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Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça. Por dentro e por fora.
[Ace] “Todos Tortos” feat. Presto
Quem cresceu a ouvir, em tempo real ou a posteriori, o célebre trio Mind da Gap não deixará de sentir um amargo de boca ao ver apenas dois terços do grupo reunidos. Mas a história assim ditou esse final infeliz, e brindemos ao que ficou feito. Brindemos com Ace e Presto, pois claro. É esse o mote de “Todos Tortos”, faixa extraída de Biografia de uma Consciência, assinada por Brando — consciência essa que visivelmente tem muito por contar.
[Zara G] “Marselha”
Depois de carimbar mais uma quota-parte de peso no álbum-não-álbum editado pelos Wet Bed Gang no início do ano, Zara G tem agora uma palavra a dizer a solo nas contas de 2023. “Marselha” assinala uma mudança de casa — ele que, recentemente, assinou em nome próprio pela Virgin Music Portugal —, mas Lisandro parece continuar o mesmo: uma escrita que não lembra a ninguém (no melhor dos sentidos, atenção) prevalece como argumento decisivo na aferição do valor desta rockstar da Vialonga.
[Sandrini] “Cartier”
Desde o início dividiu opiniões, mas a verdade é que os primeiros lançamentos se tornaram em grandes sucessos para quem ainda estava a dar os primeiros passos. Goste-se ou não, há uma identidade bem definida no registo de Sandrini, que não se prende em réplicas quadradas da estética drill. Os últimos singles têm demonstrado, até, uma maturação artística assinalável, mas agora a proposta é outra: Efeito Drini é o seu primeiro trabalho mais estruturado, um EP de sete faixas editado pela Make More Music de Mizzy Miles, em que o rapper do Barreiro explora novas abordagens no seu reportório — e em que “Cartier”, melodicamente, se revela uma das mais bem-conseguidas.
[Ícaro SDR] “Chama-me pelo nome”
Chamem-lhe nomes, mas só dos bons. E fixem aquele pelo qual o visado responde artisticamente: Ícaro SDR. Para que, mais tarde, como vimos com tantos outros acontecer, poderem dizer que este foi um segredo vosso. Não que haja prazer no egoísmo de se ser o “único” que conhece este ou aquele artista. Na verdade, até é precisamente o contrário: quando este ou aquele chegam, finalmente, a mais gente, fica um sentimento de missão cumprida — designadamente a de os empurrar, por pouco que seja, para um ou mais degraus acima. Para que mais gente lhes reconheça o nome.
[L-ALI] “Chapéu”
Já é velho o paralelo entre o rap e a stand up comedy: desde as punchlines ao egotrip, passando pela presença isolada em palco. Mas há nuances que não são equiparáveis, antes pelo contrário. Enquanto, no caso de L-ALI, matar o beat a Lunn é o maior dos elogios que se lhe pode fazer, se for Dave Chapelle a matar o próprio bit a coisa já não é tão linear em termos de conotação. O chapéu de uns não serve a outros. Agora, que enfie Hélder a carapuça quando o acusamos de violentar instrumentais ao parceiro Manuel. Parceiro ou cúmplice? É que, aqui, a “vítima” deste genocídio de batidas tem sido, na verdade, quem faz sucessivamente a cama ao próprio autor do crime.
[Pestana x Farrusco] “Comboio”
Mais uma moedinha, mais uma voltinha no “Comboio” de Farrusco, que aparece aqui à boleia de Pestana, com bilhete de ida carimbado por saraiva — válido a partir da sua Zona Recs e até onde estes carris levarem esta comitiva. “Espera com coragem, todos vamos ter de fazer essa viagem.” Por cá, já embarcámos há muito.
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)
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