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Fotografia: Joana Sousa
Publicado a: 08/06/2023

Rock, mas a cores.

Unsafe Space Garden: “Houve muito o cuidado de respeitarmos que estamos a fazer música para o coração de outras pessoas”

Fotografia: Joana Sousa
Publicado a: 08/06/2023

Os Unsafe Space Garden são um caso curioso de banda/projeto/coletivo. Primeiro, vêm de Guimarães – isso, por si só, já é interessante. Segundo, como a banda se tem desenvolvido. Parece que a cada ano, e até a cada concerto, mais ouvidos e olhos debruçam-se sobre a música que os USG estão a criar. Há (boas) razões para isso.

Os USG nasceram do cruzamento da mente de Nuno Duarte com Alexandra Saldanha entre 2017 e 2018. De uma ideia de um bloco de notas começaram a brotar composições; o primeiro EP, Bubble Burst, lançado em 2019, foi o revelar das bases daquilo que os USG têm refinado com cada novo longa-duração. Pop prolífica e maximalista, extremamente psicadélica, tingida por surrealismos que a fazem navegar por um universo que soa inteiramente de descoberta. 

A música dos USG tem a capacidade de abrir mentes e expandir horizontes – pelo meio, há muito bom refrão a disfrutar e melodias a cantarolar. Foi assim ao de leve em Guilty Measures (2020), talvez demais em Bro, You Got Something In Your Eye – A Guided Meditation (2021). Agora, no seu mais recente longa-duração,WHERE’S THE GROUND, lançado no passado dia 17 de maio em conjunto pela gig.ROCKS! e Discos de Platão, o equilibro foi encontrado – é um dos mais interessantes discos de rock que já escutamos em 2023. E não falamos só em Portugal…

No passado dia 20 de maio, os Unsafe Space Garden apresentaram WHERE’S THE GROUND em Lisboa, no Musicbox. Antes desse concerto, o Rimas e Batidas sentou-se à conversa com Alexandra Saldanha, uma das mentes criativas por trás do projeto, para descobrir mais sobre o universo da banda que toca no próximo dia 10 no Primavera Sound PortoPalco Vodafone pelas 16h45, p’ra quem quiser tomar nota.



Os discos de Unsafe Space Garden têm sempre um conceito por trás. Que história estão a contar neste WHERE’S THE GROUND?

O WHERE’S THE GROUND surgiu muito daquela fase em que sentimos a incapacidade de largar a adolescência e passar à fase adulta, onde temos outra vez que descobrir o chão e aprender a caminhar nesse chão sozinhos. Vem de uma resistência ao que é ser adulto, da seriedade e de deixar de ver tudo com o mesmo espanto de uma criança, e também de uma qualquer forma de estar de algumas pessoas à nossa volta, que é muito bela, de saber perder o controlo das coisas da forma mais bonita possível. E tentamos traduzir isso num disco que depois também tivesse alguns dos temas que têm pintado muito as nossas vidas nos últimos anos.

Existe, de certa forma, uma vibe existencialista em WHERE’S THE GROUND?

Sim, mas também de descobrir que, se calhar, o mundo ficou muito cinzento porque falta um bocadinho daquilo que ser criança tem, que é quase naturalmente sabermos ser amigos de qualquer pessoa e termos mais compaixão. As crianças também têm todo um lado de pirralho, não é? Precisamos também de aceitar isso. Faz muito bem às crianças aprender a processar cada uma das emoções que existe em ser-se humano, e se calhar é isso que precisamos em adultos também. Permitir que todas as emoções venham ao de cima.

Isso é curioso porque a música de WHERE’S THE GROUND soa um pouco quase como música de criança, no bom sentido, mas depois uma atmosfera aterradora de certa forma. 

[Risos] Quando começamos a fazer este disco, começamos a rever todos os desenhos animados que nos marcaram quando estávamos a crescer. Tipo, Recreio e Hey Arnold.

Recreio é banger.

