.

[Swan Palace] Eu lembro-me que estávamos em minha casa e já tínhamos feito aquela collab para o meu álbum, em que eu meti as vocals do Luís na faixa original de Swan Palace que se chama “7777 Angels“.

Então, essa música (que saiu apenas em 2020) veio antes do projecto?

[SP] Sim, essa foi a primeira faixa com esse nome. E nós ficámos, “okay, bora elaborar isto mais a sério”, então começámos a colaborar. A faixa que estávamos a fazer era a “Ski Mask Angels”, e foi a primeira. No início ia ser Swan Palace e DRVGジラ, mas a química foi tão boa, fizemos a track tão rápido. Parámos para jantar, fomos ao Vasco da Gama e, quando estávamos a voltar no comboio, pensámos “yo, e se fizéssemos um projecto os dois?” Sentimos que era bué fixe estar com mais alguém em palco, o nosso grupo de amigos tinha gente com esses projectos, e nós eramos os únicos que não tínhamos assim nada. Desde que colaborámos, percebi que nunca tínhamos tido esta química com ninguém.

A ideia imediata veio da faixa de Swan Palace, mas queríamos que fosse um bocado mais interessante e estético, por isso adicionámos os caracteres japoneses. A partir daí começámos a trabalhar para isto, e na altura estávamos na cena do witch house, que é a nossa influência maior, e desconstruímos as nossas cenas individuais, acho que se vê bastante, mesmo no tipo de sintetizadores e assim. E basicamente fizemos o EP inteiro nessa semana, e foi nessa vibe da nossa química — despachámos tudo bué depressa.

Mas sinto que criaram toda uma “mitologia” à volta do projecto, querem explicar um pouco mais sobre ela?

[SP] A cena dos anjos veio da faixa original, e a partir daí foi conforme as nossas fases e o que nos apeteceu na altura. No início foi o renaissance do witch house, quisemos trazer isso outra vez, isto antes dos Salem terem voltado [risos]. Foi bué à base dessa estética. Não tenho grandes referências, foi mesmo só o que estávamos a sentir e, conforme fomos fazendo as tracks, começámos um pouco a desenvolver esse mundo.

Esses anjos de ski mask que descem à terra, qual é o papel deles? O que representam?

[DRVGジラ] Como o Pedro disse, começou com a track “7777 Angels”. O “angels” ficou e depois com o nosso primeiro som apareceu a ski mask, e estes dois elementos continuaram até agora. É isto basicamente [risos].

[SP] No início foi uma cena muito mais estética. Toda a estética celestial misturada com o grime das ski mask; são mundos bué opostos mas unem-se facilmente. São esses dois mundos. Então, acho que é um bocado mais na nossa base, e o resto é o que se passa na nossa cabeça.

[D] Criamos histórias fictícias quando estamos a produzir. Na “Celestial Decay” estávamos lá no céu… e acontece uma rave… cenas estúpidas [risos].

[SP] Conforme vamos fazendo as tracks, vamos dizendo coisas estúpidas um ao outro.

Isso é engraçado: visto de fora, esse projecto não parece ter muito esse lado goofy e brincalhão, está tudo muito mais estruturado e pensado.

[SP] É pensado, mas, imagina, we deliver something, super estruturado e pensado, mas enquanto o fazemos não estamos a levar aquilo super a sério. Mas o produto final é. Não é a pensar que temos de fazer assim ou assado, não sei, é mais o que sentimos na altura. Não fazemos uma piada de tudo, mas muitas vezes estamos só a sentir. Ou, então, quando estamos a fazer letras, às vezes estamos só a dizer coisas e é daí que elas vêm. É muito mais à base da sonoridade, na verdade, e depois é que criamos as histórias. Criar histórias leva-nos a cenas bué interessantes, na “Witch Heaven“, por exemplo, aquele excerto que está no início aconteceu porque estávamos a ir para o estúdio do Luís de autocarro, e estávamos só a falar dessa faixa, que começámos a fazer na minha casa. Estávamos a ver vídeos de Angel Beats! e apareceu a ideia, por causa da história que estávamos a fazer para faixa, de juntar essa dimensão. E quando chegámos, liguei o telemóvel à placa, começámos a testas coisas e tudo funcionou bué bem. E isso já aconteceu mais vezes, as nossas histórias levarem a detalhes na tracks que não tínhamos pensado ainda.

