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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/06/2023

Uma alma velha com uma nova abordagem.

AMAURA sobre SUBESPÉCIE: “Obrigou-me a sair dos cantinhos a que estou habituada”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/06/2023

Desde dos primeiros versos que AMAURA tem vindo a da que falar. Seja em nome próprio ou em colaborações, a sua criatividade e sonoridade coloca-a numa posição de destaque cujo futuro se prevê próspero.

Editado em Maio pela Mano a Mano, o novo trabalho fica marcado pela temática mais intimista onde AMAURA “sentiu necessidade de batalhar pela máxima honestidade” e no qual a artista “coloca toda a sua dor, entre melodias e ritmos visceralmente planeados.”

Com uma vontade de fazer, partilhar e, sobretudo, aprender, o Rimas e Batidas quis saber mais sobre o processo criativo de SUBESPÉCIE, o segundo álbum de originais que conta com 14 faixas e múltiplas colaborações — desde Capicua a TNT. A produção do mais recente trabalho de estúdio da artista ficou a cargo de um plantel de peso, com a assinatura de Iuri Rio Branco (trabalhou com Marina Sena ou Jean Tassy), DJ Player, Tayob Juskow e arranjos adicionais de Bernardo Cruz (colaborador de Richie Campbell, Slow J ou Dillaz), co-produção de Daniel “TNT” Freitas e mistura e masterização a cargo de Pedro Quaresma (dos Da Weasel). 



O que te fez sentir mais confortável para partilhares a tua historia, o teu intimo, e ter uma posição de conforto que te motiva a deitar cá para fora?

Tenho de ser honesta, não sei se já se tornou uma posição de conforto. Como acho que foi um processo quase inevitável, uma coisa que o processo é que pediu de mim, quase que sou obrigada a diariamente sentir-me mais confortável com isso, o que é maravilhoso. Porque acho que há coisas que nos acontecem na vida que, mesmo que tu não queiras falar sobre elas, elas falam e tomam conta de ti, tu não consegues muito fugir a esse tipo de assuntos. E eu comecei a perceber que, de facto, isso que tu acabaste de dizer começou a ser uma premissa pessoal depois de alguns eventos muito fortes pessoais que, por eu ter sempre a vontade de dizer o que é o meu momento, não podia fugir deles. Mesmo que eu quisesse mascarar com coisas menos profundas, eu não estava a conseguir fazê-lo, então deixei-me aceitar que é este o processo que preciso de passar e cada vez mais ’tou certa que foi a opção mais natural.

Como é que foi trabalhar isso em estúdio? Como é que foi a evolução do processo do álbum anterior para este? Como é que foi a tua postura e abordagem? 

Eu tive sempre a sorte de trabalhar num estúdio em que a nossa relação se foi tornando pessoal, nunca tivemos muito aquela coisa que, às vezes acontece e é normal, é dividir coisas da tua vida intima que tu não vais para o teu serviço contar. E acho que isso é normal e como sempre tivemos uma ligação pessoal, todos eles estiveram envolvidos no processo da perda da minha mãe, da prisão do meu irmão… Portanto, foi uma coisa que eu não precisei de explicar muito. Aqui, a única diferença de um álbum para o outro foi, independentemente desses eventos infelizes terem acontecido, sempre quis estar mais envolvida na produção, fazer coisas diferentes, explorar sonoridades. Então queria estar mais envolvida e tudo isto vem da minha cabeça e de outras cabeças que pensam de forma parecida e que respeitaram a ideia inicial, o que ajuda muito. Esta foi a diferença do Em Contraste para este, foi muito mais orquestrado por mim do que o contrário. 

Este último ano tens tido uma agenda muito preenchida: foste convidada do New Max, colaboraste no álbum do DJ Player, és um dos nomes da edição deste ano do Super Bock Super Rock e, principalmente, tens vindo a colaborar imensas vezes com o Tayob e vocês têm tido uma boa química em estúdio. Como é que é para ti esta colaboração com ele e outros artistas, como é ser convidada por outras pessoas noutros projetos?