Não é? Ao rever percebi que aquilo não tem idade. Ri-me e diverti-me imenso a rever alguns episódios de Recreio e houve um episódio em particular que inspirou alguns temas. É um episódio onde a menina do baloiço está a tentar dar uma volta completa, e, quando ela o faz, ela desaparece, e toda a escola cria o mito de que a menina passou para o outro universo. Esse episódio é super marcante e acabou por ser um ponto de referência para este disco pela forma de como ela se entrega completamente à ideia de só dar a volta completa ao baloiço e foi para outra dimensão. Mas – spoiler alert! – ela no final do episódio volta a aparecer, só tinha ido embora mais cedo para casa. E nós vimos Recreio, Hey Arnold, Teletubbies

Telettubies é muito é frito quando pensas nisso.

Não é?

Bebé-sol!

O bebé-sol, o aspirador que fala e faz sons estranhos, e o pudim cor de rosa psicadélico que eles se tripam todos. É fascinante. Nós fomos recuperar um bocadinho das referências desses desenhos animados que nos marcaram muito e foram uma fonte de criatividade quando éramos mais pequeninos. Pelo menos, eu lembro-me de tentar desenhar todas as personagens do Recreio e de querer quebrar as regras por causa daquela incapacidade de se subjugarem no Recreio. Eles estão sempre a tentar conquistar alguma coisa em todos os episódios e a tentar ultrapassar os limites que os adultos lhes impõem. Este disco inspirou-se mesmo muito nessas referências de quando éramos mais novos.

Os universos criados nos discos de Unsafe Space Garden acabam por funcionar como escape?

Como escape? [Pausa para pensar] Definitivamente. É um otimismo desmedido! Há uma porção de nós que habita o universo de Unsafe na esperança de que talvez pegue, e talvez resulte a ideia de termos extrema compaixão uns pelos outros. Por exemplo, neste disco temos músicas como a “TREMENDOUS COMPREHENSION”, em que passamos uma grande porção do tema a berrar sempre a mesma frase e a tentar explicar o que seria tremenda compreensão, porque talvez essa tremenda compreensão seja uma das vias para salvar o mundo. É super ingénuo da nossa parte e nós assumimos isso, mas serve de escape. É quase um oásis acreditar que se eu tiver compaixão por ti no teu pior momento, e depois tu tiveres pelo próximo no seu pior momento, então talvez isso crie um sítio mais belo para todos nós, não é? Na realidade, o ser humano só quer ser compreendido. Só estamos à procura de compreensão. Só estamos a tentar contar as nossas histórias uns aos outros.

Este vosso novo disco mantém a vossa marca de água muito maximalista, mas, ao mesmo tempo, sinto que vocês souberam mais restringir-se, particularmente em comparação com o disco anterior [Bro, You Got Something In Your Eye – A Guided Meditation], e refinar a vossa abordagem mais maximalista. Como decorreu a criação deste WHERE’S THE GROUND?

Acho que de disco para disco há sempre lições que ficam registadas na memória RAM criativa. Para este aqui, foi perceber como funcionava o disco anterior, o Bro You’ve Got Something in Your Eye, ao vivo, porque muitas pessoas vinham agradecer no fim dos concertos. E havia uma queixa boa que nos deixavam no final – e isto é engraçado porque o disco chama-se WHERE’S THE GROUND – que era, “Caramba, no momento em que eu estava a começar a deitar-me na vossa relva, vocês tiraram-me o chão e passaram ao momento seguinte”. Quase como se fossem só bocadinhos, espirros pequenos, de ideias, que depois resultavam numa amálgama de muitas emoções, mas que às vezes podíamos permitir ao público estar mais tempo em cada momento das músicas. E houve muito esse cuidado de saber também sermos mais pacientes com cada música, e deixar as músicas respirar, e deixar as músicas acontecer. Se calhar a refinação que referiste vem um pouco daí, de também percebermos que temos uma necessidade de fazer rasteiras – sou eu e o Nuno [Duarte] que compomos – um ao outro e estar sempre a perguntar o que acontece se fizermos isto ou aquilo nesta música, ou se quebrássemos tal regra e fizéssemos de outra forma. Houve muito o cuidado de respeitarmos que também estamos a fazer música para o coração de outras pessoas e queremos que elas possam desfrutar disto, além do espanto de que fizemos mesmo isto. Houve muita essa vontade de pensar o disco ao vivo e de não ser só um objeto que é um CD.

Infelizmente ainda não tive a oportunidade de vos ver ao vivo, mas quem já viu disse-me que vocês soam mais pesados em palco. Que diferenças existem entre os USG em estúdio e em concerto?

