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Teresa Colaço

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#mulhernãoentra

No dia em que o país parou para contar dezassete mil quatrocentos e noventa e nove dias de democracia, o Vodafone Paredes de Coura anunciou um dia extra na sua edição de 2022. Um dia extra “inteiramente dedicado à música portuguesa”. Quarenta e sete anos, dez meses e vinte e oito dias depois da revolução que abriu caminho à igualdade da mulher perante a lei portuguesa, um dos maiores festivais nacionais anunciava, sem vergonha, vinte artistas portugueses para o seu cartaz, mas apenas um deles mulher.

Os dois eventos não estão em quase nada relacionados, eu sei. Mas era o que me estava na cabeça, quando a meio da manhã passava pelos tweets sobre a conta que se iniciava hoje, ou que agora terminava, o tal número de dias e o que significava ou deixava de significar. E no meio de tudo isso, cai o cartaz com a lista de nomes, partilhado por artistas, agentes, fãs e comentadores no geral, acompanhado por opiniões de grande entusiasmo e felicidade. O cartaz tem vinte (20) nomes, mas só um (1) é de uma mulher.

Tal discrepância não é nova. Em 2019, o último ano em que houve festivais de grande dimensão no nosso país, fiz as contas por alto. A presença de mulheres nos certames nacionais ocupava em média 28% dos cartazes, sendo que este número é altamente inflaccionado pelos 48% do NOS Primavera Sound, irmão mais novo do festival de Barcelona que nesse ano passou a apostar num alinhamento paritário. Essa posição de um dos maiores festivais da Europa provocou ondas e outros 43 festivais decidiram seguir o mesmo caminho, mas infelizmente não conseguiu agitar sequer as águas do rio Tabuão, onde o Vodafone Paredes de Coura, organizado por uma das pessoas que também organiza o NOS Primavera Sound, não ultrapassou os 20% de mulheres no seu cartaz.

Já em 2018, Álvaro Covões, um dos maiores promotores do país e responsável pelo NOS Alive, disse numa entrevista: “há poucas mulheres na música, talvez porque as guitarras estragam os dedos”. No festival do Passeio Marítimo de Algés, nunca uma artista feminina a solo tocou no palco principal, em mais de uma dúzia de edições e contra dezenas e dezenas de artistas masculinos. As mulheres a solo, no NOS Alive, sempre tocaram no palco secundário. Em 2019, as mulheres ocupavam 26,4% do cartaz do certame da Everything is New, 15,5% do Super Bock Super Rock, 21,2% do MEO Marés Vivas e 28,5% do MEO Sudoeste.

Espaço para discussão há muito, claro. Queremos quotas? Forçar a paridade em que o Primavera Sound apostou? Não sei. Sei que no bolo que forma a totalidade de pessoas que fazem música no mundo, as mulheres não são só 20 ou 30%. Sei que em média, o público em festivais de Verão é 60% feminino. Sei que as decisões que culminam na apresentação destes cartazes muitas vezes não são conscientes.

A Ritmos não teve como objectivo ignorar as mulheres, apenas não quis saber que, no resultado final, elas não estivessem representadas de forma justa. Mas já está mais do que na hora que nós, o público, apontemos o dedo e avisemos estes promotores que não vamos tolerar mais isto. Já está mais do que na hora que quem é convidado para estes cartazes e quem os negoceia tenha estas questões em mente. Vi algumas mulheres da música em Portugal a falar publicamente sobre isto, mas infelizmente muito poucas, porque a indústria é pequena e o medo de represálias no futuro em forma de ainda menos convites é muito grande. Eu só fiz um tweet a dizer que em 20 nomes só um era mulher e recebi dezenas de respostas a chamarem-me nomes. Quando não falamos nós, falam eles. E quando somos poucos os que falamos, as vozes sexistas e misóginas, neste caso, vão continuar a fazer mais barulho. Só peço que como público, como fãs, como meros simpatizantes que sejamos da música em Portugal, tentemos falar um bocadinho mais destes problemas.


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