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Fotografia: Neia, Pedro Francisco & Eduardo Jorge
Publicado a: 03/04/2023

Umas mais certeiras do que outras.

Sónar Lisboa’23 — Dia 3: até à última pulsação

Fotografia: Neia, Pedro Francisco & Eduardo Jorge
Publicado a: 03/04/2023

Deste lado, continuam a ser poucos ouvidos para tanta música. É novamente a dois que a última missão se vê levada a cabo, encarando um domingo de Sol chapado sobre o Parque Eduardo VII como um dia sem descanso. Pena que grande parte do que nos convoca a atenção nesta volta final da segunda edição do Sónar em Lisboa nos empurre para dentro da sala principal, escassa em vitamina D. Serve-nos o consolo de fugir ao calor maior da capital em prometedores inícios de Primavera, refrescados pelas actuações agendadas do almoço à ceia. Há fins-de-semana piores, acreditem.



Semanas antes, antecipava-nos King Kami um set preparado especialmente para a ocasião e, sobretudo, para a hora a que havia sido escalada neste último dia de Sónar Lisboa’23. Tarefa ingrata a de dar os primeiros sinais de vida do sombrio SónarClub (vulgo Pavilhão Carlos Lopes, por esta altura de quatro cantos mais que reconhecidos), a um solarengo domingo às duas da tarde. Daí que, sem surpresa — infelizmente —, a DJ brasileira sediada em Portugal se veja a actuar perante não mais de uma mão cheia de cabeças, apesar de tudo bem atentas, no arranque da sessão vespertina. Nada que desmotive, porém, a carioca: vénia ao seu funk jogado-na-nossa-cara, ao seu tecnobrega de bolinha vermelha, que conquista os poucos mas rendidos espectadores — não tão poucos se contarmos com o staff do bar, tão ou mais vibrante com o show do que a reduzida plateia, que, por sinal, se vai multiplicando à medida que a hora avança. Se King Kami convenceu as poucas dezenas que, na recta final, ainda em digestão de repasto de dia do Senhor, dançam desinibidamente ao som de deixas como “É tudo puta”, imagine-se o que não faria a dia e hora favoráveis.

— Paulo Pena



Já com Shaka Lion a conversa é outra. O também canarinho estabelecido (e, no seu caso, criado) do outro lado do Atlântico é pau para toda a obra: seja a que hora for, Raul Windson tem as ferramentas (leia-se, sonoridades) necessárias para se camalear em qualquer tempo e espaço. E, na verdade, o que o DJ (por excelência) e produtor (por consequência) luso-brasileiro nos vai mostrando ao longo da hora e meia que arrancou às cinco da tarde na mesma sala — agora bem mais cheia — que, vazia, recebeu a compatriota é isso mesmo: que tanto consegue ir de geografias árabes ao tropicalismo que lhe corre no sangue, sem esquecer — nunca — as raízes jamaicanas que o guiaram desde cedo; que tanto dá voz à célebre cantora libanesa Fairuz como estabelece ligação telefónica com o sul-africano De Mthuda; que vai das fusões do dub, do reggae, do jazz e da soul a uma electrónica mais despida e vertical. E a derradeira prova de que a fama do cada vez mais cobiçado artista que cresceu no Barreiro não é inusitada está na plateia que o enfrenta: uma já considerável mancha de corpos entregues ao largo espectro de batidas propostas pelo artista da Soulection, predispostos à dança como, talvez, em mais nenhuma outra actuação (pelo menos das que vimos) neste festival, que se deixa levar, do início ao fim, pelo groove do leão. Ainda dizem que o set perfeito não existe…

— Paulo Pena



Regressamos ao interior do SónarClub numa altura em que o sol se começava a pôr de forma mais vincada sobre Lisboa, e por estes primeiros tempos de primavera, a receita era uma que podemos descrever como “adequada”. 

Entramos na sala para ainda apanhar os instantes finais do set de Lady Shaka que, de bandeira de Cabo Verde ao alto, tinha acabado de colocar a bombar um remix de “Dança Ma Mi Criola”, cantiga emblemática de Tito Paris. Soou catita, dizemos, e aqueceu-nos o ventre para o concerto que, de facto, tínhamos vindo assistir: Sensible Soccers.

Acabadinhos de chegar do Tremor – onde também esta revista digital marcou presença -, Manuel Justo, André Simão e Hugo Gomes, acompanhados pelos “colegas de costume”, Jorge Carvalho e Sérgio Freitas, procederam a encantar o interior do Pavilhão Carlos Lopes (que, na nossa cabeça, se assemelhava a um Lux com mais espaço…) com um set mais assente em pura groove do que nas ambiências mais delicadas que pernoitam Manoel, o seu mais recente longa-duração. Abriram com “Cantiga da Ponte”, calminha e serena, mas rapidamente os Sensible Soccers esqueceram a “tristeza” e abriram-se aos ritmos afincados, às percussões deliciosas, às linhas de baixo de bater-o-pé, sem nunca esquecerem os sintetizadores oníricos e melodiosos que premeiam cantigas como “Luziamar”, “Villa Soledade” ou “Elias Katana” (se os nossos ouvidos não nos pregaram partidas). Memórias bonitas foram criadas, e apesar de alguma reticência inicial por parte do público, a música dos Sensible Soccers foi – como esperado – conquistando a audiência. No final, pelo menos para quem não falava alto por cima do concerto, os Sensible Soccers já tinham o público na mão. Aplausos merecidos.

— Miguel Rocha



Durante o concerto dos Sensible Soccers, o público presente no interior do Pavilhão Carlos Lopes foi crescendo em número. Acreditamos que muitos foram capturados pela envolvência das cantigas dos Sensible Soccers (ou, pelo menos, gostamos de acreditar), mas pela receção feita ao protagonista do SónarClub que se seguiu, parece-nos mais credível que muitos entraram na sala para assistir ao set de Chet Faker, que veio a este Sónar Lisboa “passar som”.

Este escriba tem um pequeno segredo a revelar: nem nos tempos criativos áureos de Chet Faker, em plena era do Tumblr, consegui criar uma relação de admiração pela música do artista australiano. Mas seria na comunhão da pista de dança onde poderia haver alguma ligação criada? Se haveria local para isso, seria este…. Certo?

A coisa até arrancou bem. Num domingo muito triste marcado pelo anúncio do falecimento de Ryuichi Sakamoto, músico japonês cuja influência se sente em todos os espectros da música popular, Faker iniciou o seu set com “The End of Asia”, simultaneamente homenageando Sakamoto e colocando muitos bons corações (ok, se calhar pode ter sido só o nosso… mas o nosso conta por muitos) a palpitar. A transição para “She Got Me On” de Paul Johnson manteve a pista bem quente – e era mesmo calor que se fazia sentir no interior do Pavilhão Carlos Lopes –, mas a partir daí, a coisa arrefeceu, com as brincadeiras de Chet Faker por trás do deck muitas vezes a cortarem a vibe (sugerimos multa pesada para quem não deixa o build-up concretizar-se de forma decente). Se procurávamos um set digno dos 30 anos do Sónar, certamente não foi em Chet Faker que o encontrámos, em mais um sinal da falta de ambição e qualidade do cartaz da edição de 2023 do Sónar Lisboa. 

Ironicamente, o set de Chet Faker acaba por ser quase um espelho da sua carreira musical: um início prometedor, com algum hype à mistura, mas que depois acaba a tornar-se apenas música de fundo, descrita pela mais efémera e simplista expressão de todas para quem vive hoje no mundo online: mid. Veredito, portanto? Ainda não foi hoje que me conquistaste Chet…

— Miguel Rocha

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