Ao vivo, e acho que qualquer músico responderá da mesma forma, estamos sempre muito dependentes de cada sítio ter um som diferente e do público. Às vezes depende das luas, outras vezes depende da quantidade de álcool a circular, outras vezes depende se calhar do contexto individual, mas os concertos mudam muito consoante esses fatores. Ou seja, nunca houve um concerto igual ao outro. Nós tocamos na quinta-feira [18 de maio] nos Maus Hábitos e houve uma pessoa que nos veio dizer que já nos tinha visto cinco vezes e que tinha visto concertos distintos. É sempre uma experiência diferente porque depende muito da reação do público. A maneira como vamos entregar as músicas depende muito da forma como o público as quer receber também. Ou seja, se as pessoas estão completamente erráticas, nós vamos ser erráticos de volta (ou domar isso); se a malta está cansadinha, vamos ser mais gentis. Isto não é propositado, acho que é uma simbiose normal de quem está em palco. Não podemos estar a destoar completamente da energia do público. Mas ao vivo o que acontece é que as pessoas que estão a tocar connosco puxam um lado das músicas que acaba por ser irreplicável em estúdio. Em estúdio, as músicas têm demasiadas complexidades sonoras para podermos tocar todos ao mesmo tempo. Então, tem que ser tudo gravado instrumento a instrumento, track a track. Ao vivo, o que acontece é que tudo se transforma. Cada um está a atingir dimensões diferentes e isso traz algo de muito bonito e especial. E é muito divertido.

Neste momento o núcleo da banda é quem? Há mais alguém que está fully-in além de ti e do Nuno?

Sim, sim. Já estamos a tocar há algum tempo com o Filipe Louro, que transformou completamente a banda por ser tão rigoroso e maluco. Em palco, ao mesmo tempo, ele é a pessoa mais livre e rigorosa, ou seja, ele faz exatamente aquilo que lhe apetece, mas mantém sempre uma linha que todos sabemos que temos de nos manter nela também. Não pode ser só aparvalhar e perder o controlo. E o Filipe transformou muito a banda por ser tão atencioso aos detalhes. Por isso, sim, ele está no núcleo. O José Vale também está connosco há um ano e meio e entrega-se completamente. Depois, o Diogo Costa está desde o primeiro dia connosco. Aliás, originalmente ele ia tocar as baterias numa drum machine, mas isso não correu bem e ele agora é o DJ e toca teclados neste disco comigo. E depois o Pedro Vasconcelos gravou connosco em estúdio, mas quem está a tocá-lo ao vivo é o João Cardita.

Como é gerir as contribuições de cada elemento de banda em estúdio?

Normalmente, quando temos as composições num sítio em que está pronto para gravar e vamos para estúdio, há um primeiro take ou uns primeiros três takes em que eles estão a fazer exatamente o que compusemos. Mas depois, ao quarto take, a régua vai pela janela fora e começa a ser mesmo “Ok, isto agora é meu”, e começam a fazer aquilo é preciso. E é isso que nós queremos. Queremos compor e construir a sala onde a música existe e depois eles decoram como querem. E transforma completamente as músicas.

Não gosto muito de perguntar sobre influências diretas em músicas específicas, mas há uma canção neste disco que me chamou logo à atenção, a “PUM PUM PUM PUM TA TA!”, que ouvi e fiquei “Isto soa a Cardiacs“. E queria perguntar se vocês ouviam Cardiacs e se era uma possível influência…

O que é? Eu nem conheço! Não sei o que é.

É uma banda britânica que fazia pop maximalista. E essa música é muito parecida a Cardiacs em estilo. Então, achei que alguém podia ouvir…

Não, por acaso nem eu, nem o Nuno. A “PUM PUM PUM PUM TA TA!” originalmente era uma música que se chamava “Men Fight Against Men” que já tínhamos composto.

Isso é muito black midi.