Para já, acho que uma pessoa fazer-te um convite é sempre uma coisa bonita, que não deves tratar como “não vou fazer”. “Pelo menos ouve” — eu, pelo menos, sou assim. Depois quando eu gosto das coisas, eu vejo sempre naquilo uma oportunidade de mostrar outros lados meus que talvez sozinha não ia conseguir chegar lá ou não ia pensar naquilo, como também aprendo imenso, porque é nestes momentos que eu exploro coisas que às vezes se calhar no meu projeto não consigo explorar. Ou com outra calma, ou com menos pressão, talvez. Acabas por ter um espacinho… É nestas coisas que eu meto um bocado a minha criança, quando vou criar para os outros, escrever para os outros, e eu cada vez mais gosto desta área, cada vez mais gosto de fazer coisas para os outros, na verdade. 

Sentes que consegues explorar uma faceta diferente? 

Sim, sem dúvida. Que muitas vezes, sem essa proposta, tenho uma tendência assim meio melancólica de ir para os cantinhos e é por isso que este álbum me fez bem, porque me obrigou a sair dos cantinhos a que estou habituada.

E como é que tu levas esses cantinhos a que estás habituada quando vais trabalhar com o Tayob?

Nós também tivemos um entendimento pessoal, eu sempre achei que ele tinha uma cabeça muito criativa e ele tem uma coisa muito curiosa que é: ele é muito novo de idade, mas eu acho que ele tem ali uma alminha velha e eu também me senti sempre muito assim, então acho que as nossas contemplações contemporâneas casam muito bem com as mais old school; e como já sabemos disto, no meu trabalho senti que podíamos explorar outra versão que nenhuma destas duas. Eu fui percebendo, pela produção dele, que é uma pessoa visual, como eu, o que ajuda muito. Podes explicar as coisas como uma história visual, por exemplo, e eu acho que isso se foi tornando numa forma natural. E gostamos de fazer essas sessões em que não sabes bem por onde é que vais, porque isso enriquece muito a tua criatividade. 

E sentes que a comunicação entre vocês os dois é muito intuitiva? 

Não foi sempre, como é óbvio, mas foi-se tornando cada vez mais intuitiva. Às vezes até pela forma de estar ele já sabe que eu quero ir para uma coisa mais deep, eu já sei os dias em que ele está mais baixo ou mais teclas, torna-se super-bom porque sentes que estás ali só a explorar e depois, quando as coisas acontecem, até ficas com a sensação de: “Fomos nós os dois que fizemos isto?”. O que é bom.



Falando de produtores. Conta-me como foi trabalhar com o Iuri Rio Branco. 

O Iuri vem também de uma forma natural. Antes de o álbum se ter virado para onde se virou, lembro-me de estar a ouvir um artista que eu gosto muito, que é o Jean Tassy, e pensar que eu ia ficar bem nesta sonoridade. Na altura comentei isto com uma grande amiga minha — e eu sempre fui um bocadinho tímida com estas coisas e nunca gostei do síndrome de estar a chatear, mas isso tem a ver com inseguranças minhas — e ela elaborou um e-mail meu, com vídeos e coisas feitas por mim e mandou para ele. Na altura até fiquei meio chateada. Fiquei com a sensação que ele vai ver e não vai dizer nada. 

Ficaste com receio do pré-julgamento? 

Sim. São as nossas inseguranças. Normalmente nós vemos sempre as coisas más antes dos outros. Somos sempre nós os primeiros a ver. Ela compôs aquilo mesmo de forma convincente, ele ouviu e gostou e, depois, acordámos uma reunião. Também acho que ele gostou das minhas coisas e também simpatizou com a minha pessoa. A partir daí começámos a desenvolver. Depois, também gostei muito do álbum da Marina Sena que foi produzido por ele, e comecei a perceber que talvez eu pudesse fazer uma tropicália não genérica. Talvez uma tropicália mais Brasil, mais Moçambique, mais Angola e não tanto uma tropicália genérica — o que também é válido. 

