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Publicado a: 13/04/2018

Westway LAB Festival 2018 – dia 2: Cinema, igualdade e viagens obscuras

Publicado a: 13/04/2018

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTO] Ivo Rainha

Começamos o segundo dia do Westway LAB Festival 2018 com o primeiro de dois painéis de sincronização que visam debater a utilização da música em contexto de cinema ou publicidade – as Conferências Pro já se iniciaram há uma hora atrás, mas esta, marcada para as onze da manhã, parece ser das mais auspiciosas do dia. Cabe a Markus Linde, supervisor musical na Thag’s Agent, a tarefa de moderar uma mesa redonda que tem como epicentro a obra de Rodrigo Leão, músico português responsável pela criação de um número invejável de bandas sonoras para filmes, e Pia Hoffmann, supervisora musical de cinema.

O que faz, ao certo, um supervisor musical no contexto de cinema? Simples. Não só estabelece uma ponte entre o compositor e o realizador da obra, como também trata da moderação do negócio em si. Pia Hoffmann procura o artista certo para a função, trata de todas as questões legais, assume o papel de administradora, faz toda a mediação; em suma, todo o trabalho chato que um músico em processo de criação não iria querer fazer. Na sua carreira, Hoffmann tem entre 40 a 50 filmes supervisionados. E o mais curioso é que não arrecadou os conhecimentos sobre esta matéria em específico no curso de cinema que tirou mas sim na experiência do dia-a-dia.

Rodrigo Leão diz também ter sido uma espécie de autodidacta na matéria. Começou a sua carreira musical como baixista, desenvolveu uma paixão pelas cordas em geral, especialmente as que interligam toda a secção de uma orquestra, e rapidamente começou a reproduzir essa mesma sinfonia com recurso a sintetizadores. Tal vertente levou a que fosse por diversas vezes convidado a compor bandas sonoras para filmes. Questionado sobre o critério que o levaria a aceitar ou a recusar tais trabalhos, o homem que teve oportunidade de viajar dos Sétima Legião à sétima arte garante que “usualmente, é difícil dizer que não”, o que já o fez voltar a colaborar com realizadores que outrora não aprovaram o trabalho que entregou.

Pia Hoffmann revela ainda que tenta sempre trazer o compositor o mais cedo possível para o contexto de filmagens e realização, para que este possa estar envolvido na trama desde o início. “Quando mais tarde acontecer essa relação, mais difícil se torna o trabalho”, remata Hoffmann. As palavras de Rodrigo Leão ajudam nesta ideia: “Eu normalmente recebo o guião, para ter uma primeira ideia do que se trata; depois, três ou quatro cenas já gravadas; e só depois uma versão muito crua do resultado final, ainda sem tratamento e cheia de ruídos”. É sempre bom saber como as coisas funcionam neste campo.

Horas mais tarde, na mesma sala, inicia-se a apresentação do projecto Keychange. Vanessa Reed, da PRS Foundation, começa por falar da importância de haver um equilíbrio de géneros nos eventos de música, não só no que toca aos artistas envolvidos (a dada altura, mostra na projecção vídeo exemplos de cartazes de festivais conhecidos a percentagem de músicos masculinos em relação aos femininos; é assustadora a discrepância), mas também no que diz respeito aos profissionais que actuam na área, onde o desequilíbrio também se faz notar. O objectivo do programa Keychange não é obrigar os festivais a adoptarem esta medida de forma ditatorial, como nos explica a oradora em questão, mas sim levar a que a média ao longo dos anos se aproxime dos 50-50 (numa edição poderá ser 60-40, noutra 40-60, etc.).

Nadine Shah, cantora e compositora britânica, filha de mãe inglesa e pai paquistanês, é a embaixadora deste projecto. As suas palavras, também elas projectadas na apresentação de Vanessa, são bastante conclusivas. “As estatísticas são doentias. A discrepância entre géneros é gigantesca. As mulheres são pauperrimamente representadas nesta indústria. Durante muito tempo as coisas andaram desequilibradas e com iniciativas como esta o futuro começa a moldar-se com mais esperança e justiça”. E tem toda a razão.

A noite está novamente reservada às residências artísticas. A primeira de todas, protagonizada por Bruno Miguel, dos portugueses :papercutz, e Jennifer Pague, dos norte-americanos Vita and the Woolf, resulta na perfeição. Ambas as partes encaixam bem entre si e contribuem para que o resultado final seja bastante fluído, pouco forçado, sem parecer que andou alguém a tentar unir as peças com cola rasca de contacto. O imaginário das duas bandas está muito presente nesta experiência, de tal forma que acabamos por sentir, a meio do espectáculo, pequenas oscilações entre esses mundos. E que bem soam.

A base instrumental, disparada por Bruno, à esquerda de palco, rodeado de teclados e sintetizadores, encontra na voz de Jennifer, logo à sua direita, também ela com uma generosa parafernália de equipamento, forma de criar uma perfeita antítese a nível tímbrico, como se os graves a agudos caminhassem de mãos dadas em universos distantes mas ao mesmo tempo coincidentes. Belo.

Houve também coesão no showcase da francesa Laure Briard e do português Mister Roland, não obstante o facto das coordenadas escolhidas nos levarem constantemente para um ponto em específico. Mas já lá vamos. Comece-se por sublinhar a dificuldade em definir quem toca o quê nesta banda, dado o facto dos dois músicos (acompanhados de um terceiro elemento) passarem o espectáculo todo a trocar de posições e instrumentos em palco, como se tivessem bichos carpinteiros no corpo. Saltam do baixo para a bateria, da bateria para o teclados, dos teclados para o baixo e novamente para a bateria. Um verdadeiro “quem é quem?” musical.

Briard e Roland baptizaram este projecto como Beleza Total, mas também não lhes encaixariam nada mal nomes como Space Oddity, Starman ou, vá, Life on Mars. É que não foram poucas as vezes em que o homem de Ziggy Stardust surgiu evocado nas entrelinhas do colectivo, principalmente quando o tema “Pa Pa Pa” em muito se aproximou das intenções de “Sound and Vision”. Nada contra, apenas um pequeno reparo.

A noite finda com o experimentalismo de Bowrain. O músico eslovaco fez-se acompanhar de um piano de cauda (pouca coisa…) e do seu computador para uma estranha mas penetrante e envolvente sessão de crossover entre o acústico e o electrónico. O mergulho na escuridão e a ausência de agitação na actuação proposta para o final da noite não reuniu, porém, o consenso geral da plateia. E compreende-se o porquê. Afinal de contas, Bowrain é a inversão dos dois elementos que formam a palavra “rainbow”. Não há aqui nada de resplandecente.

 


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