[Risos] Acho que o primeiro título dessa música era “Men Fear”, que era muito sobre a sensação de que o mundo está hipermasculinizado de uma forma em que a guerra é algo muito masculino. A ideia que se instala a ordem do mundo através da violência. E o Nuno é muito sensível e uma grande porção da vida dele ele sentiu-se assim um pouco de parte da ideia de ser homem por ser tão sensível, e consequentemente deu em músico. Ele sente essa necessidade de expressar todas as suas emoções que não é uma coisa ensinada aos homens. É muito mais um traço que permitem às meninas ter, de chorar, e depois o homem não tem essa… É “não choras”. Então, essa música surgiu daí. Mas não funcionava porque depois, em 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia e de repente estávamos a fazer uma música sobre a guerra na Ucrânia que não fazia sentido nenhum no contexto de Unsafe. Foi uma necessidade de expressar a dor disso ter acontecido e de ser um momento tão triste na história da modernidade, porque já não faz sentido nenhum, é uma ideia super arcaica, invadir sítios – isto não pertence a ninguém, é do planeta, não faz sentido nenhum – e sabemos que a particularidade de falar de momentos em específico não é de todo Unsafe. Então, trabalhamos essa música até serem duas diferentes. Surgiu daí a “DONDE ESTA EL SUELO?” e a “PUM PUM PUM PUM TA TA!”, que originalmente era um momento na música “Men Fear” em que eu começava a berrar aos homens e a toda a gente, a qualquer tipo de ser humano que se identifica com o que quer que seja, que temos direito a todas as emoções que o corpo humano produz. O corpo humano tem milhares de anos de evolução biológica e todas essas emoções cumprem um propósito. Não quer dizer que elas se justifiquem factualmente; mas se tu estás a sentir raiva, tu estás a sentir raiva, e tens que a expressar, assim como a tristeza e a felicidade. E a música é um sítio bonito para expressar isso. Se estás triste, se calhar ouves Lana Del Rey; se estás feliz, ouves a “Happy” do Pharrell Williams. Há música para cada momento, da mesma forma que há momentos do dia para [cada emoção]. Devia haver a possibilidade de, a qualquer momento do dia, dizermos qual a emoção que estamos a sentir, falarmos abertamente sobre isso e compreender-nos uns aos outros, não é? Porque frustração é o caminho do diabo. Ou seja, qualquer pessoa que só acumule emoções acaba por explodir eventualmente. Não é uma maneira saudável de existir. É bom libertar, falar e estar à vontade. E a “PUM PUM PUM PUM TA TA!” é totalmente uma consequência de eu querer berrar muito. Sempre que posso, gosto de berrar um bocadinho. Agora Cardiacs…

Mostro-te no final da entrevista.

Ok, obrigada, agradeço! [Risos]

Eu mencionei black midi também porque eles têm muito de Cardiacs em algumas músicas

O Nuno é muito fã de black midi, sim. Aliás, fun fact de black midi: o Nuno trabalha às vezes com a malta do Mucho Flow, em Guimarães–

Eles tocaram pela primeira vez em Portugal lá [em 2018].

Sim. E na altura, pelo menos para nós, não era assim uma banda conhecida. A malta da Revolve, em Guimarães, é excelente a detetar talento antes da explosão.

Jockstrap o ano passado.

Exatamente. E eles trouxeram black midi e o Nuno viu e apaixonou-se e passado meio ano black midi era “a” banda.

E é uma banda incrível.

Sim, sim. Eu adoro!

Mencionaste a “DONDE ESTA EL SUELO?” e tenho de perguntar: como surgiu “aquela” parte do GPS?

[Risos] Não adoro conduzir, mas volta e meia tenho. E cada vez que não estou familiarizada com um caminho, eu tendo a estar a falar o tempo todo para me acalmar e começo a fingir um GPS, meio que para me manter concentrada. Mas é mesmo verdade! Houve uma altura da minha vida em que eu tinha de fazer todas as semanas o mesmo percurso, e por mais que eu tentasse, não conseguia decorar o caminho. Então, era sempre um pânico conduzir. Ficava sempre completamente errática no carro e comecei a fazer GPSs hilariantes, em que começava a insultar a mim própria por não ser capaz de ser uma condutora mais viável. E eu gravei muitos áudios a fazer GPSs sozinha e quis muito integrar isso neste álbum. O Nuno na altura estava um bocado resistente à ideia porque a ideia do GPS podia já ter sido usada, mas este é tão sui generis que acabou por pegar e ficou. E eu adoro. Porque isto é mesmo real. Eu existo nesse planeta em que estou a fazer aquele GPS.

Isso é muito engraçado. A primeira vez que ouvi essa parte parti-me a rir. Funciona ali.

