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Publicado a: 07/04/2017

Westway Lab Festival – dia 2: um Tom Waits que não perde pela demora

Publicado a: 07/04/2017

A fachada do Palácio Vila Flor, local escolhido para albergar as Conferências Pro, em muito se assemelha à de uma universidade à antiga, daquelas com tradição secular de ensino, onde facilmente imaginamos alunos trajados a rigor e de canudo na mão a sair porta fora, acompanhados por uma melodia de um orfeão qualquer. A tentativa de aproximação não é assim tão descabida, afinal de contas, no âmbito do festival Westway Lab, este é o espaço escolhido para a aprendizagem, partilha e debate em torno da indústria musical. Os trajes académicos ficaram em casa, mas a vontade de assimilar informação mantém-se presente, que o digam aqueles que, de bloco na mão e curiosidade aguçada, não arredaram pé da “sala de aula”.

A primeira conferência é-nos servida pelo IAO (International Artists Organization), que tem como missão servir de entidade mediadora entre os músicos, editoras e serviços de streaming, que os próprios defendem ser um modelo de negócio pouco transparente. Suzanne Combo, artista francesa e representante da organização, começa por expor a sua ideia, que passa por uma monitorização dos contratos com empresas como o Spotify e Apple Music – citando apenas alguns exemplos – e pela defesa de negócios justos. Tudo decorre sem percalços até ao momento em que alguém na plateia, de chapéu e perfil à Tom Waits, interrompe para perguntar “o que é para vocês um negócio justo?”. O debate começa então e traz à baila vários números, percentagens, gráficos do jornal Le Monde e histórias de Mick Jagger chocado com as escassas (?) receitas auferidas pelos Rolling Stones através de serviços de streaming. Ouve-se, da boca do nosso Waits, um “fuck Mick Jagger!” e, pouco depois, um exemplo pertinente. “Se eu pagar 10 dólares pelo meu serviço de streaming, será mais justo a maior parte da receita ir para um artista que uma miúda de 15 anos ouve mil vezes por dia, ou para um músico de blues que recebe dois cliques no mesmo período de tempo?” A questão deixa plateia e palestrantes em profundo estado de reflexão… Mas, afinal de contas, quem é esta pessoa? Nada mais nada menos do que Tom Silverman, o fundador da editora Independente Tommy Boy, fundada em 1981, que lançou trabalhos de artistas como Afrika Bambaataa, Queen Latifah e Naughty By Nature. Entende-se agora o à vontade na matéria.

 


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Segue-se a conferência “O Painel de Sincronização: Onde a Música Encontra o Cinema ($)”, que, não sendo a praia onde estamos mais à vontade, revela algumas curiosidades em torno dos modelos de negócio associados ao cinema e à televisão. Nis Bogdav e Peter Bradbury, num debate moderado por Mouna Guemazi, apresentam-nos as várias combinações possíveis quando se quer associar a música à imagem. Os resultados podem oscilar consoante haja ou não uma ideia prévia. Tudo é possível. Bogdav, do Copenhagen Film Music DK, exemplifica com uma história caricata em que um capricho de um realizador o levou a virar a Internet às avessas para entrar em contacto com o autor de uma música que queria usar para um filme. Falou com familiares e amigos do músico, mas nada conseguiu. Solução? Utilizar a faixa áudio sem a devida autorização e, claro, sem pagar os devidos direitos de autor. Tudo mas mesmo tudo é possível.

Sabiam que existe uma rede europeia não governamental que apoia, promove e protege os espaços de música ao vivo e que Portugal não consta na lista dos trezes países onde atua? Sabiam que essa rede olha para essas mesmas salas de espetáculo como pontos de interesse cultural e não deixam que sejam entregues ao acaso da vontade de terceiros? Segue um exemplo que nos é familiar, partilhado em conferência por Audrey Guerre, representante dessa mesma rede. Se alguém decidir explorar a área circundante de uma sala de espetáculos numa perspectiva habitacional, terá que ser essa pessoa ou entidade a tratar do isolamento acústico do seu próprio negócio e não obrigar a sala em questão, que já ali existia antes, a insonorizar-se. A velha máxima do “quem está mal muda-se” ou, neste caso, adapta-se. Esta é apenas uma das situações que esta rede defende. Ai Portugal Portugal….

