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Fotografia: Guilherme Cabral
Publicado a: 15/07/2023

Ain't nuthing ta f' wit.

SBSR’23 — Dia 2: Wu-Tang Clan e um sonho de décadas materializado diante o povo português

Fotografia: Guilherme Cabral
Publicado a: 15/07/2023

Tentámos assistir aos concertos de AMAURA (que este ano lançou um novo disco, Subespécie) e de Sam The Kid (que voltou a celebrar a sua imensa obra num concerto com orquestra e os Orelha Negra, além de uma série de convidados) mas a greve das Infraestruturas de Portugal e os difíceis acessos ao recinto no Meco impediram-nos de cumprir a nossa missão inicial.

Sendo assim, só conseguimos chegar a tempo do espetáculo de Nile Rodgers e dos seus Chic. Aos 70 anos, Rodgers tem um estatuto de lenda viva, embora o seu nome não seja assim tão badalado nem tenha, como muitas vezes é natural, o reconhecimento das massas. Percorrer os maiores êxitos que compôs ou produziu ao longo de um espetáculo funciona quase como uma espécie de enorme medley que reflecte grande parte da música popular das últimas décadas.

Com a sua banda ultra-talentosa e recheada de grooves, a actuação arrancou com “Everybody Dance”, um dos principais singles dos Chic, para depois fazer então uma viagem pelos hits que Nile Rodgers ajudou a edificar. Falamos de temas como “We Are Family”, de Sister Sledge; “Upside Down”, de Diana Ross; “Let’s Dance”, de David Bowie; “Like a Virgin”, de Madonna; “Get Lucky”, dos Daft Punk; ou “Cuff It”, de Beyoncé.

Os mais incautos poderão quase olhar para a performance como um conjunto de versões bem trabalhadas por uma banda de soul, funk ou disco. A realidade é que o legado de Nile Rodgers é enorme e a sua influência espalhou-se através de géneros musicais e gerações, tornando-o numa autêntica referência. Celebrar isso ao vivo, com um agradável pôr do sol no Meco, é um verdadeiro privilégio. Sobretudo quando o frontman e a sua equipa de músicos foram sempre arautos da boa-disposição, interagindo com o público e incitando à dança e ao espírito de celebração.

A performance terminou com outra das faixas mais emblemáticas dos Chic, “Good Times”, que rapidamente desembocou numa versão de “Rapper’s Delight” tema histórico dos Sugarhill Gang que muito incorporou de “Good Times” , e que levou a um momento verdadeiramente especial. No ano em que se celebram os 50 anos da cultura hip hop, GZA antecipou o concerto dos Wu-Tang Clan que aí vinha ao subir ao palco para interpretar “Rapper’s Delight”. Um autêntico presente para o público no Super Bock Super Rock.

— Ricardo Farinha



Quando chegámos ao palco LG, noutra ponta do recinto, já Holly Hood se apresentava ao vivo diante de uma plateia considerável. Enquanto a fila lá fora não parava de crescer, com centenas de pessoas a tentar entrar no recinto antes do arranque dos cabeças de cartaz, o rapper e produtor da Linha da Azambuja ia interpretando os temas que compõem O Dread Que Matou Golias e Sangue Ruim, partes 1 e 2 da trilogia que Holly Hood tem vindo a construir desde que se lançou em nome próprio em 2016.

Sempre acompanhado por Here’s Johnny na retaguarda e por Kaps enquanto hypeman, Holly Hood mostrou estar em topo de forma, com pulmões cheios, para interpretar as suas malhas de cariz sofisticado, cruas nos versos e refrescantes na produção “Some” foi a maior exibição do fast-flow irrepreensível do artista.

Nem todos os detalhes dos beats que bem conhecemos sempre co-produzidos por Here’s Johnny e Holly Hood conseguiram fazer-se sentir através do sistema de som; mas, por outro lado, os graves que a sua música pede contribuíram para dar um corpo vigoroso aos temas. “Cala a Boca” talvez tenha sido o mais explosivo nesse sentido. Infelizmente, o palco LG não se encontra muito resguardado e, se não se estivesse muito para a frente, ouvia-se demasiado bem o som de Benny Sings em simultâneo, o que não ajudou na envolvência da performance.

