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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 06/07/2020

O baile não pára.

Xinobi: “Ficarei muito feliz se um dia alguém me disser que lhe salvei a alma”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 06/07/2020

É provável que já tenham dançado ao som da música de Bruno Cardoso (aka Xinobi) em alguma altura das vossas vidas, mas agora há uma “colecção” exclusivamente dedicada a isso. A Collection of Xinobi Dance Songs está disponível desde dia 12 de Junho e serve esse propósito tão nobre que é fazer dançar.

IVY, Gisela João, Moullinex e Mistery Affair acompanham o co-fundador da Discotexas nesta compilação que reúne faixas de um “ciclo em que estava tudo em aberto”. Tempos diferentes vivem-se actualmente (“aberto” ganhou outro peso…), porém, não há qualquer impedimento quando é altura de transformar qualquer parte de casa numa pista de dança.

Através de uma troca de e-mails, o DJ e produtor falou sobre colaborar com outros artistas, a dimensão espiritual da sua música e o futuro (o seu, o da Humanidade e o da música ao vivo).



Porque te apeteceu reunir as tuas “dance songs” (e, já agora, não dão todas para dançar, as que escreves?) nesta colecção, neste momento?

Honestamente, a ideia veio meio do nada, quando estava em brainstorming com o label manager da DTX, algures a meio do confinamento, sobre um single novo que estava a produzir. Olhamos para a quantidade de singles que eu tinha lançado nos últimos anos e vimos que dariam uma bela colecção montada com a descontracção que um álbum nem sempre permite. Foi tudo tão descontraído a partir daí que até resolvemos que seria uma ideia altamente citar suavemente Pink Floyd por duas vezes — no título da colecção e no título da música que a abre. Acho que sim, 99% da música que faço é dançável.

E porque é que te estás a cingir aos últimos três anos? Sentes que representam um ciclo mais fechado da tua história criativa?

Basicamente representam o período em que fecho o álbum On The Quiet e me atiro a experimentar novas direcções, experiências e moods, até 2020, onde já me vejo a delinear um álbum novo (ainda que antes tenha mais singles a lançar). Representam um ciclo em que estava tudo em aberto [risos]. 

Abres com uma novidade, deixando claro que esta é uma visão que se estende até ao presente: qual a história por trás deste “Black Holes in The Sky”?

Comecei a escrever a “Black Holes In The Sky” algures em Tulum, a ser devorado por mosquitos. É certamente inspirada pelo ambiente sombrio que se apodera da zona da zona das praias que tem apenas uma estrada a separá-la da selva e dos incríveis cenotes, onde tive o prazer de nadar perto de crocodilos. Depois, toda aquela região ainda está provida de monumentos da civilização Maia o que provavelmente me remeteu para criar alguma epicidade musical. [Risos]

Esta mixtape é também uma espécie de álbum de recordações, nomeadamente de encontros: IVY, Gisela João, Moullinex, Mystery Affair… Estes encontros devem, eles mesmos ter histórias associadas: como é que lidas com a divisão de responsabilidades criativas quando estás em estúdio a colaborar com outro artista?

Eu respeito muito mesmo os inputs criativos de cada pessoa com quem colaboro. À partida só me meto em colaborações com pessoas que sinta afinidade. Adoro dar o espaço à criatividade de outro artista da mesma forma que eu desejo esse espaço para o meu contributo. Sou meio control freak, mas adoro trabalhar com outras pessoas. Os nomes que referes tiveram todos um modo diferente de acontecer. Com a IVY foi muito feito à distância. Confiei-lhe na totalidade a interpretação de um texto porque adoro a teatralidade que ela tem na forma como canta ou em spoken word. É incrível. Estamos a trabalhar numa outra música, mais canção, mas a pandemia impossibilitou um pouco o avanço da coisa. Mas vai acontecer. Com a Gisela partiu do conceito de remix. Parti de uma gravação existente e adornei com um instrumental novinho em folha. Entretanto já tivemos várias vezes em estúdio juntos e estou certo que vamos fazer qualquer coisa em breve. Com o Moullinex, bom, é mais que óbvio. Sentadinhos no estúdio que partilhamos há uma década, a fluir ideias muito naturalmente e, também, em modo “e se experimentarmos isto?” “Siga”. Ou seja, há ideia, siga fazer, sem equacionar em demasia. São benefícios de anos de cumplicidade. A Mystery Affair deu-me casa em Guadalajara. Foi a minha base durante uma tour comprida no México. Ela tem um homestudio, fomos para lá em modo descomprometido e começámos o “Criaturas” que, depois, acabámos por desenvolver remotamente com o atlântico pelo meio. 

