[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTOS] Vera Marmelo (GUME, Inversus e Mathilda) / José Caldeira (Mazarin e Terra Chã)
O lema do primeiro dia foi experimentar, experimentar e experimentar. No segundo dia: citar, citar e citar. E a explicação para isto até é bastante simples: ao contrário do que aconteceu na inauguração da oitava edição, as bandas que actuaram ontem no festival foram beber abundantemente da música de outros, mas o que se ouve em palco (e em estúdio) são abordagens frescas de linguagens musicais que já passaram por muitas mãos e cabeças.
Mazarin, grupo que lançou um dos melhores projectos da primeira metade de 2018, não defraudou as expectativas da pequena multidão que subiu até ao castelo e se sentou para escutar uma série de canções (e suas derivações) que nada devem a projectos internacionais como BadBadNotGood, por exemplo. As comparações com o grupo canadiano são difíceis de evitar, ainda para mais quando trouxeram um novo elemento que, adivinhem, tocava saxofone. Tal como aconteceu com Leland Whitty, a porta parece estar aberta para Ricardo Jesus, também conhecido como Panda, um prendado saxofonista que, se não conhecêssemos a banda, diríamos que faria parte da formação desde o primeiro minuto.
O refinado quarteto (transformado em quinteto em Lamego) concentrou o seu poder no groove, criado e sustentado por João Spencer (baixista) e João Romão (baterista), e no virtuosismo de Afonso Serro (teclas) e Vicente Booth (guitarra). Os últimos dois desdobraram-se em memoráveis solos que deram outra cor à belíssima paisagem que se encontrava nas suas costas.
O EP homónimo serviu de base para os delírios jazzísticos (mas também indie rock, muito por culpa da intervenção de Booth) no Palco Castelo. Se tudo correr como esperado, esta será a próxima grande banda a entrar para a história do ZigurFest.
Num universo paralelo aos Mazarin, os GUME levaram-nos numa viagem cósmica na estreia do Palco Alameda: os “pilotos” Yaw Tembe (trompete e voz), Pedro Monteiro (contrabaixo), Sebastião Bergmann (bateria), André David (guitarra eléctrica), Tiago Fernandes (saxofone alto) e David Menezes (percussão) comandaram uma nave que foi construída há algumas décadas pelos Last Poets ou Ornette Coleman, duas das referências assumidas pelo sexteto.
Houve espaço para tudo, mas os momentos de brilho colectivo, que giraram à volta dos temas de Pedra Papel, o disco lançado em 2017, sobressaíram num concerto que teve bancada cheia e algumas pessoas de pé na relva a deixarem-se apoderar pelo espírito do jazz com uma pitada de spoken word à mistura.
Depois de explorar vias menos convencionais com os Zarabatana no primeiro dia, o trompetista Tembe comprovou com os GUME que é um dos nomes a acompanhar de perto na música portuguesa, mais concretamente no jazz.
Terra Chã, Mathilda, Sereias e Inversus também fizeram parte da programação do dia de ontem e apresentaram propostas diferentes: os primeiros, uma dupla composta por Fabrizio Reynolds e Ricardo Fialho, continuaram a festa no castelo, mas trouxeram música electrónica, nomeadamente aquela que dá para dançar e viajar ao mesmo tempo, para a linha da frente; a segunda (na companhia de Gobi Bear) mostrou, na Capela de Nossa Senhora da Esperança, um espectáculo despido e focado principalmente numa simbiose entre guitarra (ou ukulele) e voz; os terceiros surpreenderam com um espectáculo completamente tresloucado em que o “jazz-punk-pós-aquático”, uma designação criada pela própria banda, ganhou outro significado com a voz e palavras do poeta e vocalista António Pedro Ribeiro; para fechar com chave de ouro, Ricardo Fialho, que também assina como Inversus, trouxe a sua visão pessoal e aglutinadora de géneros (techno, hip hop ou electro-pop, por exemplo) no último concerto do dia.
As apostas da organização do ZigurFest saíram novamente vencedoras e transpareceram, mais uma vez, uma capacidade invulgar de olhar para o que de mais relevante e intrigante se faz no mundo da música nacional.