Durante o concerto ainda houve espaço para a participação de No Money para interpretar um dos melhores temas d’O Dread Que Matou Golias, “Cartas da Justiça”, e para Kaps antecipar o seu futuro álbum de originais, Marginal. Esperamos que também Holly Hood esteja a preparar música nova, ele que tem lançado singles a conta-gotas ao longo dos últimos anos.

— Ricardo Farinha



Talvez o mood não fosse o ideal, mas parece que dá mais piada escutar Benny Sings em disco do que propriamente em palco. Afinal de contas, estavamos bem perto de ver a história acontecer mesmo diante dos nossos olhos, com um dos grupos de hip hop mais icónicos de todos os tempos a escassos minutos de se estrar no nosso país. Ainda assim, assistimos à melancolia do cantautor neerlandês na íntegra, num concerto bastante ameno que precisava de uma dose de energia adicional.

Para quem anda em digressão acompanhado por banda — e a de Benny não é propriamente pequena, com uma voz adicional, trompete, teclas, bateria e baixo — pede-se sempre algum virtuosismo extra na hora de “esticar” certos temas e elevá-los a outros patamares. O que vimos no palco Pull & Bear foi um conjunto de músicos que cumpre com a tarefa que tem em mãos, mas que peca na necessidade de fazer algo de diferente com as canções. Parte da culpa também poderá ser atribuída ao homem que tem o seu nome estampado no cartaz, que preferiu deixar de lado boa parte do conteúdo do seu mais recente disco para se atirar a repertório mais antigo. E diga-se que Young Hearts é um trabalho bem divertido com produção integral de Kenny Beats, a quem Tim van Berkestijn agradeceu ao microfone, não tendo sido por mero acaso que as reacções mais efusivas por parte do público tenham chegado quando o tema-título desse LP se fez ecoar no penúltimo slot do alinhamento.

— Gonçalo Oliveira



No ano em que se celebram os 50 anos da cultura hip hop, estreavam-se em Portugal os Wu-Tang Clan, um dos grupos mais importantes dos anos 90, que inspiraram directamente a que se formassem colectivos de rap de norte a sul do país. Oriundos de Staten Island, em Nova Iorque, os Wu-Tang são hoje um clã global, com legiões de seguidores por todo o planeta, e o facto de terem aparecido em 1993 quando o hip hop tuga se começava a edificar, com os primeiros discos a serem lançados no ano seguinte — fez com que se tornassem super influentes no panorama nacional. E isso reflectiu-se na grande multidão que ocupou o Meco esta sexta-feira, com muitos (muitos, mesmo) nomes do rap nacional e inúmeros fãs acérrimos com idade para serem pais de família, um público singular que só se encontra nas actuações deste tipo de artistas históricos de hip hop. Encontrámo-lo nos Onyx em 2018, por exemplo, mas nunca num espectáculo desta dimensão, no palco principal de um dos maiores festivais portugueses. É também um marco nesse sentido.

Com uma introdução dramática, RZA eterno cabecilha do clã foi o primeiro a subir ao palco para nos envolver no universo de Shaolin, dos filmes de artes marciais que inspiraram estes guerreiros-rappers a desenvolverem um registo sujo e cinematográfico (com melodias que também se tornaram icónicas), com versos que são autênticos desfiles de golpes verbais de kung-fu.

As t-shirts, camisas, casacos ou bonés não deixavam enganar. A plateia estava ali para o primeiro encontro com os seus ídolos, 30 anos depois do lançamento do primeiro álbum, o emblemático Enter the Wu-Tang (36 Chambers). No palco, irrompiam dos bastidores Raekwon, Ghostface Killah, GZA, Inspectah Deck, U-God, Masta Killa e Cappadonna. Apareciam acompanhados do DJ Mathematics, que criou o célebre logótipo do grupo, e de uma banda de instrumentistas que traduziu, com arranjos sublimes, os beats sujos de RZA e companhia. Claro que esta decisão faz com que inevitavelmente se perca alguma autenticidade do som, mas acaba por fazer sentido num espectáculo desta dimensão e com esta maturidade. A ausência evidente era a de Method Man, uma das figuras mais carismáticas do colectivo, que muitas vezes tem faltado às tours do clã.