A tua música é cheia de luz e tem uma nítida dimensão espiritual. Concordas com isso?

Concordo. Desde sempre (mas especialmente a partir do On The Quiet) gosto de fazer música que me tente curar a alma, que me ajude a exorcizar os problemas do dia-a-dia para dar espaço à minha mente para reconhecer o melhor e o pior do presente, e tentar agarrar o primeiro e separar-me do segundo. Adoro fazer temas pop, mais curtos. É um exercício notável. Mas adoro também dedicar-me a explorar até ao limite as possibilidades de uma ideia pequena, simples, ao ponto de a transformar como que numa ferramenta de catarse. É um desafio incrível pegar num pequeno loop, e multiplicá-lo até formar uma música de oito minutos. Para mim é super libertador e cria-me espaço de reflexão crucial. Na música electrónica, os meus temas favoritos por norma são aqueles que conseguem servir os needs de uma pista de dança cheia, de uma pista de dança a formar-se, de um festival, de uma canção pop, de música cheia de earcandy para ouvir nos headphones a olhar para as estrelas, para servir de banda sonora de um jantar calmo… Procuro este objectivo quase sempre. 

Há algum arco de evolução, técnica ou estética, que estas faixas representem? Sentes que, em 2020, és um artista diferente do que eras em 2017?

Técnica certamente. Tenho noção de que aprendi muitas coisas a fazer estes temas todos. O facto de a colecção ser muito exploratória é indicador de que andei a experimentar muito, e eu como auto-didacta baseio quase todo o meu conhecimento de teoria/técnica musical no acto de experimentar. Esteticamente, não creio que tenha havido evolução. Há apenas um apontar para várias direcções. Olhando para a colecção, quase que poderia dizer que são vários alter-egos meus, por haver direcções tão distintas. Mas sinto que sou eu em todas elas, e isso serve-me a coerência. 



Vivemos um momento muito particular. Pensaste no futuro durante a quarentena? Fizeste música nova?

Pensei muito no futuro. Mas dediquei-me também muito a ir vivendo um dia de cada vez. Se a televisão nos mostra que todos os dias os especialistas trazem novas ideias, muitas vezes antagónicas, sobre um vírus que está a dilacerar a vida como a conhecíamos, achei por bem eu também me ir adaptando consoante as novidades. Claro que penso no futuro, mas… Por exemplo, eu andava a construir um álbum. E rapidamente me questionei sobre se era ideal lançar um álbum agora? Se não era prematuro? Não só porque o normal ciclo “Lançar álbum e fazer tour do álbum” estava totalmente em cheque, mas também porque achei que, se calhar, tudo isto podia enriquecer um discurso que mais tarde transpareça num disco. Como tal, fui fazendo um pouco o que me ia dando por impulso. Fiz muita música. Alguma vai ser editada em breve, em formato single e EP, e também já comecei a rever o que vou fazer num longa-duração.  

Algo que todos tínhamos como natural, vital até, o de partilhar vibrações com outras pessoas numa pista de dança pode estar, talvez como nunca, ameaçado. Será preciso a pista de dança desaparecer para que todos percebam o quão importante é esse espaço?

Eu espero que não. Espero que não desapareça. Mesmo que tenha de ser reequacionada, que o seja com vista a manter talvez a melhor e mais importante característica — a comunhão e a celebração. 

Como achas que vão ser as festas do futuro? Vai tudo voltar ao mesmo, ou o mundo mudou e não há nada a fazer?

Não tenho a certeza. Por vezes pergunto-me se durante um par de anos vamos viver sob condicionamentos que permitem apenas que haja uma sazonalidade do convívio fora de casa. Estivemos todos confinados provavelmente apenas para que se pudessem cimentar possibilidades que permitem o desconfinamento. Ou seja, estivemos a ganhar tempo para poder ter as coisas minimamente estruturadas, para haver material que permita a saúde pública e agora tudo fora de casa porque já há mais planeamento e tem de se salvar uma economia. Se calhar as infecções vão aumentar ao ponto de se calhar uns “mesitos” passados em casa serem necessários; depois abrem-se outra vez possibilidades, voltamos à rua numa espécie de compromisso entre saúde e economia.  Nos “entretantos”, também as festas podem encontrar formatos que gradualmente desaguarão naquilo que mais gostamos numa festa: a antítese absoluta de distanciamento social. Mas eu não sou perito em nada disto. Se calhar isto é tudo uma farsa para destruir momentaneamente a economia para que os mais poderosos, consigam, mais uma vez, estragar a vida aos mais desfavorecidos (algo que está a acontecer anyway). Idealmente podíamos celebrar a “proximidade” já amanhã. 