Mas já vinhas com essa ideia pré-definida ou foi uma coisa que foi surgindo e que passou a fazer sentido?

Os primeiros temas que nós fizemos, eu até estava numa onda assim de r&b mas mais eletrónico, era mais isso. Mas depois, com a perda da minha mãe, comecei a sentir uma necessidade muito grande de ouvir sonoridades de quando eu era miúda. Talvez até por saudades, ou qualquer coisa assim… Então comecei a perceber que, se calhar, havia aqui um lado meu que eu andava há anos a fugir dele, que é: “Eu sou africana e será que eu tenho de fugir disto? Será que estou presa a um rótulo com o qual as pessoas já me acarinham e estou com medo de perder o carinho?” E escolhi que não queria mais viver assim, então acho que ele foi mesmo a pessoa perfeita para juntar aqui um grito de coragem com um certo de saudosismo que isto traz, porque eu cresci a ouvir isto com a minha família. 

É quase como uma viagem nostálgica à tua infância, dirias.

Exatamente. Diria e dizes tu muito bem. Porque foi mesmo o que foi. Às vezes as músicas têm um lado alegre e causam-me uma profunda saudade, melancolia, às vezes até umas lágrimas aqui ou ali. Mas eu acho que isto é que é o bonito da música: independentemente do embrulho, normalmente a mensagem diz-te mais. 

É aquele síndrome do sábado de manhã, de quando somos crianças e estamos a odiar a música das limpezas da mãe, e depois crescemos e estamos a ouvir e cantar exatamente as mesmas músicas. 

Sim, é muito isso. Sabes que uma das coisas que eu já disse em entrevistas é que eu queria-me lembrar dos tempos do Sol Música, que era indicativo de duas coisas: íamos ouvir Gloria Estefan e música africana e íamos limpar a casa. 

A música que nós ouvimos a crescer é a música que os nossos familiares ouvem numa viagem para o passado deles também.

Exatamente, tudo o que fosse samba, bossa nova e até esse lado meu do Brasil, não vem de agora. Eu tenho família, muito longínqua, mas musicalmente sempre fui muito ligada à bossa nova, MPB, etc.. Depois, mais velha, comecei a explorar outras coisas. Mas é muito isso que tu dizes. Nós às vezes, em miúdas, nem queremos…

Parece que nem nos identificamos, porque ainda não definimos quem é que nós somos. 

Sim, acho que não há vida também para entender aquilo. E o Iuri é um produtor que consegue ir à batida com emocionalidade e isso é difícil, porque às vezes a batida descaracteriza do emocional e ele consegue fazer isso de uma forma muito única. 

As tuas colaborações têm sido maioritariamente masculinas, queria perceber a tua perspetiva no que toca a produtoras femininas. Ainda há pouco disseste que este álbum também te permitiu estar mais presente na produção, vês-te a continuar esse caminho? 

Cada vez mais… E com este álbum percebi duas coisas: uma coisa que faço bem e outra não faço mas que quero aprender. Eu não sei tocar instrumentos, eu não sei produzir, então, tudo foi muito difícil de eu mostrar, então teve de ser tipo Michael Jackson, sabes? Com a boca, com as mãos, com exemplos, com ideias, com “ensina-me lá o barulho dessa tecla” ou “agora deixa-me ser eu a tocar”. Descobri um gosto gigante por produção, ou se calhar até gosto de direção, não sei… 

E por exemplo, vias-te a colaborar com uma produtora se as produtoras fossem mais presentes na indústria? 