“Bring The Ruckus” causou um alvoroço na plateia, “Da Mystery of Chessboxin’” elevou ainda mais o espírito, com RZA a abrir uma garrafa de champanhe logo nas primeiras músicas. Afinal, o ambiente era mesmo de comemoração, de uma nostalgia que estava a ser celebrada pela primeira vez, de um reencontro que era, na verdade, uma apresentação, ainda que tantos anos tenham passado.

“Wu-Tang Ain’t Nuthing’ Ta F’ Wit” foi recebida com entusiasmo, “Clan In da Front” revelou-se outro momento alto. Na retaguarda, eram exibidos os videoclipes que foram essenciais para deixar uma marca com a estética visual do grupo, com imagens cruas de uma selva urbana que condizia na perfeição com a sujidade sonora e as vivências destes homens. Em “C.R.E.A.M.”, uma das canções mais agraciadas, literalmente começou a chuviscar, no que pareceu quase uma piscadela de olho ao making it rain. Não estando presente, Clifford Smith Jr. foi homenageado com “Method Man” e o malogrado Ol’ Dirty Bastard com “Shimmy Shimmy Ya”, havendo ainda uma interpretação do clássico “Ice Cream”.

Nem sempre o som esteve excelente damos de barato que não é fácil gerir tantos microfones e instrumentos em simultâneo e Raekwon The Chef destacou-se com a sua entrega imaculada, com uma colocação de voz e timbre acima da média. O concerto terminou ao fim de 40 ou 45 minutos, o que soube a pouco tendo em conta o momento marcante que se vivia, sendo que houve alguns segmentos que poderiam ter dado lugar a outros temas, mas estaríamos a mentir se escrevêssemos que isso tenha estragado de alguma forma a experiência. Wu-Tang é Wu-Tang e o carinho é incondicional, ainda que não tenha sido perfeito. “Oh, baby, I like it raw”. Que fique registado na história como o dia 36 de julho.

— Ricardo Farinha



Comparando com o que se escreveu acima sobre Kenny Beats, Sampa The Great trilhou um caminho completamente inverso do ponto-de-vista da dinêmica do espectáculo. Do rock ao rap, do mainstream aos sons mais tribais, das letras que confortam a alma às mais energéticas e impactantes. Houve de tudo a sair do sistema de som do palco Pull & Bear e isso foi um claro trunfo para a artista africana, que conseguiu juntar uma grande fatia do público à sua volta a a partir das 21h45.

Como uma espécie de embaixadora, teve uma bandeira da Zâmbia pendurada no tripé do microfone o tempo todo e fez questão de mencionar o seu país sempre que possível: falou do seu som como sendo “zamrock”, explicou o quão importante é para o seu povo vê-la vingar globalmente (uma forma de fazer as novas gerações sonhar com patamares mais ambiciosos) e sublinhou que toda a sua banda é composta por músicos zambianos — a primeira de sempre a tocar em eventos e iniciativas como Glastonbury, Coachella, Tiny Desk e, claro, Super Bock Super Rock, como deu conta a meio do concerto no Meco. Nesse conjunto de músicos que a acompanham encontrámos um baterista, um teclista, um guitarrista e um coro de duas vozes — uma delas irmã da artista principal, a quem foi dedicada “Black Girl Magik” a dada altura.

Num breve retrato, é possível comparar a actuação ao que vimos por parte de Little Simz no ano passado no Primavera Sound. Teve sempre a audiência na sua mão e demonstrou garra em cima do palco, onde também dançou e pulou como quem solta as más energias através da performance. Sem precisar de pedir “favores”, a plateia saudou-a sempre que uma pausa entre temas propiciava uma demonstração de afecto mais calorosa. Ainda enganou algumas pessoas quando se ausentou do palco no final de “Let Me Be Great”, mas voltou passado alguns segundos para entregar a canção de que todos estavam à espera, “Final Form”, arrumando o assunto com particular descarga de adrenalina.

— Gonçalo Oliveira



Enquanto os The 1975 actuavam no palco principal e pareciam algo deslocados tendo em conta o restante cartaz (e a modesta audiência diante da banda britânica era prova disso), muitos preferiam abanar os corpos ao som da música electrónica de BIIA, artista portuguesa que apostou em sons dinâmicos e acelerados sem se tornarem demasiado pesados para espantar espíritos e fazer-se a festa no envolvente palco Somersby, um dos melhores desta edição do Super Bock Super Rock.