[Risos] E é um bocado aquela ideia de num disco cujo contexto é sobre encontrar uma direção e encontrar um chão, um common ground. Há apps para tudo, mas não há uma app para direções de vida. Então, aquilo [o GPS da “DONDE ESTA EL SUELO?”] era a app que guiava até ao common ground, até ao nosso sítio, ao nosso percurso.

Em 2021, vocês contavam em entrevista à Threshold que existiam “centenas e centenas de músicas” dos Unsafe Space Garden. Como gerem esse arquivo de coisas que vocês vão criando?

É avassalador. Mais para o Nuno, porque o Nuno é que está encarregue de toda a parte tecnológica em Unsafe. É o computador dele que sofre. Mas nós estamos a sempre a compor e acumula muita coisa. Cada vez que temos assim uma semana para podemos limpar o computador, começamos a ouvir o que temos e voltamos a pescar composições que foram do momento. Mas é mesmo… O avassalador não funciona. É overwhelming mesmo. Temos tanta coisa e queremos trabalhar tudo ao mesmo tempo, mas somos limitados. Mas para o ano, a ideia que está a circular na banda é lançar dois discos para despachar já muitas músicas. Temos um disco em português há quatro anos parado – e é o único disco que temos em 100% português. E esse disco surgiu numa fase muito bonita das nossas vidas. Nós falamos muito disto em concerto, de que a nossa geração foi totalmente educada pela MTV. Ou seja, eu e o Nuno consumíamos MTV ao crescer, e toda a gente na banda acabou por ter muitas referências maioritariamente da América e Reino Unido, e as raízes portugueses perderam-se um bocado pelo caminho. E em 2019 começámos a trabalhar muito com o Rui Sousa em projetos com a comunidade e, por causa disso, pela primeira vez, começámos a conhecer o que era a música da tradição oral em Portugal, particularmente do Minho, que é de onde nós somos. Isso para mim foi revolucionário porque eu descobri que naturalmente faço a terceira minhota a cantar. Ou seja, se o Nuno está a cantar, eu imediatamente já estou a fazer uma terceirinha por cima, que é uma cena que vem da terra. Vem de comer batatas e de ser do Minho. Isto é a minha teoria, pelo menos [risos]. E nessa altura nós ficámos completamente apaixonados por tudo o que fosse tradição oral portuguesa. Há uma música composta pelo José Mário Branco na altura do GAC [Grupo de Acção Cultural], que é a “Cantiga Sem Maneiras”, e essa música despoletou todo um disco em português. Acho que isto foi no aniversário do Nuno em 2019. O aniversário dele estava a ser particularmente dark e ele fez uma música revoltado com a ideia de “porque é que estamos a celebrar, não é?” Porque este planeta parece que está a andar para trás. Nós gostamos muito do Agostinho da Silva e o Agostinho da Silva costumava dizer que temos de caminhar no sentido de toda a gente ser poeta à solta. É lindíssimo. Se há capitalismo, é que haja suficiente para não termos de estar a existir desta maneira, a carburar e não a desfrutar. Porque nós devíamos estar a desfrutar da nossa existência breve no planeta. A partir daí fizemos uma música em particular, com esse tema do Zé Mário em mente, e depois tentamos revisitar o que são as bases da música tradicional portuguesa e da tradição oral e construir músicas assim. Nós queremos muito lançar esse disco para o ano. E nós nunca vamos deixar de cantar em inglês porque está tão entranhado em nós, mas se tivermos de fazer discos em todas as línguas, fazemos. Porque até falamos várias línguas e o mundo é de todos, não é?

A vossa componente visual é algo que vos distingue de outras bandas, particularmente no espectro do indie português. Como tem sido desenvolver esse lado dos Unsafe?