Claro que sim, com toda a certeza e até com bastante gosto! Ainda há pouco tempo dei por mim a pensar nisso, que é normal as pessoas fazerem-te muitas perguntas sobre como é que te sentes em ser mulher disto ou daquilo, e eu percebo que seja normal e necessário, mas acho que a todas as mulheres da indústria chega um momento em que já cansa essa pergunta. Quer dizer, a minha valência é só porque tenho ovários? É só esta a minha valência, porque sou mulher, ou eu realmente sou mesmo muito boa nisto? Às vezes essa cota feminina permite mostramo-nos, mas ao mesmo tempo sinto que não é justa, porque depois há também montes de miúdas que tu descobres não sei quanto tempo depois porque não tens acesso a elas. E depois também defendo outra coisa, que nem sempre é bem-vinda, mas que é a minha verdade: é obvio que eu gosto de me associar a causas que têm a ver com mulheres, porque sinto que se não dermos as mãos umas às outras as coisas ficam mais difíceis, mas questiono-me sempre se estou a dizer que sim porque faz sentido ou porque é uma mulher? Eu não digo que sim porque é uma mulher, eu digo que sim porque é talentosa e faz isto bem. Ser mulher para mim é um bónus. 

Tu vês para além da causa, vês pela qualidade.

Exatamente. E se puder juntar uma coisa à outra: ótimo, sabe-me pelo dobro. Mas, sinceramente, eu não gosto quando sinto que estou a ser uma cota. Podes ter as tuas bandeiras e fazer por elas e não tens que ser só dali. E cada vez mais gosto de colaborar com mulheres e sinto que há cada vez mais mulheres a pensar como eu. 

Neste trabalho tu tens uma faixa com a Capicua. Como é que foi trabalhar com ela? 

Neste caso foi muito bom. E lá está, as nossas inseguranças fazem um bicho de sete cabeças. Eu estava: “Vou fazer-lhe um convite? Vou ser chata?…” E depois ela fez-me um convite para SG Gigante, um trabalho de homenagem ao Sérgio Godinho, e foi exatamente isso que eu senti: ela não me convidou por eu ser mulher, ela convidou-me porque me disse que a minha cena ia quebrar com o que estavam a fazer e que ia ficar fixe, e só depois é que senti o “ainda bem que és mulher”. E eu adorei isso! E eu pensei que, um dia, quando fizer sentido e não por imposição, vou retribuir este convite à Capicua. E depois, estava a compor a música e sabia que queria rap e uma mulher, e quem melhor que a Capicua? E lá ganhei coragem, mandei-lhe uma mensagem e ela foi super-querida e até disse uma frase que diz muito sobre ela. Ela disse: “Só não entro se não tiver nada a acrescentar”. E eu adoro isto, senti que pensamos de forma parecida neste campo. “Temos algo a acrescentar? É bom? Então, ‘bora fazer!”

Falaste do SG Gigante, como é que foi para ti trabalhar com imensa malta num só disco e o resultado foi bem recebido? 

Gostei muito porque, tal como disse no inicio da nossa conversa, eu nunca me iria lembrar daquele beat, eu nunca me iria lembrar de fazer aquela cadência, eu nunca me iria lembrar daquela melodia. Eu sei que não iria, tanto que quando ouvi o tema, senti que era bom de ouvir, mas estranho ao mesmo tempo. Para já, fiquei super-lisonjeada por ser para quem era, depois o próprio convite deixou-me bastante contente. Os meus próprios colegas de tema não deixaram muito para eu pensar duas vezes. E depois gostei muito do tema que foi, porque sempre gostei de explorar a ideia que nunca é tarde para nada. Então, para mim, foi um super-desafio e foi o melhor dos dois mundos: um desafio e algo que me trouxe coisas boas. 

E desafios: tu vais apresentar-te no Super Bock Super Rock. Como é que estás a pensar o teu espetáculo?

Estamos neste momento a fazer ensaios e a perceber as químicas do álbum, mas quero muito fazer um espetáculo coeso. E é nesse sentido que estamos a trabalhar, eu e os meus músicos, e por uma questão que eu também gosto quando vou ver um artista que aprecio: não quero cantar aquela música de 1991, acho que cada álbum é um momento de um artista. Mas há sempre uma ou outra que ficamos sempre, “ah, se tivesse cantado aquela é que tinha sido!” E tendo isso em mente, vou incluir um ou dois temas, os mais rodados do primeiro trabalho, como conforto para quem ouve. Sem dúvida quero dar lugar a explorar este novo trabalho.


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