— Ricardo Farinha



Depois do concerto de Wu-Tang, os transeuntes dispersaram muito ao longo da noite. Se a plateia para ver os The 1975 parecia estar aquém das expectativas, BIIA estava com um surpreendente número de pessoas diante si. Por outro lado, no palco Pull & Bear havia até quem não estivesse interessado em mais nada do que apenas guardar um lugar de luxo para ver Caroline Polachek em acção. A cantautora e produtora de Connecticut tem estado em particular destaque desde que editou o terceiro álbum, Pang (2019), e regressou este ano com um novo disco que está ainda mais delicioso do que o seu antecessor.

Desire, I Want To Turn Into You esteve, claro, na ordem do dia para a sua passagem de cara lavada pelo SBSR, um ano depois de ter feito parte da edição de 2022 do Primavera Sound Porto. Com um cenário propositadamente criado para a sua mais recente digressão pelo mundo fora — uns painéis recortados em forma de ondas que circulam a sua “ilha com palmeiras” —, a cantora norte-americana chegou um minuto “atrasada”, isto porque fez questão de nos dar a projeção de um relógio que fez um countdown de 60 segundos quando bateu a hora marcada. A entrada em palco foi, no mínimo, arrebatadora, não fosse ela ter sido feita ao ritmo de “Welcome To My Island”.

Defeitos? Nada de que nos lembramos. Pontos positivos? Muitos. A começar pela excelente coordenação entre Polachek e os seus instrumentistas — Russell Holzman na bateria, Maya Lanerno baixo e Matthew Horton nas guitarras. A cantora tem a lição na ponta da língua e vai casando os movimentos das suas mãos e braços com o sons que os músicos disparam, como se cada nota fosse comandada pelo seu gesticular — as luzes souberam acompanhar sempre na perfeição, parecendo também elas comandadas pela performer. De voz sempre certeira, foi dando algumas deixas para que o público a pudesse acompanhar — e que banho de amor levou ali dos portugueses. Quando cantava, andou ali sempre o modo diva e rouxinol — ao dom natural para a coisa somam-se os efeitos vindos da forma como brinca com as distâncias entre o microfone e a boca e o tom cristalino com que alcança os agudos mais ousados. E a dedicatória de “I Believe” a SOPHIE? Bate tudo certo com Caroline Polachek e daqui sobra apenas a vontade para que chegue rápido ao circuito dos palcos principais para tirar partido de produções mais arrojadas — sabemos que ficam em boas mãos.

— Gonçalo Oliveira



Sabem quando se diz que um campo de um qualquer desporto está desequilibrado? Apesar da relva seca que já formava tufos arredondados que rebolavam recinto fora, foi claramente isso que se passou na recta final desta segunda partida do SBSR.

Tudo estava bem quando o nosso foco se virou para Charlotte de Witte no palco Super Bock. A DJ e produtora belga veio bem apetrechada com o seu techno recheado de detalhe e facilmente tomava quem ali passava como seu refém. Teve um bom jogo de luzes, algumas projecções interessantes e gozou de um sistema de som que estava completamente a seu favor. Enquanto que por ali andávamos como quem gosta de levar bofetadas de ondas sonoras, nada a apontar. Mas o caso muda completamente de figura quando sabemos que, no palco mesmo à frente, estará um DJ Premier a manusear pratos para a malta que tinha ficado de barriga vazia com aqueles 40 minutos de Wu-Tang. E 5 minutos antes da hora marcada para o encontro, lá estávamos nós no Somersby ainda a ser bombardeados pelos graves de de Witte.

Se foi uma boa festa de hip hop? Tinha todo o potencial para isso, pelo menos. O homem que fundou com Guru os Gang Starr tem a escola toda e das suas mãos só sairam bangers de recorte clássico — dos temas do seu grupo a hinos como “Simon Says”, “Ante Up”, “Ten Crack Commandments”, “Boom”, “Ruff Ryders’ Anthem”… —, muitas vezes sem grande tempo para respirar, outras com direito a apresentações através dos samples principais que compõem os respectivos beats. Mas ter direito a apenas uma hora de Preemo e passar mais de metade desse tempo a levar com as vibrações que vinham da outra DJ tirou-lhe grande parte da piada. Quando o veterano baixava o volume ou parava por completo para escolher a próxima malha, tornava-se até vergonhoso e era assunto de conversa entre todos os presentes.

— Gonçalo Oliveira


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