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Ilustração: Riça
Publicado a: 10/03/2021

Techno, house, hauntology e outras ondas.

Oficina Radiofónica #54: Soul Jazz Records / Sam Gendel / Rabu Mazda

Ilustração: Riça
Publicado a: 10/03/2021

Oficina Radiofónica é a coluna de crítica de música electrónica do Rimas e Batidas. Música Electrónica? Sim. Techno e footwork, house e hauntology, cenas experimentais, ambientais, electro clássico e moderno, drum n’ bass e dubstep, dub e o que mais possa ser feito com sintetizadores e caixas de ritmos, computadores e osciladores e samplers e sequenciadores e outras máquinas que façam “bleep”, “zoing”, “boom” e “tshack”.



[Vários Artistas] Two Synths, A Guitar (And) A Drum Machine – Post Punk Dance / Soul Jazz Records

Com Two Synths, A Guitar (And) A Drum Machine, a Soul Jazz de Stuart Baker inaugura uma nova série de compilações designada Post Punk Dance. Como outras séries da casa — e New York Noiseou Punk 45 são exemplos possíveis –, esta também nasce com uma antologia que serve de molde e manifesto orientador para futuras edições: este primeiro volume foca-se em projectos contemporâneos, de diferentes origens geográficas (Portugal está representado com os Niagara), e com múltiplas abordagens à sonoridade que se impôs a partir do ponto de confluência da no wave nova-iorquina, das experiências de cruzamento da urgência do punk com a sinuosidade do funk e, pois claro, das derivas “industriais” que na Inglaterra dos Joy Division ou Cabaret Voltaire também criaram descendência. A esses dois pólos gravitacionais importantes, a Soul Jazz acrescenta ainda a mais remota influência da cadência motorik desenhada por bandas alemãs dos anos 70 como Can ou Neu! E isso significa alinhar música de Zongamin, Vex Ruffin (com o veterano da cena hip hop de Nova Iorque Fab Five Freddy), Leroy Duncann (ligado aos Pokus), Tom of England, Madmadmad ou os já citados Niagara. Revelando estudo atento e profundo do trabalho de bandas como as ESG, Bush Tetras, Suicide, Talking Heads, Liquid Liquid, 400 Blows ou A Certain Ratio, para lá dos exemplos lá atrás mencionados, estes grupos misturam o pulsar do disco sound, a agressividade e urgência do punk, uma vincada atitude experimental que se espelha na exploração obtusa das ferramentas electrónicas e do próprio estúdio – com o dub a oferecer importantes coordenadas neste departamento — para criarem uma música que é livre, transgressora, excitante, sexy e desafiante para qualquer par de ouvidos que sinta desconforto quando sente estar a receber sinais que parecem ser emitidos a partir de terrenos inóspitos e ainda pouco explorados. É nessas zonas cinzentas – entre géneros, entre geografias, entre épocas, entre práticas… – que muitas vezes se conjuram as mais interessantes ideias musicais. Escute-se atentamente “Tocar” dos alemães Toresch para se perceber isso mesmo. Mais uma série Soul Jazz para seguir atentamente, pois claro.



[Sam Gendel] Fresh Bread / Leaving Records

Esta é uma edição especial, uma antilogia curada pelo saxofonista e produtor Sam Gendel que resulta, certamente, da introspecção e da inactividade forçadas pela pandemia. Como indicam as (parcas) notas de lançamento, Fresh Bread viu primeiramente a luz do dia através de um tão discretamente lançado quanto, de forma igualmente silenciosa, pouco depois eliminado site através do qual se revelaram estas 52 (!!!) faixas compiladas a partir dos seus arquivos pessoais: gravações caseiras, registos ao vivo, restos de sessões de trabalhos anteriores, desenhando um percurso alternativo para o autor de Satin Doll trilhado entre 2012 e 2020. Este material, maioritariamente solo, regista alguns encontros pontuais com cúmplices e aliados como Carlos Niño, Jamire Williams, Daniel Aged, Gabe Noel e Philippe Melanson. De recorte sobretudo electrónico, o som que aqui se exibe é exploratório no mais agudo sentido da palavra: boa parte das peças parece ter um arranque definido, mas um desenvolvimento incerto, uma marca do espírito improvisador do autor, certamente, que também se manifesta no seu saxofonismo oblíquo — quando surge em cena, o seu saxofone está quase sempre profundamente tratado através de efeitos, manipulado eectronicamente, transformado numa entidade sonora híbrida, mutante. Mas isso permite-lhe realçar uma veia melódica profundamente original, capaz de acomodar a atonalidade para logo de seguida desenhar o mais suave dos contornos melódicos que quase poderia servir um qualquer tema r&b capaz de passear nos tops. Essa é outra das marcas da arte de Sam Gendel: uma permanente recusa em deter-se apenas num território e uma capacidade de atravessar margens e fronteiras com uma elegância desarmante. Disponível como lançamento digital no Bandcamp e como tripla cassete, mas também numa versão mais contida de apenas 20 faixas impressas em vinil, este Fresh Bread faz, de facto, jus ao título: quem já fez pão sabe muito bem que por mais que se conheçam os ingredientes, por mais que se domine a arte de amassar, por mais paciência e respeito que se tenha pela levedura, quando se abre o forno para retirar o que lá se colocou renova-se sempre a surpresa quando se absorvem os aromas, se olha para a forma resultante da cozedura, se experimenta tocar no pão e, finalmente, se prova o produto acabado. É assim a música de Sam Gendel, uma surpresa permanentemente renovada, plena de recompensas para os nossos ansiosos sentidos.



[Rabu Mazda] Tá Sempre Pegando Fogo / Discos Extendes

Em entrevista concedida a Vasco Completo e disponível aqui mesmo no Rimas e Batidas, Leonardo Bindilatti, o prolífico agente provocador da Cafetra que se divide (multiplica?…) por vários projectos, revela que este novo EP, Tá Sempre Pegando Fogo, é uma espécie de reverso da medalha que começou por mostrar numa edição da 40%FodaManeiríssimo, o ep Todo o Mundo Sabe. A propósito desse anterior trabalho escrevi que “a música de Rabu Mazda não se detém numa fórmula e procura no cruzamento de referências, pulsares e ideias uma nova urgência para as pistas”. Pode garantir-se que esse enunciado conceptual se mantém e talvez até se reforce no trabalho agora dado à estampa por um selo do lado de cá do Atlântico, a Discos Extendes. Com reforço no carácter caleidoscópico do “empilhamento” de samples, a música aqui proposta para os clubes da nossa imaginação (quem diria que dançar se tornaria utopia, desejo inalcançável, acto de resistência?…) extende-se (lá está…) entre a sugestão clássica de 4 por 4 do house e as mais nervosos cadências que derivam do kuduro continuum apresentando-se como um som denso que resulta igualmente entusiasmante num bom par de auscultadores ou num sistema voltado para uma pista (esta parte já é, por razões que podem compreender, adivinhação, mas garanto que esta música se expressa com vigor quando puxo pelo volume das minhas Kef floor standing!).

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