Logo antes de Unsafe ter um concerto marcado, quando só tínhamos um EP por lançar, nós falámos com uma rapariga lá em Guimarães que conhecíamos assim ligeiramente, a Catarina Moura, e a Catarina aceitou o desafio antes de Unsafe ser sequer uma coisa no mapa. Nós convidámo-la a fazer roupas para nós e ela aceitou o desafio. Desde o dia zero de Unsafe que existe uma noção ou uma vontade muito grande de o subir ao palco ser algo de ritualesco, de ser e de criar um momento onde subir ao palco é mudar o mundo. Isto, mais uma vez, é a nossa ingenuidade a trabalhar. A Catarina fez as roupas e foi muito óbvio para nós que tinha de ser assim, talvez porque no início sofremos muito da ansiedade de palco – muita mesmo, muito pânico. Então, queríamos pôr máscaras. Até pensámos em construir máscaras, trabalhar com artistas plásticos, mas depois a ideia de pintar a cara quase como tinta para uma batalha qualquer emocional, como os guerreiros antigamente pintavam as caras, foi muito bonito. Porque depois é transformar esse ato de pré-violência numa coisa para mudar o mundo de uma maneira muito bonita e honesta. Eu estou só a cantar músicas que me vêem do coração, mas estou em batalha comigo mesma. A partir daí foi sempre muito óbvio que Unsafe tinha que ter este lado estético bem definido e a Catarina acompanhou-nos até hoje, e agora é a mais-que-tudo do Diogo, e fez as roupas para este novo disco também. Sempre que precisamos dela, ela ouve o disco com antecedência e trabalha a partir das ideias que nós temos. A partir daí, a magia acontece.

E aponta tudo sempre numa questão algo surrealista.

Sim, sim. Para que não seja calça de ganga e t-shirt a cantar sobre assuntos tão dilacerantes. Ou seja, fazemos questão que não seja sobre nós e que seja acima de tudo sobre seres humanos.

Há um lado teatral no vosso espetáculo ao vivo?

Sim. Muito. E isso vem muito, primeiro, porque as pessoas que estão em palco são pessoas extremamente dramáticas em palco, e depois vem muito de High School Musical. É a minha referência de adolescente, pré-adolescente. Ver o High School Musical cinco vezes por semana e achar genuinamente que um dia a minha vida ia ser ter toda a gente à minha volta a cantar comigo aquilo que estávamos a sentir. Então, Unsafe em palco tenta muito trazer esse teatro todo para as músicas. E funciona. Eu pelo menos divirto-me muito.

Para quando uma cover de Unsafe Space Garden de uma música de High School Musical?

Já existe! No meu Instagram comigo e com o Nuno a cantar “Breaking Free” [risos]. Isto como prenda de casamento para a Arianna Casellas e para o Kauê, que é o parceiro musical dela também. Ela pediu-nos que no casamento dela lhe cantássemos uma música especial para nós, mas que fizesse sentido para ela. E a Arianna e o Kauê na pandemia revisitaram todos os High School Musicals e eles sabem que sou mega fã – ainda hoje se vir choro-me toda, porque me vem toda a minha infância à cabeça – e então a minha prenda e do Nuno para a Ariana no casamento foi cantar-lhes a “Breaking Free”. Foi um momento muito especial. E a ideia é mais tarde, se possível, se chegarmos a esse nível de confiança com o público, vamos sacar de um momento High School Musical.

Ao vivo?

Sim, sim. É o meu sonho. Eu pelo menos estou a fazer propaganda dentro da banda para que isso aconteça.

Vocês gostavam de fazer uma banda sonora para um filme?

Ui, isso era fantástico. Já pensamos em fazer um filme de Unsafe. Ou seja, fazer um disco que seria um filme. Isso está nos planos. Agora precisamos de ter orçamentos e essas coisas. Há de chegar o dia.

Que há mais na calha para Unsafe este ano?

Este ano está a sorrir muito para nós. Vamos tocar no último dia [10] do Primavera e depois temos Basqueiral e Festival À Porta, em Leiria. Estas datas estão em vista e estamos muito empolgados, obviamente. Particularmente para o Primavera porque é mesmo o fechar de um ciclo nas nossas vidas. Houve um momento num Primavera que foi totalmente o momento que foi quase o formar do esqueleto de Unsafe, em 2017, a ver King Gizzard And The Lizard Wizard. Foi assim a primeira vez que fiquei quase desesperada para querer subir a um palco. E eu nunca tinha subido a um palco – a não ser karaokes! A primeira vez que subi foi com Unsafe. Mas eu estava a adorar o concerto e não conseguia não estar mais em cima de um palco. Precisava. A partir daí o Nuno começou a compor músicas para Unsafe e depois decidimos fazer isto acontecer. Ir ao Primavera este ano é mesmo um sonho tornado realidade. É um festival tão bonito e tão boa onda que estou só mesmo contente.


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