Pontos-de-Vista

Rui Miguel Abreu

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A propósito de uma resposta do programador do Festival Rescaldo a uma válida pergunta do Rimas e Batidas, queremos a seguir clarificar a nossa posição.

Problemas complexos não se resolvem com matemática simples

O Rimas e Batidas (ReB) está desde o início da sua história, em 2015, atento às mais exploratórias franjas que se vão afirmando em torno de terrenos musicais de amplo reconhecimento, do hip hop e electrónica ao jazz e ao rock, do r&b à pop, passando pela música contemporânea ou por alguma música urbana com origem em África, para procurar dar alguns exemplos concretos. Nesse sentido, e por reconhecermos a validade extrema de um festival como o Rescaldo, aceitámos o desafio de criar com esta iniciativa uma parceria de comunicação.

Hoje mesmo, e respeitando as premissas dessa parceria, o Rimas e Batidas publicou uma certeira entrevista de Rui Eduardo Paes com Travassos, homem do leme da etiqueta Shhpuma, criador do Rescaldo e hoje um dos dois principais responsáveis pela sua programação juntamente com João Castro, outro incansável agitador que além de desempenhar idênticas funções na Nariz Entupido é ainda pontual colaborador desta publicação.

Da natureza editorial do ReB faz igualmente parte uma vontade crescente e ainda assim permanentemente insatisfeita de divulgação e amplificação de música que, alinhando-se com o nosso foco estético específico, seja criada por mulheres e minorias a que tradicionalmente não se dá este tipo de atenção jornalística e crítica: muito concretamente pessoas racializadas e com identidades de género e sexualidades não-normativas. 

Nesse sentido, não podemos deixar de reagir à resposta que Travassos oferece à mais do que pertinente questão que lhe foi colocada por Rui Eduardo Paes na entrevista que hoje publicámos:

Numa altura em que vai importando – com pressões a surgirem quando tal não se verifica – haver uma presença cultural de mulheres e de minorias (artistas racializados e de identidades de género e sexualidades não-normativas), que comentários farias a uma crítica que assinalasse o facto de, nesta 12ª edição, não parecer haver essa preocupação? No caso das participações femininas, estão em cartaz apenas Clothilde, Toda Matéria e Fala Mariam no Carro de Fogo de Sei Miguel. E não há nenhum afrodescendente programado.

Isso é um assunto que não me preocupa minimamente. Nem nunca irei ceder a pressões dessa natureza, porque pura e simplesmente não têm qualquer nexo. A programação, quando é elaborada, tem em conta os critérios que foram mencionados anteriormente e nunca está em causa se são mulheres, homens, azuis ou amarelos, o que conta são a virtude dos projectos e o seu encadeamento no alinhamento do cartaz.

De um ponto de vista mais realista, a matemática é simples: se existem aproximadamente 70% de homens a praticar esta música e somente 30% de mulheres é evidente que isso se reflecte na programação. Estes dados estão cada vez mais esbatidos, felizmente, mas trata-se de um processo com uma certa complexidade que demora tempo a ser nivelado. Tudo vai no bom caminho. Afrodescendentes!!?? Onde é que eles estão? São uma raridade nestes géneros de música.

As pressões a que Rui Eduardo Paes se refere e que Travassos acredita não terem “nexo” resultam de uma mais que legítima procura de representatividade por parte das pessoas referidas. Apoiar-se numa percentagem ad-hoc que não se sabe se deriva de algum estudo real para justificar a parca presença de mulheres no cartaz e a completa ausência de afrodescendentes – que Travassos confessa não saber onde estão, como se fossem invisíveis – é revelar grande insensibilidade perante estas importantes questões.

Não nos compete a nós sugerir nomes que fariam sentido num festival com esta natureza específica, mas seria de certa forma um desrespeito para todas as pessoas que se enquadram nas minorias acima mencionadas e a que diariamente concedemos espaço de fala se não manifestássemos algum tipo de perplexidade perante tal afirmação. É precisamente a “raridade” com que Travassos sustenta as suas opções de programação que precisa não de ser protegida – caso contrário nada muda –, mas, e ao invés, de ser energicamente combatida, abrindo as nossas páginas e palcos a gente que sofre com a invisibilidade sistémica a que é injustamente remetida. Porque nenhuma “matemática simples” resolve um problema complexo.

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