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Fotografia: Neia Art & Guillermo Vidal
Publicado a: 24/03/2024

Breakbeats velozes e uma doce voz que promete dar cartas.

Nia Archives no Sónar Lisboa’24: junglist massive!

Fotografia: Neia Art & Guillermo Vidal
Publicado a: 24/03/2024

A vida tem destes acasos. Na passada sexta-feira, fomos ao Sónar Lisboa para ver SEVDALIZA dentro do pouco tempo disponível que dispomos, com o objectivo de regressar a casa o mais cedo possível para um merecido descanso do guerreiro. Num breve zapping televisivo pré-sono, avisava-nos a grelha do Star Comedy que Ali G Indahouse iria começar a ser exibido dentro de muito poucos minutos. O filme que retrata a icónica personagem criada pelo actor e comediante inglês Sacha Baron Cohen já foi visto e revisto vezes sem conta durante a adolescência, mas a sua forte ligação com a cultura do jungle pareceu-nos um motivo forte o suficiente para, um par de décadas depois, nos deixarmos voltar imergir na caricata película de 2002. Afinal de contas, o género musical criado em solo britânico no final do milénio transacto tem estado a ressurgir no panorama da música global e o assunto é, por isso, bem actual — e até foi abordado por aqui há um par de semanas. Ainda para mais quando tínhamos nos planos assistir à passagem de Nia Archives pelo segundo dia (23 de Março) do Sónar Lisboa.

A segunda vida do jungle tem-se manifestado, sobretudo, na cultura pop, elevando esta sonoridade a patamares onde não tinha chegado nos seus tempos áureos, quando gente como Goldie ou Roni Size estavam a esculpir autênticos clássicos intemporais para a cena electrónica de vanguarda — curiosamente, um desses importantes discos intitula-se mesmo Timeless. Nem mesmo os mais alheios ao fenómeno escapavam aos seus ritmos frenéticos, tal era a injecção sonora que era dada às massas através das bandas sonoras de alguns dos mais importantes títulos jogáveis na velhinha PlayStation — do mais infantil Ape Scape ao mais maduro Wipeout. O que é certo é que mesmo sem nunca se ter revelado um verdadeiro sucesso comercial, estas cadências foram-se entranhando nos jovens que hoje, já adultos, se querem lançar no mercado musical, recorrendo agora a essas memórias perdidas com o intuito de dar um cunho mais singular à sua arte. PinkPantheress será nesta altura um dos principais rostos por detrás do ressurgimento do jungle em contextos mais radio friendly, mas estes breakbeats acelerados têm vindo a manifestar-se um pouco por toda a camada mainstream, em especial dentro do novo movimento da hyperpop.

O caso de Nia Archives é, no entanto, especial. A artista nascida Dehaney Nia Lishahn Hunt é uma junglist assumida e tem procurado abraçar este som num formato mais próximo da sua origem. Talvez seja essa a questão essencial que ajuda a explicar o sentido bem ascendente da sua ainda curta carreira, que pode muito bem já dar para escrever uma bonita história, já que é ela quem está realmente a carregar a tocha do som que deu origem ao drum and bass — não estamos a falar de alguém que está a tentar fazer pop ou R&B com fusão de jungle, mas sim de quem está a fazer ascender a verdadeira batida inglesa até um patamar de visível notoriedade. Sabíamos, por isso, de antemão que esta criativa que se auto-caracteriza enquanto DJ, produtora, cantora e compositora nos ia esfregar com o real deal na cara durante a sua passagem pela capital portuguesa.

Entrados do palco SonarClub à hora marcada para a actuação, somos desde logo presenteados com vários dos seus inúmeros remixes, alguns deles até já editados, que ajudam a que um público que possa estar menos sintonizado com o jungle se conecte rapidamente com esta batida, dada a familiaridade que as massas têm com os temas originais. Escutámos re-tratamentos sónicos dados por Nia Archives a singles como “You Got The Love” (Florence + The Machine), “Heads Will Roll” (Yeah Yeah Yeahs), “Hollaback Girl” (Gwen Stefani) ou “Murder on the Dancefloor” (Sophie Ellis-Bextor).

A festa estava boa, mas ia mais ou menos a metade quando demos por nós a encarar a possível realidade de Nia Archives ter sido contratada para o Sónar Lisboa apenas no formato de DJ set, sem direito a interpretar algumas das suas canções ao vivo. Mas após passar pela montra todos os seus dotes no campo das remisturas, haveria de chegar a vez de envergar o microfone para nos entregar a sua voz in loco na apresentação dos seus próprios originais. Numa altura em que está prestes a editar o seu primeiro registo de longa-duração — Silence Is Loud sai já no dia 12 de Abril — recorreu a um dos seus avanços, “Crowded Rooms”, para o leque de faixas que tivemos a sorte de escutar “ao vivo” — apenas a voz nos foi entregue em tempo real, já que a artista esteve sempre sozinha em palco e teve de usar backing tracks para os instrumentais. O seu primeiro par de EPs também esteve em evidência e foi de lá que nos chegaram aquelas que eram as músicas mais esperadas da noite, “Forbidden Feelingz” e o remix de “Baianá”, que deram por encerrada a sua sessão atrás dos decks.

Para um full circle, só faltou mesmo escutarmos pelo meio o clássico “Incredible” de M-Beat e General Levy, tema que serve como principal trilha sonora da trama de Ali G Indahouse. Full circles à parte, não ficou mesmo nada em falta na prestação de Nia Archives, sinal de que o jungle está bem vivo e a sua produção contemporânea respira de saúde. “Wicked, wicked! Junglist massive!”


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