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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/03/2021

Deixem arder.

Rabu Mazda: “Não há razão para não acabar músicas por inseguranças. Não vai ser uma música que vai definir o meu trabalho”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/03/2021

Leonardo Bindilatti, o prolífico músico, volta a lançar a solo como Rabu Mazda, desta vez pela portuguesa Discos Extendes. Tá Sempre Pegando Fogo sucede a Todo Mundo Sabe na sua particular e excêntrica pesquisa sónica.

Rabu Mazda é o nome que constitui a visão mais pessoal de Bindilatti, que, além de criar a solo, está por trás de muita produção da Cafetra, trabalha com Van Ayres e faz parte de Iguanas ou Putas Bêbadas. Essa variedade informa toda a experiência de composição do produtor, embora não seja sentida (pelo menos de forma óbvia) em Tá Sempre Pegando Fogo, que saúda uma pista de dança, tanto alternativa e complexa, ainda explorando os recantos da computer music (“Sonho Weird”); como sonhadora e emocionante (“Bom Feitio”), mas também celebratória e descendente de texturas e síncopas de funk brasileiro (“Mago Mazda”).

Depois de um (também) ecléctico e inovador Todo Mundo Sabe, EP lançado em Maio passado, temos neste projecto uma primeira sensação de que a música procura menos o sampling, e que a electrónica – entre o house e a tal computer music – é mais predominante. Numa conversa com Leonardo, pudemos perceber que isso não é verdade: o sampling mantém-se central neste segundo EP. E não podia deixar de ser. Os dois EPs lançados até agora podiam ter coexistido num álbum, mas este acabou por se dividir, encontrando assim em cada um dos registos uma audição mais coesa, para uma melhor digestão.

Deste modo, vemos hoje nascer Tá Sempre Pegando Fogo, uma chama que arde e se deixa arder. Há um álbum na calha pela Cafetra que promete um Rabu Mazda mais orientado para a canção, mas até lá, há um novo EP em vinil, editado pela Discos Extendes.



Quando “tá sempre pegando fogo”, deixas arder ou apagas a chama?

Deixo arder, óbvio.

Curiosamente (ou não), este disco parece mais voltado para a pista de dança que o anterior, o Todo Mundo Sabe – que embora também fosse dançável, era um trabalho que também podia ser usufruído em casa. Qual foi a abordagem para este mais festivo Tá Sempre Pegando Fogo?

Na verdade o Todo Mundo Sabe e este Tá Sempre Pegando Fogo eram para terem sido um álbum, que acabou por se transformar em dois EPs. Quando estava à procura de editoras, enviava o conjunto de músicas destes dois EPs e por acaso a 40%Foda/Maneirissimo e a Discos Extendes responderam-me quase ao mesmo tempo. Na altura achei que fazia sentido repartir as músicas, porque assim podia lançar música pelas duas editoras e também porque senti que o disco estava um pouco disperso para ser editado como um álbum. Estas músicas foram sendo feitas com algum tempo de diferença entre si e fizeram mais sentido agrupadas assim em dois EPs. Para o Todo Mundo Sabe, escolhi as que achei que faziam mais sentido para a 40% e para o Tá Sempre Pegando Fogo as que faziam mais sentido para o universo da Extendes.

Imagino que manter um tom mais celebratório em período de pandemia não tenha sido fácil – ou, se calhar, as saudades da pista de dança levaram a esse mesmo saudosismo pela festa… Conta-nos como se dá o teu processo criativo e como construíste este novo EP. És de começar um novo projecto com “uma folha branca”, ou vais trabalhando em instrumentais ao longo do tempo e compilas os que encaixam melhor?

Acho que acabei por responder a isso na pergunta anterior, mas tudo se resume a fazer música de que gosto e que queira ouvir mais tarde. Para este EP fui trabalhando em músicas e depois compilei-as, e por acaso foram todas feitas antes da pandemia. Mas posso dizer que a pandemia não influenciou a maneira como faço música enquanto Rabu Mazda, porque sempre fiz música isolado e esse processo tem a ver com o que ando a ouvir na altura e para onde me leva a música que estou a fazer naquele momento. Na altura que fiz estas faixas estava a experimentar com estilos de música de dança de que gosto para fazer música que fosse nova para mim. 

Além desta diferença de espírito entre os dois trabalhos, podemos notar que Todo Mundo Sabe é mais carregado de samples que este. Concordas?

Não sei se concordo, por exemplo a “Mago Mazda” é toda construída à base de samples de vozes e breaks e é talvez a minha música com mais colagem de samples. E mesmo a “Bom Feitio” e a “Sonho Weird” têm alguns. 

Como se deu a relação com a Discos Extendes e qual foi a influência da editora para Tá Sempre Pegando Fogo?

Para além de eles terem editado os discos de Sabre e Luar Domatrix, que também são meus amigos, para mim faz todo o sentido pertencer e contribuir para uma editora que faz as coisas entre amigos porque gostam e acreditam naquilo que fazem. 