Tendo em conta que cada um de vós tem um projecto a solo, o que é que este projecto representa para vocês?

[SP] Para mim, é a minha relação com o Luís, honestamente. Acho que é uma cena que só nós os dois conseguimos fazer, vem de nós os dois, e só resulta quando estamos os dois. Por isso é que todas as tracks que fizemos agora, menos uma, foram presenciais. Metemo-nos um ao lado do outro com os laptops e essas cenas, e estamos a produzir ao mesmo tempo, e feeding of each other. Então é bué isso, a nossa comunicação on the spot, o que acontece quando nos unimos e estamos um ao lado do outro a conversar sem falar. Resumindo, é a minha relação com o Luís.

[D] É basicamente isso. É o momento.

Têm já dois EP lançados, o que vos fez dar este próximo passo de fazerem um álbum?

[D] O segundo EP era suposto ser o álbum, as tracks já existem desde 2019. Abordámos uma label para lançar o álbum, mas depois apareceu o COVID e essa label parou de falar, então ficámos só congelados. Mas o Pedro teve a ideia de pegar nalgumas tracks. A maior diferença deste álbum para o resto é que é quase tudo voz.

[SP] Acho que foi o próximo passo natural, honestamente. Nós tínhamos muitas tracks que fizemos para o nosso primeiro live set, o Ski Mask Heaven, que fizemos entre o final de 2019 e o início de 2020, como a “Holo Chrome Tears”, “Kissed by An Angel”, todas as tracks do EP Bruised Grills Eternal Tears, a “Mask Emoji”, e passámos essas todas nesse primeiro live. Fizemos essas tracks todas e depois o COVID começou, o que nos estragou um bocado os planos do álbum, que ficou em pausa. Já tínhamos lançado o Ski Mask Angels e não queríamos só parar de existir. Lançámos isso, demos dois concertos e estava a ir bem, nós gostámos muito de como o primeiro EP foi recebido, então quisemos continuar isto para as pessoas não se esquecerem. Tínhamos algumas tracks que não faziam sentido ir para o álbum, por já sabermos a direção em que estávamos a ir, a da voz como elemento mais presente, então decidimos lançar um EP. Pensámos lançar um single pela Soul Feeder para o promover, mas eles gostaram tanto do EP inteiro que nos perguntaram se não queríamos só lançar tudo por eles, e nós obviamente dissemos que sim. Lançámos o EP, que foi mesmo bem recebido, bué overwhelming honestamente [risos] e depois, quando a quarentena levantou, preparámos o álbum e acabámo-lo, basicamente.



Falem-me um pouco sobre o conceito por detrás do álbum. Já sei que funcionam muito à base de histórias, mas, enquanto peça única, há alguma narrativa?

[SP] Sim e não. Não há uma narrativa do início ao fim, mas a história vai-se construindo à medida que vamos fazendo as coisas, e cada track tem a sua história e vive, de certa forma, no mesmo universo, que tem essas duas figuras, esses ski mask angels. A única cena do álbum é a introdução mais a sério a esse universo, aos anjos, in a way, como duas entidades, enquanto que antes foi mais baseado nas máscaras, etc. Antes foi uma espécie de pré-introdução, este agora é mais a sério.

É bastante interessante a vossa música ser sobre dois anjos, duas figuras celestiais, mas depois quando ouvimos as letras, são super humanas, sobre amor e heartbreak, escritas de uma forma relacionável. A mistura de figuras celestiais que não parecem pertencer ao nosso espectro, enquanto as letras o são completamente.