A música de dança consegue aliar essa vertente comunal e uma dimensão espiritual de uma forma única. Achas que produtores como tu vão ter uma palavra a dizer na banda sonora que nos vai salvar a todos?

Eu espero que sim. E ficarei muito feliz se um dia alguém me disser que lhe salvei a alma. Uma coisa é certa, muitos como eu não pararam de fazer música. Na Discotexas tivemos um momento em que pensámos se não seria inteligente fazer pause no lançamento de música. Mas passado pouco tempo percebemos que não era o caminho. Se durante um determinado tempo a vida das pessoas vão estar entregues a um aborrecimento muito superior, criar música que possa usurpar nem que seja um bocadinho esse aborrecimento é uma vitória. Muito se falou de finalmente haver tempo para ver aquela série ou ler aquele livro. Mas também chegou se calhar o tempo de ouvir aquele disco com a atenção devida. Além de não termos abrandado o plano de edições, estabelecemos um regime de streams semanal que conquistou um público bastante assíduo e dedicado. A essas pessoas que tanto interagiram connosco nos streams, o meu mais sentido e sincero obrigado. A mim, foram pessoas que me salvaram. Só desejo poder voltar tê-los presentes mas, desta vez, com um bom sistema de som, todos juntos. 

Que podemos esperar teu nos tempos mais próximos?

Estou a agir muito na descontra, e para já vou continuar assim. Faço uma música, acho fixe, e tento editar logo que seja possível. Dia 17 de Julho sai a primeira música de um EP em conjunto com os Vaarwell. Chama-se “Fire” e sai na Discotexas. Depois a minha remix para a “Bielzinho / Bielzinho” dos O Terno vai finalmente sair oficialmente, pela Discotexas. Digamos que foi um hit da quarentena, e merecia desconfinar do meu disco rígido. Depois completa-se o EP em colaboração com os Vaarwell; tenho também alinhada o lançamento oficial da minha remix para o “Quando a Alma não é Pequena” dos Dead Combo, um EP com o Lazarusman… e talvez um álbum lá para os primeiros meses de 2021. Uff. 

Finalmente: tomaste a decisão de editar esta colecção de temas em cassete e apresentas esta viagem quase como uma mixtape. Porquê essa decisão e quão importante é para ti a ideia de mixtape e a sua história?

A cassete foi mais uma ideia que surgiu meio na brincadeira, mais uma vez o label manager + alguma malta muito ligada à DTX iam mandando ideias, desde há anos para lançar uma cassette. E pronto, foi desta. Viver o dia a dia, responder a estímulos. Apeteceu-me um dia de manhã.

Mandámos fazer. Claro que adoro cassetes. Musicalmente sou filho delas. Tenho centenas de cassetes gravadas e ouvidas até à exaustão absoluta da fita. Acabei por não resistir a fazer umas. E soube-me tão bem receber a encomenda; soube a novidade. Já não lançava uma cassete para aí há 20 anos. A mixtape é, para mim, uma das melhores maneiras de aprender a ser DJ. Criar uma mixtape consistente e coerente, apenas a partir de poucos discos é um quebra cabeças incrível. Leva-te a reconsiderar a posição de géneros musicais, e de descobrires afinidades entre músicas que achavas totalmente deslocadas. E isso acontece só porque tens de prestar uma atenção especial à música que vais escolher, porque tens de introduzir alguma sensibilidade se quiseres fazer uma mixtape com pés e cabeça. E acontece também porque tens ainda de cingir uma playlist a timings correctos. Não vais querer que a última música de um lado da cassete fique cortado porque a cassete acabou. Um bom planeamento leva-te logo a tentar que numa cassete de 60 minutos tenhas um pouco menos do que 30 minutos por lado. São condicionantes incríveis que apelam à criatividade que é impossível conseguir no Spotify, por exemplo, onde tens espaço praticamente ilimitado para encher com música. Sou fã dessa facilidade dos serviços de streaming. Mas adoro o appeal dos formatos físicos.


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