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Fotografia: Paradigm Disc
Publicado a: 25/03/2022

Techno, house, hauntology e outras ondas.

Oficina Radiofónica Série II | #9: DJ Nigga Fox / XEXA / PT MUSIK

Fotografia: Paradigm Disc
Publicado a: 25/03/2022

Oficina Radiofónica é a coluna de crítica de música electrónica do Rimas e Batidas. Música Electrónica? Sim. Techno e footwork, house e hauntology, cenas experimentais, ambientais, electro clássico e moderno, drum n’ bass e dubstep, dub e o que mais possa ser feito com sintetizadores e caixas de ritmos, computadores e osciladores e samplers e sequenciadores e outras máquinas que façam “bleep”, “zoing”, “boom” e “tshack”.



[DJ Ni**a Fox] Música da Terra / Príncipe

Ao colocar asteriscos no nome do autor de Cartas Na Manga quando abordou esta sua última edição, a revista britânica Wire problematizou o olhar da crítica dominada por homens brancos, ainda que a autora da coluna Critical Beats, Yewande Adeniran, em que o novo EP Música da Terra foi abordado, seja uma mulher negra. No Rimas e Batidas, como de resto na Wire, sempre grafámos o nome de Ni**a Fox sem asteriscos, mas, quanto mais não seja simbolicamente, usá-los agora equivale a assumir que o nosso é um olhar exterior, incontornavelmente acessório, e que a nossa postura de aliados não poderá fazer esquecer que esta é uma cultura muito particular e que nenhum pensamento crítico formulado a partir da nossa perspectiva alguma vez seja capaz de completamente lhe fazer justiça. Falta-nos a experiência que sustenta a urgência e a ampla imaginação que um objecto artístico como Música da Terra encerra. Ainda assim, aqui vai.

Música da Terra sucede a Cartas na Manga que já data de 2019 e nele pode ler-se o derradeiro escape à forçada pausa pandémica. E porque não há tempo a perder, “Madeso”, o primeiro de quatro temas de que se faz este EP, entra imediatamente em derrapagem, como se estivéssemos a escutar a banda sonora de um vídeo com loops de drift racing (na verdade, experimentem ouvir o tema enquanto visionam este clipe com o mute activado, claro): música frenética, feita de um pulsar abrasador e de sons metálicos, cortados, colocados em reverse e por isso mesmo de absoluto efeito hipnótico. E se a cadência (ou a mudança na caixa de velocidades do carro) baixa para “Gás Natural”, tétris aural em que todas as múltiplas peças rítmicas se encaixam com elegância e com efeitos imersivos plenos, já no lado B, quando entra “Sanzaleiro”, tema em que DJ Firmeza também surge creditado, a pressão volta a aumentar, com um regresso a terreno kudurado que nos submerge com a força de um rolo compressor enquanto os metais arrancados ao soft synth colidem como corpos num mosh pit. O tema final, “Sasuke”, arranca planante, com ecos de electro-techno, para conduzir a afrorave até à estratosfera. Tudo incrível aqui. Como sempre.



[XEXA] Calendário Sonoro 2021 / Ed. de autor

Em entrevista concedida a Alexandre Ribeiro, Xexa já detalha o seu percurso até este Calendário Sonoro 2021, objecto artístico descrito nas notas de apresentação no Bandcamp como uma mixtape composta por faixas “produzidas a cada novo ciclo lunar” durante 2021. O rótulo que aqui justamente se reclama é o de afrofuturismo e na já mencionada conversa, XEXA deixa claro como se enquadra com esse revolucionário conceito: 

“Só no Verão do ano passado é que eu vi que era afrofuturismo. Faz sentido. Pelo menos a pesquisa que eu estou a fazer agora tem toda a cena da cultura africana, da revolução colonial dos anos 50, 60, 70 e de nós à procura de algo mais… da nossa voz e identidade. Sem os estigmas, mas com a cultura. 

Pelo menos o que eu sei do afrofuturismo dos anos 60, 70, do Sun Ra, tinha também muito a ver com o cerne e as bases fundamentais da libertação da cultura africana. Ele via-nos no futuro. Durante séculos, principalmente nos Estados Unidos [da América], a comunidade africana não tinha futuro. Portanto, eu acho que entendo essa cena do afrofuturismo por parte dele.

Afrofuturismo para mim, agora, tem mais a ver com… o afro tem a parte da cultura, o tradicional, e o que é que eu oiço para transformar e depois o futuro é a tecnologia que nós temos e como é que nós fazemos desenvolver a cultura africana [com isso]”. 

Calendário Sonoro entra, directamente, para a lista dos trabalhos que vão marcar 2022: trata-se de um álbum (mixtape, conjunto de exercícios exploratórios, mostra de capacidades, antologia íntima… chame-se-lhe o que se quiser) de extraordinárias visões, psicadélico no sentido em que se opera no sound design uma clara deslocação do espaço e do tempo através dos efeitos, abstracto porque ainda que muitos dos títulos sejam de natureza bem concreta – “Som das Tuas Palavras”, “Warm Print”, “Sirene”, “Sensação Molecular” – os difusos e fluídos arranjos apontam para terrenos interiores imperceptíveis para quem tem com esta música uma passiva relação de ouvinte. É um disco que convida à imersão favorecida pela escuta com auscultadores e que recompensa audições sucessivas, como se fosse capaz de nos enredar mais e mais no seu diáfano manto. E se em “Dança Sónica” se pressente uma mesma dimensão coral que já marcava alguns dos momentos de MEIA RIBA KALXA (XEXA conhece bem as pessoas do círculo de Tristany, como nos explicou), há por aqui igualmente ecos da espiritualidade espacial de Arthur Russell (“Som das Tuas Palavras”, por exemplo)  e uma vertigem que é informada por aprofundados estudos académicos (o nome do violoncelista ou os de Eliane Radigue e Pauline Oliveros pontuam o seu discurso) e manifestada nos momentos mais espectrais deste trabalho (“Cold Heat”). A percussão, quando existe, surge quase sempre como elemento sonoro adicional na definição do espaço, não como forma de propulsão ou de estruturação rítmica (“Sensação Molecular”), com XEXA a deixar claro que lhe interessa muito mais fazer dançar neurónios do que corpos, embora seja fácil – de olhos fechados – começar a soltar os membros quando “Warm Print” nos suspende em gravidade zero entre o chão e o tecto do quarto em que nos encontramos quando carregamos no play. Viajar no espaço nunca foi tão fácil.

Afrofuturismo, com certeza.



[PT Musik] El Mundo Oscuro / naivety

O ano passado, o produtor anteriormente conhecido como Puto Tito, assinou – já como PT Musik – Não Sou Perfeito, 7” que saiu com carimbo Príncipe. Agora, El Mundo Oscuro recebe edição da Naivety de Inês Coutinho (que assina a capa), aka Violet: são oito minutos e uns quantos segundos de dramatismo rítmico de pronunciada estirpe, oscilando entre as mais assertivas cadências pós-kuduristas (“No Fim da Noite”), afrorave com azimutes alinhados entre Detroit e Luanda (“Carbono”) e cinemáticas visões da pista de dança com desenhos melódicos maximais (“Other”). E tudo isto pautado com a imaginação própria de quem já percebeu a que soa o futuro. Que não haja dúvidas: estamos aqui perante música profundamente original que não podia estar a ser congeminada em nenhum outro lugar do mundo. 

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