[SP] É um bocado isso que disseste. Eu, pessoalmente, tenho bué interesse na estética de anjos bíblicos, naqueles anjos que não são perfeitinhos, tipo dois círculos cheios de olhos e assim. Mas, ao fim de contas, somos nós os dois, percebes? E é bué esse contraste humano e cru. É muito natural. Acho mesmo interessante o contexto ser bué celestial mas ao mesmo tempo ser mesmo cru e in your face, e quem entende, se é que entende porque pronto [risos], consegue dar relate de alguma forma.

As próprias músicas também têm ganho uma estrutura mais virada para a canção – dentro dos possíveis. Sentem isso?

[SP] Acho que misturamos, de certa forma. Por exemplo, a “Spiked Shoes Shawty” é uma mistura de metalcore com gabber com auto-tune vocals, e acho que é por aí. Vamos fazendo sempre um pouco de tudo, mas não te sei dizer do futuro, honestamente, para já é isto, depois vamos vendo. É uma vibe bué natural nossa e só o que sentimos.

Conseguem-me dar algumas referências que sentem ter sido mais directas neste disco?

[SP] Este projecto sempre foi um sítio onde nos pudemos expressar de qualquer maneira, e fazer tudo sem limites, então foi pegar na minha guitarra outra vez e trazer as minhas influências de deathcore e grunge e essas merdas todas, e misturar isso com gabber e witch house, a cena do trap e dos auto-tune vocals. As nossas influências e as coisas que ouvimos todas juntas. E acho bué interessante fazer essas junções. A “Mask Emoji” é uma cena bué “grungy”, por exemplo. Influências vêm muito mais de géneros, mas posso-te dizer, pessoalmente, que para as guitarras me baseio mais para o grunge em Superheaven, que é das minhas bandas favoritas, adoro o som deles mesmo, e mais para a cena de metalcore de há bués, mas diria I Set My Friends On Fire. Vejo essas referências na “Spike Shoes Shawty”, por exemplo.

E tuas, Luís?

[D] SoundCloud music.

Eu às vezes tento fazer o exercício de tentar perceber quem é que fez o quê nas músicas, com base nas vossas carreiras a solo, e às vezes parece mesmo fácil de identificar, outras é impossível.

[D] As guitarras são o Pedro, eu não toco guitarra [risos].

[SP] Dá para ver bué bem às vezes com o que é que cada um contribuiu, mas há vezes que acho bastante difícil, até para mim, porque os elementos das músicas são um 50/50, mesmo. Posso estar a fazer cenas na guitarra, e o Luís diz-me só “faz assim ou assado”, e ele a fazer cenas no PC and i hop in, estamos sempre a saltar de um lado para o outro. Mas também há vezes em que eu faço a minha parte e ele a dele, é bué o que sentimos na altura. É um 50/50, e é por isso que resulta tão bem. Nós fazemos as tracks em real time. Paramos quando estamos fatigados, para descansar, jantar e voltar a ouvir, mas é bué à base disso.

Mas então vocês fazem uma track de rajada? O vosso processo criativo funciona melhor assim?

[SP] Sim. E é uma cena que sempre me surpreendeu, porque pessoalmente para Swan Palace não me despacho tão depressa, parece que demoro mais tempo a chegar aos sítios, mas aqui a química é bué grande. As partes que me faltam a mim, que com Swan Palace ainda tinha de parar e pensar, o Luís traz parte dele e dá-me força outra vez para responder a isso — acho que é bué assim para os dois.

Têm projectos pensados para o futuro?

[SP] Vamos continuar com o merch, acho que faz sentido, porque também gostamos de os fazer. Acho que é interessante e gosto bué da estética. Como sai das nossas cabeças, acho fixe trazer cá para fora.

[D] Todos os vídeos e os designs são feitos por nós. É tudo, excepto a minha máscara.

[SP] A máscara dele foi feita por uma designer polaca, mas já percebemos, especialmente agora com o álbum, que temos uma visão bué especifica que só nós os dois entendemos, é uma cena nossa que é natural e que, sem explicarmos um ao outro, sabemos — porque há aquela química. A nossa visão é muito específica e a maneira que resulta melhor é nós fazermos tudo, desde imagem ao vídeo. É assim que resulta melhor.


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