pub

Ilustração: Riça
Publicado a: 28/04/2021

Techno, house, hauntology e outras ondas.

Oficina Radiofónica #59: The KLF / DJ Nigga Fox

Ilustração: Riça
Publicado a: 28/04/2021

Oficina Radiofónica é a coluna de crítica de música electrónica do Rimas e Batidas. Música Electrónica? Sim. Techno e footwork, house e hauntology, cenas experimentais, ambientais, electro clássico e moderno, drum n’ bass e dubstep, dub e o que mais possa ser feito com sintetizadores e caixas de ritmos, computadores e osciladores e samplers e sequenciadores e outras máquinas que façam “bleep”, “zoing”, “boom” e “tshack”.



[The KLF] The White Room (Director’s Cut) / The KLF

A hiperactividade recente de Jimmy Cauty e Bill Drummond, os cérebros do projecto The KLF, poderá muito bem revelar ser um dos mais importantes factos artísticos de 2021. Quando apenas estamos à beira de cumprir o primeiro terço do calendário, a dupla já lançou dois volumes de Solid State Logik, uma espécie de best-of em que reúnem material originalmente disperso por singles de 7 e 12 polegadas, respectivamente, reinventou o clássico Chill Out como Come Down Dawn (que recebeu atenção crítica aqui no ReB) e agora acabam de disponibilizar a Director’s Cut do igualmente clássico The White Room, derradeiro álbum com marca KLF originalmente lançado em 1991.

Como os De La Soul, Art of Noise ou Public Enemy antes deles, também os KLF usaram a música como uma espécie de teste aos limites legais do direito de autor, com cada uma das suas peças mais apoiadas no sampling a assumir-se quase como calculada afronta aos poderes instituídos: forçados a retirar discos de circulação devido a ameaças de acções legais por parte de detentores de direitos, o grupo via-se obrigado a contornar todas essas labirínticas questões jurídicas com diferentes versões para vários dos temas que iam sendo espalhadas em singles de 7 e 12 polegadas ou em prensagens pensadas consoante a “margem” do Oceano Atlântico a que se destinassem.

Toda esta actividade digital recente por parte de Cauty e Drummond traduz, portanto, uma vontade de reclamar um lugar nesta idade do streaming, já que até aqui a sua música se encontrava arredada destas plataformas, pelo menos de forma consistente e legal.

Há diferenças entre esta “remontagem de realizador” e a versão original do álbum que tinha aquela icónica capa com as duas colunas posicionadas em forma de T. O alinhamento é diferente, para começar, e percebe-se que a música foi reequacionada, muito provavelmente para fugir a eventuais problemas legais. O que originalmente tinha o charme “datado” da colagem (a tecnologia era diferente…) agora parece soar mais “fluído”, como se a dupla tivesse logrado disfarçar as “costuras” sonoras que mantinham os diferentes elementos ligados, mas tal deve-se “apenas” à remasterização, mais do que a nova ida do material à mesa de mistura (provavelmente nem resistem quaisquer multipistas…).

A nova versão do álbum abre com “Go To Sleep”, tema que até aqui só se conhecia do alinhamento de alguns “bootlegs”. O mesmo sucede com “Madrugada Eterna – Club Mix”, peça originalmente conhecida de alguns test pressings de 1990 e que soa a cruzamento baleárico de música havaiana com italo disco ou algo que o valha. Bom!

Neste alinhamento, “Last Train to Trancentral” (aqui subnomeado “da Force, Over & Out”…) sobrevive mais ou menos intacto, mas há clássicos que desapareceram, pelo menos tal como os conhecíamos, como por exemplo “3 a.m. Eternal (Live at the S.S.L.)” e “What Time is Love? (Lp Mix)”. O lado B do álbum original resiste, mais ou menos: retém-se “Build a Fire” (mais Hawaii por via de Angelo Badalamenti…); “The White Room” (com o toaster Black Steel em grande evidência a personalizar a ligação à tradição de soundsystems jamaicanos) perde aqui cerca de um minuto e meio; ao passo que “No More Tears” resiste com todos os seus gloriosos 9 minutos e 20 segundos, uma vez mais com Black Steel a brilhar de forma plena. No alinhamento do novo Director’s Cut, antes da última faixa, surge mais uma preciosidade dos arquivos, o tema “The Lover’s Side”, outro pedaço de algodão doce aural com cadência de rave, mas que se serve também de um trompete de tonalidades latinas e de um tom meio gospel para merecer a marca KLF. O álbum fecha, tal como acontecia na versão original, com a incrível “Justified and Ancient”, não a versão que chegaria aos tops com massiva força muito graças a uma inesperada aliança com a veterana do country Tammy Wynette – “they called me up in Tennessee/ They said, ‘Tammy, stand by the JAMS/ But if you don’t like what they’re going to do/ You better no stop them, ‘cause they’re coming through” – mas antes a versão mais primitiva, “apenas” com o toaster Black Steel. Uma preciosa jóia electrónica em que se explica que eles são “justified and ancient” e que, pois claro, adoram “to roam the land”. Isso é que seria incrível: encontra-los a encabeçar um qualquer grande festival em 2022… Posso sugerir o Boom?…



[DJ Nigga Fox] Live Nigginha Fox / Príncipe Discos

Expandir a visão do que consiste uma apresentação pública de um DJ esbatendo as fronteiras entre o que significa “tocar” (no sentido que lhe é atribuído no universo do DJing) e “compor”, “misturar temas” e “arranjar fragmentos dispersos em novas peças” foi o objectivo a que DJ Nigga Fox se propôs, logrando apresentar esse repensar da sua actividade num showcase no jardim da Galeria Quadrum e numa data no Lux Frágil, segundo nos indicam as notas de lançamento deste Live Nigginha Fox e, em parte, a nossa própria memória (o Vasco Completo esteve lá, sentado, a escutar com atenção).

Os padrões colapsantes dos ritmos de Nigga Fox continuam tão fascinantes como sempre e escutá-los assim, de forma concentrada, sem o abandono físico a que uma pista convida, equivale a ver um jogo clássico de Asteroids, com peças que se vão cruzando no espaço sónico antes de coliderem e se fragmentarem noutros elementos, numa hipnótica e constantemente renovada aventura de polirritmias. Uma suite electrónica para o clube que se abre na nossa cabeça quando se carrega no play. Pesado. Fundo. E viciante.

Este trabalho foi disponibilizado numa limitada edição em cassete e encontra-se igualmente ao alcance de um clique no Bandcamp oficial da editora lisboeta Príncipe.

pub

Últimos da categoria: Oficina Radiofónica

RBTV

Últimos artigos