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Fotografia: Neia Art
Publicado a: 26/03/2024

O melhor estava reservado para o início.

Shygirl no Sónar Lisboa’24: hardcore alegre e uns quantos pregos à mistura

Fotografia: Neia Art
Publicado a: 26/03/2024

Mal a programação do Sónar Lisboa’24 se viu completa, enfiámos logo na cabeça a ideia de ver Sevdaliza, Nia Archives e Shygirl. Três mulheres potentíssimas, cada uma com a sua sonoridade e todas bem distintas umas das outras. A escolha de cobrir estes três concertos não teve em conta a questão de género, mas não deixa de ser curioso que, de uma forma natural, a crescente presença feminina na indústria da música tem-se convertido em muito bons lançamentos e, consecutivamente, um maior equilíbrio entre artistas homens e não-homens na pool de nomes a que vamos prestando mais atenção. Infelizmente, isso nem sempre se reflecte nos alinhamentos dos grandes festivais, algo que tem sido debatido por cá com frequência — como aqui ou aqui, por exemplo.

À terceira edição, o braço português do Sónar manteve o cuidado em procurar equilibrar a balança dos géneros sem que isso significasse brindar ao seu público com um cartaz mais enfraquecido. Até porque não se trata de caridade. Trocar um homem de um cartaz não tem de significar optar por alguém pior. É apenas uma questão de justiça na representatividade, porque qualquer pessoa é capaz de produzir música vibrante independentemente da forma como se define. E quem diz Sevdaliza, Nia Archives e Shygirl pode muito bem dizer, também, iolanda, XEXA, Yen Sung, Helena Hauff, ZenGxrl ou Ana Pacheco, entre várias outras. O Sónar Lisboa está a levar o compromisso a sério.

A nossa missão pelo certame que abraça o Parque Eduardo VII terminou no passado domingo, 24 de Março — podem também ler por cá as reportagens para o primeiro e segundo dia. Chegados à noite para ver Shygirl, percebia-se desde longe que a afluência ao recinto tinha sofrido uma forte descida face ao número de pessoas que tínhamos encontrado no dia anterior à mesma hora. Se por um lado a rua já se fazia sentir mais fria, do outro estava a segunda-feira mesmo à espreita e a empatar as vontades daqueles que querem arrancar uma nova semana com a cabeça o mais fresca possível. Talvez por isso tenhamos ficado com a ideia de que a apresentação de Shygirl fosse um pouco mais contida e ao vivo, sem aquela obrigação de manter uma pista de dança sempre na mó de cima. Enganámo-nos.

Se Sevdaliza e Nia Archives tinham ido ao encontro das nossas expectativas, Shygirl adoptou o formato DJ set durante praticamente todo o tempo. Secundada em palco por três ou quatro amigos que iam sorrindo e dançando ao ritmo das suas escolhas, a cantora inglesa trouxe até Lisboa o que apelida de “Club Shy” — talvez o nome aponte para uma certa “timidez” em usar a voz ao vivo neste formato, embora as batidas que saem disparadas dos decks sejam tudo menos contidas. Ao longo de uma hora muito bem contada (o som terminou de forma abrupta assim que o cronómetro cumpriu o ciclo de 60 minutos), a artista nascida Blane Muise quis sugar todas as nossas reservas de energia na recta final de um fim-de-semana movimentado com um serão recheado de malhas que convidam a movimentos corporais mais frenéticos. O espaço extra entre a plateia gerado pela menor adesão às derradeiras horas do Sónar Lisboa’24 foi bem útil nesta situação, promovendo rodas de dança entre amigos, conhecidos ou até estranhos, que se uniam nesse nobre propósito que é aproveitar um domingo até às últimas gotas.

Ao todo, Shygirl terá interpretado, no máximo, uma mão-cheia de temas, cantando ao microfone por cima das versões de estúdio, embora sem nunca se conseguir distinguir muito bem a sua voz live daquilo que vinha previamente gravado, ao contrário do que aconteceu no formato semelhante utilizado por Nia Archives na noite anterior. Soube a muito pouco nesse sentido, valendo-nos apenas o festim de happy hardcore e eurodance de vanguarda que a autora de Nymph (2022) fez sobressair no seu mais recente Club Shy (2024), com recurso a temas seus mas também de outros artistas, como por exemplo uma remistura de “Toxic” (de Britney Spears) ao jeito da bass music ou uma versão musculada do êxito dos anos 80 “Sunglasses at Night” (de Corey Hart). Entre as cadências escolhidas pela cantora para aquela noite detectámos, também, laivos de UK garage ou até mesmo baile funk por entre os temas que iam sendo mixados de forma pouco profissional, sublinhe-se, muitas das vezes com ritmos sobrepostos a serem emanados violentamente do sistema de som e a acordar-nos do transe. Talvez a cabine não seja, ainda, o local mais ideal para entregar a Shygirl.


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