A apresentação seguinte foca-se no sucesso do modelo sueco, que à imagem da filosofia geral do país, é de seguir. Basicamente, é um modelo que tem como base a educação musical e que se foca na disponibilização de meios para tal. Estúdios de gravação, salas de ensaio, equipamento (backline, PA…), marketing, conferências, laboratórios, seminários, suporte de digressões, acompanhamento individual e ajudas financeiras. A lista é extensa e acessível, ao ponto de já contar com 650 000 participantes divididos por 272 500 grupos de estudo. Boquiabertos? E se dissermos que o projeto dá prioridade a bandas que sejam compostas por uma quantidade igual de indivíduos do sexo masculino e feminino, ou seja 50/50? Pois…

Antes de jantar, há tempo para passar pela Sala de Ensaios do Centro Cultural Vila Flor para o concerto (que não é um concerto) da banda (que não é uma banda) Phobos. Do que se trata, afinal? De uma orquestra robótica que, numa visão leiga e muito preguiçosa, se pode resumir a um conjunto de objetos a emanar sons descoordenados e pouco harmoniosos, mas que, numa análise profunda e estudada, se traduz numa verdadeira obra-de-arte. Teremos um episódio especial da rubrica Casa das Máquinas – com direito a entrevista e explicações pormenorizadas – única e exclusivamente dedicado a este sujeito. Fiquem atentos.

 


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Regresso ao Café Concerto do CCVF para novo showcase das residências artísticas, o segundo e último do festival. Os primeiros a subir ao palco são os III, projeto constituído por Pedro Coquenão (Batida), Guillermo de Llera Blanes (Primitive Reason) e Júnior (Terrakota). Esta é a primeira residência a quebrar o padrão e a apresentar apenas artistas portugueses (como sabemos, a ideia é unir o nacional ao internacional). “Sejam livres”, são as últimas palavras de Pedro Coquenão ao microfone antes de assumir a posição no palco para começar o concerto. De facto, liberdade é palavra que se repete várias vezes ao longo do dicionário do homem que se esconde por detrás do projeto Batida, não só pelo incansável apoio que deu, desde o início, aos activistas encarcerados pelo governo angolano, mas também pela própria forma como engendra as suas actuações, de modo sempre original e desafiante. A noite de hoje não foge à regra. Os três músicos dispõem-se em círculo, como se de uma jam session se tratasse, e dão início às hostilidades a partir de um rádio em busca da frequência de receção perfeita e de uma guitarra em momento de experimentação. Solta-se uma batida frouxa, algo atabalhoada, e um acompanhamento sincopado que em nada ajuda. A plateia franze o sobrolho por momentos mas dá o benefício da dúvida, afinal de contas, o que se está a ouvir não vai ao encontro do calibre dos músicos. A sequência repete-se mais um par de vezes e eis que, de repente, como que por magia, as partes começam todas a encaixar. Aleluia… O que se segue é uma verdadeira demonstração de inspiração, talento e destreza. Os três músicos rodam entre si, trocam de posições e instrumentos (bateria, baixo, teclados), e por entre acelerações e travagens, ritmos 3/4, 4/4 e mais umas quantas contas matemáticas esquisitas, servem um espetáculo de encher olho e ouvido. O público aplaude, visivelmente impressionado e os III abandonam o palco com a sensação de missão cumprida. Antes do concerto se iniciar, Pedro Coquenão afirmou que não sabia se esta experiência seria para repetir. Esperemos que sim.

Cabe aos The Courettes e Nick Suave a missão de encerrar o showcase da noite. Ao contrários dos III, este colectivo não recorreu aos polirritmos para se expressar, mas sim à energia inebriante do rock, emanada a partir de uma guitarra no limite do estridente e de uma bateria irrequieta. E diga-se que cumprem com a sua missão ao milímetro. Há atitude punk, polvilhada por gritos e mensagens distorcidas ao microfone, propositadamente colocado em ponto de saturação para corresponder ao propósito da banda. “Rock girls stand-up”, dedicada à linha da frente que até então permanecia sentada, e “this is a rock ‘n’ roll night” são algumas das frases proferidas por uma espécie de Amy Winehouse rockeira que, com a ajuda do seu parceiro espanca-baterias, parece querer mandar o Café Concerto do CCVF a baixo.

A noite chega ao fim com o rock dos noruegueses Yuma Sun (sim, também nos lembrámos de Yen Sung, mas nada a ver…). Bem mais calmos que a banda anterior, os Yuma Sun articulam uma música arrastada, muito focada no universo blues. Duas raparigas e três rapazes, é assim composta esta banda que, pelo que percebemos logo de início, gosta de sair do palco e envolver-se com a plateia (estamos na segunda música e já recebemos visitas da guitarrista e do vocalista). A ponte entre os concertos e as conferências da tarde: mais uma rapariga neste elenco e o passaporte para um estúdio na Suécia era certo. Hora de ir dormir.

 


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