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Fotografia: Raquel Correia
Publicado a: 22/04/2024

A modernização do jazz via electrónica.

SAMALANDRA: “A complexidade pode ser mascarada para que soe a algo simples”

Fotografia: Raquel Correia
Publicado a: 22/04/2024

Despontaram nos terrenos da cena #jazznaojazzpt em 2023 e são um dos nomes a manter no radar para os anos que se seguem dentro de uma esfera mais inventiva da música portuguesa. Os SAMALANDRA são uma banda formada por Débora King (teclas e voz), Tiago Martins (baixo e samples) e João Neves (bateria) e que compilou seis faixas num disco homónimo editado de forma independente, nas quais se sobressai uma predominância da estética beat, mas que não retira ao grupo a possibilidade de disparar harmonias e melodias em diferentes direcções.

A liberdade é total neste trio lisboeta que apelida o seu som de jazztrónica, um bolo feito de várias camadas onde cabem influências como o hip hop, os sons sintetizados ou  a música improvisada. É tudo isso e muito mais o que vamos poder escutar amanhã ao vivo ou via livestream na Collect, em Lisboa, pelas 19 horas, no que se espera que seja uma performance frenética de SAMALANDRA em torno dos temas do seu primeiro EP e também de algumas novidades, confirme nos revelam numa entrevista que podem ler já de seguida.



Como é que este projecto começou?

[Débora King] Basicamente, eu e o João juntámo-nos para compor. Fazíamos umas sessões de improvisação e começaram a surgir temas. Pensámos logo no Tiago para se juntar a nós.

[João Neves] É isso. Eu e a Débora, essencialmente, envolvemo-nos mais nessa parte de compor. Ainda hoje continua a ser um bocado assim. O Tiago…

[Tiago Martins] Vocês já tinham um projecto orientado para a escrita.

[JN] É isso. Tu fizeste um ensaio, mas a coisa não funcionou, e nós decidimos fazer a música de raiz. Mas queríamos bué trabalhar com o Tiago, até pela cena do tratamento do som, do sound design, porque ele está muito mais à vontade nisso do que nós.

[TM] Permite-me discordar. Eu acho que vocês, se calhar, traziam a parte da composição já mais definida, com uma direcção específica. Onde eu, se calhar, pude intervir mais, foi na parte da electrónica, do conhecer timbres e de saber o que é que fica bem com o quê, de como é que se passa um arranjo jazz ao piano ou Rhodes para um som de sintetizador, se calhar mais agreste e mais fora do comum. Acho que foi mais por aí.

Mas há um caminho que cada um de vocês trilhou até chegar a este encontro, não é? Nomeadamente académico, imagino eu. De onde é que vocês vêm?

[DK] Todos tirámos licenciatura em Jazz. Eu e o Tiago estudámos na ESMEL.

[JN] E eu estudei em Évora. No meu caso, houve ali uma fase que foi importante para mim, em que consegui fugir um bocadinho do jazz tradicional. Conheci outro pessoal, que me trouxe outras influências.

Vocês estão com que idades?

[JN] Eu tenho 32.

[DK] Eu tenho 28.

[TM] Eu prefiro não divulgar [risos]. Tenho 33 balas.

Quem me dera ter 33 balas [risos]. O João menciona uma coisa curiosa, porque diz que se afastou do jazz tradicional. Eu fico sempre com esta curiosidade quando falo com pessoas com o vosso tipo de som. Imagino que já tenham mostrado o que fazem a alguns dos vossos professores. O que é que eles acham desta manifestação, tendo em conta o que andaram a aprender no curso e onde investiram tanto?

[TM] Depende da abertura de cada um. Mas, regra geral, há uma cena institucional no nosso jazz, se calhar mais até aqui, na zona de Lisboa. Do que eu conheço da malta do norte, as coisas são um bocadinho diferentes. Acho que o tradicional, aqui, é muito importante; tem um cariz histórico, por causa do Hot Clube e da envolvência do jazz já desde os anos 60 e 70. Parece que há uma necessidade em dar prioridade a essa corrente mais antiga. Dito isto, eu sei de casos de profs. que… Por exemplo o André Sousa Machado, com o Fernandes, tinha um projecto de drum and bass, em que disparavam samples e metiam electrónica na improvisação jazz. Portanto, acho que também é uma coisa meio cíclica o isto ser aceitável no circuito ou não.

[DK] Há muito a cena do jazz moderno, também, que nós apanhámos.

[TM] Acho que a diferença, para a nossa geração, é que nós não levamos isto como uma experimentação. “‘Bora lá pegar nisto aqui e fazer uma coisa diferente.” Não. Há uma intenção que dá mais destaque a este lado das coisas. Porque é que não se está a improvisar com waveforms de sintetizadores, a abrir e fechar filtros, ou a fazer modelações métricas a imitar o swing das drum machines em vez de estarmos a respeitar a tradição da improvisação melódica do saxofone ou de um trompete?

[DK] Estamos a pegar na abordagem da improvisação na mesma, não é?

[JN] Só que a transpô-la para outros parâmetros.