Eu já sou amigo do Sebastião (Lieben) há alguns anos e acabei por conhecer o Diogo, o João (Smuggla) e o Gonçalo (Terzi) mais tarde, mas sempre curti a cena da Extended / Extendes. Eles sempre tiveram uma ligação forte à música de dança e enquanto eu vivi a minha adolescência a fazer música com os meus amigos na Cafetra, eles viveram a deles a passar música entre amigos na Extended. Lembro-me, por volta de 2012, de ir a uma festa ao fim da tarde num sítio que já não me lembro do nome, na Rua da Madalena, e estava o Lieben, o Terzi e o Smuggla a passar som. Não estava muita gente, mas lembro-me que eles estavam a bombar e a curtir bué de estar ali a passar som. É sempre fixe quando se tem contacto directo com as pessoas e quando lhes enviei o disco houve um grande entusiasmo na resposta deles, o que me deixou também entusiasmado por serem eles a editar este disco.

Quando o Rui Miguel Abreu te entrevistou no ano passado, nomeaste muitas referências musicais com que te identificas e com quem ombreias em Portugal. Desde então, o que tens ouvido? Há alguma nova influência sentida neste álbum?

Acho que não. Como disse, estas músicas foram feitas mais ou menos na mesma altura que as do Todo Mundo Sabe. Mas, claro, vou sempre ouvindo e descobrindo coisas novas e acho que passa muito pelo que disse na altura dessa entrevista com o Rui: há muita música a ser feita cá que ainda não chegou à maior parte das pessoas e seria bom que as rádios mais convencionais começassem a mudar um pouco as playlists para darem voz a toda esta música nova a ser feita por cá.

Sentes uma grande diferença entre trabalhar a solo e criar como parte de Iguanas ou Putas Bêbadas? Poderíamos dizer que tomaste o gosto por esta criação mais individualista, dado que no espaço de cerca de nove meses lançaste dois discos sob este pseudónimo artístico?

Sim, é bastante diferente porque quando estou sozinho tenho que ser mais objectivo e tomar decisões e tentar não me preocupar muito com elas, porque há muitas possibilidades — é fácil perder-me e ficar bloqueado. Na minha cabeça dá sempre para [melhorar] alguma coisa na música em que estou a trabalhar, mas eu já percebi que isso é uma ilusão. Agora, quando faço música sozinho, tento não pensar tanto e, se me soa bem, ando para a frente. Estive muito tempo com imensas músicas paradas porque achava que podiam ficar melhores. Depois ia passando o tempo e acabava por nunca lançar nada. Mas acho que consegui passar essa fase, porque não vou parar de fazer música tão cedo. Percebi que não há razões para não acabar músicas por inseguranças. Não vai ser uma música que vai definir o  meu trabalho.

Ainda sobre isso, como sentes que os teus projectos enquanto produtor (para outros projectos) ou em banda influenciaram na tua forma de compor a solo?

Eu gosto de ver como cada pessoa expõe as suas ideias na música, algumas vão de encontro àquilo a que eu estou habituado e outras não, mas de alguma maneira as coisas acabam por fazer sentido se forem feitas com honestidade. Aprendi muito com isso. Eu não tenho medo de experimentar e sugerir ideias quando estou a produzir os meus projectos ou dos outros e sempre fiz isso naturalmente. Para além disso, acho que tocar em várias bandas influenciou a forma como estruturo as minhas músicas e como as preencho. Costumo estruturá-las como se fossem uma canção e tento seguir essa linha de raciocínio, mesmo que depois acabe por desconstruir isso.

Como foi encaixar o remix do Silvestre no EP? E porquê o Silvestre?

Na verdade foi sugestão do Diogo da Extendes, e eu achei boa ideia. Eu gosto da música que o Silvestre faz, ela tem um lado positivo e descomplexado que eu curto e acho diferente — quando ouço as músicas dele sinto que ele não se leva demasiado a sério e isso é fixe de se sentir, principalmente neste tipo de música. Acho que o remix que ele fez para a ”Fumo no Olho”, para além de ter o mood oposto da minha, encaixou mesmo bem no disco porque trouxe aquela música mais pesada que faltava.

No meio de tantos projectos em que trabalhas, colaboras ou produzes, imaginamos que é difícil mapear o resto do teu 2021, mas o que está no teu calendário de que nos podes contar?

Como Rabu Mazda estou a acabar um álbum que vai sair por volta de Outubro/Novembro pela Cafetra e vai ser um pouco diferente destes últimos dois, mas posso adiantar que vai ser um disco de canções, de certa forma. Também estou a trabalhar com Putas Bêbadas no novo disco e se tudo correr bem vamos lançar o disco no final do ano. Para além disso há novidades da Cafetra, há alguns discos que vão sair brevemente e estamos a preparar umas coisas que não posso falar muito para já, mas espero que dê para dar concertos este ano.


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