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Publicado a: 16/04/2018

Westway LAB Festival – dia 4: multidão, o derradeiro pregão e a incontornável mão de Deus

Publicado a: 16/04/2018

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTOS] Os Fredericos

Os primeiros dias já tinham lançado suspeitas sobre o assunto, mas o de anteontem, sendo o último, confirma-o: a edição deste ano do Westway LAB foi bem mais concorrida que a de 2017 – há até quem diga que esta é, a nível de público, a melhor edição de sempre.

Tal característica esteve vigente não só no número de participantes nas Conferências Pro (a sala cheia por hora da palestra de Peter Smidt, na sexta-feira, não deixou margem para dúvidas), mas também nos City Showcases, que se espalharam, na tarde de anteontem, por vários espaços na cidade de Guimarães (destaque para as actuações de Mathilda, que teve direito a casa cheia na associação cultural Convívio, e de Jennifer Pague, dos Vita and the Woolf, que, depois da bem sucedida actuação com Bruno Miguel, por altura dos showcases das residências artísticas, voltou a brilhar no All Guimarães).

Contudo, como já seria de esperar, foi no âmbito do concerto de Manel Cruz que a enchente se fez realmente sentir. É para lá que voamos directamente.

Estamos próximos da meia noite, hora marcada para o início do espectáculo do ex-Ornatos Violeta. Do lado de fora do palco do Grande Auditório do Centro Cultural de Vila Flor, centenas esperam impacientemente a abertura de portas para poderem assumir a sua posição neste espaço que ainda mantém as peculiares configurações usadas na noite de sexta-feira. Do lado de dentro, três estantes sustentam três conjuntos de maquinaria, reservando o espaço logo à sua direita para um combo de bateria e percussão.

O quarteto entra em cena, iniciam-se as hostilidades.

O tiro de partida é dado com uma estreia musical, a qual Manel Cruz, em jeito de brincadeira, diz ter sido preparada em especial para este concerto em Guimarães. “Vocês sabem que não, mas faz de conta”, declara ao microfone, atropelando por completo o pressuposto e preconcebido manual de normas do showbiz, e manipulando-o com especial humor, como serviu ainda de exemplo o momento, já perto do final, em que desconstruiu o clássico exercício de encore. “Estes três tracinhos no alinhamento significam que este era aquele momento em que saíamos de palco, vocês faziam barulho, e voltávamos”, revelou aos presentes, “quer isto dizer que esta é a última música”.

Manel Cruz age consoante o que lhe vai na alma e o que sente no momento que antecede a acção, postura essa não só tinge as letras daquilo que canta como também a atitude em palco. “Tenho um amigo que me chamou à atenção para o facto de grande parte das músicas deste álbum usarem a palavra ‘Deus’”, informa, acrescentando “a canção que se segue é das poucas que não faz uso dela”. E atira-se prontamente a um tema onde podemos facilmente encontrar frases como “Deus é bom” e “Deus é um bom ladrão”. No final, pede desculpa e garante que a próxima é que é a tal que não refere a divindade em questão. Chega-nos aos ouvidos “Missa”, que, para além de evocar novamente o elemento mais importante da Santíssima Trindade, ainda recorre à frase “troco a missa por uma chamuça”.

 


14 abril _ CONCERTOS (12)


“Ainda não Acabei” é uma das canções que se segue. A rotação nas rádios fez com que esta música se colasse aos ouvidos dos portugueses (e que bela que ela é), não é por isso de estranhar o facto da esmagadora maioria destas pessoas ter a letra na ponta da língua. Os últimos segundos do tema são sabiamente explorados na repetição do trecho onde podemos encontrar a frase “ainda não acabei”, como se Manel e sua banda (da qual fazem parte António Serginho, Nico Tricot e Eduardo Silva) tivessem ficado presos num loop infinito de instrumental e voz.

Terminada a música, chega a hora de seguir alinhamento. Todavia, um pequeno problema na guitarra de Manel Cruz impede que tal aconteça. O músico, que também dá alma aos Pluto e aos Supernada, apressa-se a mexer no cabo que faz a ligação do instrumento ao sistema, remói uma e outra vez a questão, recupera a amplicação perdida e, resolvida a coisa, exclama ao microfone: “foi Deus!”, ensaiando de seguida uma descoordenada benza. Ensinam-nos as sagradas escrituras a não tomar o nome do Senhor em vão; porque o Senhor não terá por inocente aquele que em vão tomar o seu nome. Nunca esquecer.

A grande surpresa para os presentes chegaria pouco depois, quando, a seguir a “Beija-Flor” e às palavras “vamos penicar a outro sítio; navegar noutro mar”, se fizeram ouvir as primeiras notas e palavras de “Capitão Romance”, clássico de O Monstro Precisa de Amigos, dos Ornatos Violeta, provando mais uma vez que Manel viaja livre no seu espólio sem precisar de incentivos ou pressões externas. Por outras palavras, faz o que bem lhe apetece.

Os concertos que antecederam o de Manel Cruz foram também eles merecedores de destaque. No mesmo palco, minutos antes, os Leyya mostraram o porquê de terem sido escolhidos para iniciarem a noite no palco do Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor, articulando uma pop electrónica que por diversas vezes convidou à dança, ao mesmo tempo que, na porta ao lado, mais precisamente no Pequeno Auditório, os Dear Telephone se encarregaram de presentear o público com uma competente montanha russa instrumental que embebeu voz, guitarras e sintetizadores no compasso quaternário da bateria.

 


14 abril _ CONCERTOS (4)


A manhã foi novamente de aprendizagem, desta feita servida pela GDA, entidade que gere os direitos dos artistas. “Como pode uma Sociedade de Gestão de Direitos fazer mais pelo sector que defende para além da cobrança e distribuição de remunerações?” é a questão que lança o mote para o painel. A explicação é-nos dada logo nos primeiros minutos. Como cooperativa, a GDA distribui uma percentagem daquilo que recebe aos artistas. Há uma parte desses fundos que reverte para a Fundação GDA, também ela sem fins lucrativos, que reúne programas focados na acção cultural, social e institucional, que se poderão traduzir em apoios a nível de saúde e jurisdição, entre outros. “Há muita gente que não sabe, mas há muitos filmes que não chegam a ser terminados por falta de verbas para se pagarem as bandas sonoras”, informa um dos membros da fundação, concluindo “nós podemos ajudar com esse fundo”. E isto é apenas um exemplo.

Quem não sabe é como quem não vê.

Até para o ano, Guimarães.

 


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