[TM] A estrutura… Ainda agora, antes de virmos para aqui, estive a partir a cabeça com uma partitura que a Débora e o João estiveram a compor. Em termos de abordagem musical, não há diferença nenhuma entre tu receberes uma partitura de um tema complexo, de fusão, e uma de…

O que é que vocês entendem por partitura?

[DK] Está mesmo tudo escrito, porque se não estiver escrito não se percebe.

[JN] Eu acho que também íamos lá pela cena auditiva. Aquilo pode ser complexo, mas ao mesmo tempo não é. A complexidade pode ser mascarada para que soe a algo simples. Podes ouvir aquilo e estar a curtir sem ser preciso pensar que é uma coisa bué complexa. Nós procuramos um bocado isso, o fazer algo que esteja um bocadinho nos dois campos.

Há um programa definido? No sentido em que: “Para este projecto, as referências são esta, esta e esta”? Vocês pensaram num território específico para explorar neste projecto?

[DK] Sim. Inicialmente, se calhar não. Mas foi-se definindo com o passar do tempo.

Falem-me um bocadinho desse mapa então.

[DK] Para mim, uma grande referência é o Mark Guiliana. O BEAT MUSIC! dele e a banda que eles formaram para fazer aquele álbum do Bowie, o Blackstar

[TM] Essa é a banda do Donny McCaslin. Eu acho que todos vamos buscar referências no seu instrumento. Eu sou mega fã de Tim Lefebvre.

[DK] Uma referência de agora é DOMi & JD BECK. Curto bué. O Mané Fernandes com o Enter the sQUIGG.

[TM] Eu acho que era engraçado falar disso, porque ainda agora estive a sofrer com essa influência do Mané [risos].

[DK] Pois é [risos]. Eu e o João decidimos ir ter aulas de ritmo com o Mané, há uns tempos, e isso abriu imenso os horizontes.

[JN] Influenciou claramente as últimas composições.

É muito curioso — e um bom sinal, acho eu — que vocês nesse conjunto de referências já arranjem espaço para referências portuguesas para essa modernidade. O Mané é, sem dúvida…

[TM] O Mané tem essa relevância. Ele não é o exemplo português parecido com não sei quem. Não. Ele tem o seu próprio espaço, a sua estética.

[DK] Para mim, o Enter the sQUIGG foi groundbreaking.

Numa perspectiva mais micro, já falámos da forma como vocês entendem o vosso som. Mas numa perspectiva mais macro, como é que vocês se vêem no conjunto da cena portuguesa?

[TM] Acho que andamos a tentar furar, a tentar tocar o máximo possível.

Mas vêem-se como habitantes solitários de um território, ou admitem que há outros músicos a fazer algo tangente ao que vocês propõem?

[TM] Há o caso dos whosputo, que acho que estão na mesma onda. Até a Lana Gasparøtti. A Margarida Campelo, mas se calhar numa estética mais de canção.

[DK] Os Yakuza.

[TM] Somos todos amigos. Já participámos nos projectos uns dos outros, ou já substituímos alguém num instrumento… É um bocadinho por aí.

[JN] Todos os projectos que dissemos, no fundo, são parecidos. Têm influências parecidas com as nossas, mas cada um tem a sua própria personalidade. Somos uma espécie de família.

E não sentem uma certa resistência da intelligentsia jazz em relação a esses nomes que vocês citaram agora?

[DK] Completamente. Lembro-me dos Loosense, que chegaram a lançar um disco super bem feito mas que não foi bem aceite.

[TM] Eles estão mais encostados à estética de Snarky Puppy, mas com uma voz própria. Agora lembrei-me também do que disse há um bocadinho, de as coisas no norte serem entendidas de outra maneira. Tu notas notas isso pelo pessoal da Jazzego, os Bardino… Vê-se que há ali um respeito diferente, mesmo apesar de continuar a ser um nicho. Parece que há ali uma ligação maior ao jazz mais institucional, da Porta-Jazz ou da universidade, seja o que for. Aqui há uma separação mais clara.

Se tiverem de inventar um nome para a vossa música ou se tivesse de a arrumar numa gaveta, qual seria?

[DK] É jazz com electrónica. Jazztrónica. Já vi essa palavra em alguns sítios.

[TM] É difícil. Eu odeio dizer que isto é jazz fusão. O jazz fusão tem logo uma conotação daquela era muito específica, uma fusão mais rock.

Em relação ao concerto que vocês vão dar na Collect: que tipo de repertório é que vocês levam para o palco? Se é que levam algum, porque não sei até que ponto é que a improvisação livre e espontânea faz parte do vosso alinhamento.

[DK] Vamos tocar os temas do EP que já temos vindo a tocar. Mas também levamos musica nova, que eventualmente iremos gravar.

[TM] Acho que engloba tudo. Coisas mais estruturadas e improvisações um bocadinho mais soltas.

Levam algum convidado para cima do palco?

[TM] Para já não. Ainda não pensámos nisso.

[DK] Mas era uma boa ideia pensar nisso [risos].


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