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Ilustração: Riça
Publicado a: 27/03/2020

Techno, house, hauntology e outras ondas.

Oficina Radiofónica #16: DJ Lycox / Drumming GP, Joana Gama & Luís Fernandes / PEDRO

Ilustração: Riça
Publicado a: 27/03/2020
A Oficina Radiofónica é a coluna de crítica de música electrónica do Rimas e Batidas. Música Electrónica? Sim. Techno e footwork, house e hauntology, cenas experimentais, ambientais, electro clássico e moderno, drum n’ bass e dubstep, dub e o que mais possa ser feito com sintetizadores e caixas de ritmos, computadores e osciladores e samplers e sequenciadores e outras máquinas que façam “bleep”, “zoing”, “boom” e “tshack”.
[DJ Lycox] Kizas do Ly / Príncipe Discos A crítica a Sonhos & Pesadelos, álbum que DJ Lycox inscreveu no catálogo da Príncipe em 2017, terminava assegurando que esse trabalho representava “uma lição de sofisticação, elegância e eficácia absoluta” do que era “um exercício de imaginação ao serviço da pista de dança”. Lycox está de volta com um novo maxi que sucede a PML Beatz na expansão do catálogo da editora lisboeta em 2020. São quatro exercícios nas margens mais atarraxadas da kizomba, 9 minutos e 19 segundos de sensualidade suspensa em câmara lenta, doce geleia sonora que obriga a que nos movamos com a lentidão que o amor impõe. Na verdade, “Jam”, “Red Lights”, “Babygirl” e “Hábitos” resolvem-se como os quatro movimentos de uma delicada suite de electrónica tropical, com Lycox a evidenciar, uma vez mais, mestria nos arranjos que se dispõem em camadas de frequências significantes: percussões polirrítmicas na base, graves redondos e geridos com parcimónia, nunca subjugando o plano harmónico onde diferentes ondas de cordas sintetizadas e leads melódicos se conjugam numa dança própria. E é perfeitamente possível abandonar o corpo aos comandos da cadência dolente da percussão e do baixo enquanto a cabeça vagueia por uma dimensão superior, puxada pelas nuvens de texturas sintetizadas que sobrevoam cada um destes temas. Bomba escapista de confetti multicolor que o mundo bem precisa agora. Para ouvir em repeat.
[Drumming GP, Joana Gama & Luís Fernandes] Textures & Lines / Holuzam Joana Gama e Luís Fernandes já promoveram vários encontros, em palco e em estúdio, entre os seus instrumentos: o piano de Gama e as electrónicas de Fernandes cruzaram-se primeiramente em Quest, álbum de 2014 lançado pela Shhpuma, a mesma editora que um par de anos mais tarde lançou Harmonies, trabalho de longa duração em que à dupla se juntou o violoncelista Ricardo Jacinto; At The Still Point of The World resultou de uma encomenda da Câmara Municipal de Guimarães no âmbito do Westway Lab e colocou a música de Joana Gama e Luís Fernandes num contexto de maior amplitude orquestral – o álbum foi depois lançado pela Room40 de Lawrence English. Agora, em 2020, a pianista e o teclista voltam a encontrar-se, colocando desta vez a sua dupla visão em contacto com o colectivo de percussão Drumming, projecto criado no Porto por Miquel Bernat e que aqui conta com as prestações de João Miguel Braga Simões e João Tiago Dias, além, claro, do próprio líder. Dividido em quatro longas peças (que oscilam entre os cerca de 9 minutos e os quase 16 de duração), Textures & Lines faz plena justiça ao título exactamente por explorar essas duas ideias como forças estruturantes das composições: há longas derivas ambientais para que tanto contribuem os drones criados electronicamente por Luís Fernandes como as partículas em suspensão extraídas dos diversos instrumentos de percussão; mas também há linhas melódicas de recorte minimal executadas ao piano ou assomos de abstracta propulsão rítmica que resultam de uma perfeita conjugação de motivos sequenciados electronicamente, de subtis colorações pianísticas e de camadas percussivas (marimbas? Vibrafones? Seria interessante ter acesso a uma ficha técnica mais detalhada que esclarecesse com maior exactidão quais os instrumentos usados, tanto pelo Drumming como por Luís Fernandes). Curiosamente, “Two Poles”, a peça mais longa deste conjunto, navega por todas as nuances acima descritas, fazendo suceder momentos de intensidade rítmica (a remeter para o universo de Steve Reich), mais planantes e abstractas sequências ambientais e uma secção em que o piano de Joana Gama nos eleva com um motivo simples e circular (uma vez mais algo “reichiano”) em que nos poderíamos perfeitamente perder se se desenrolasse até ao infinito. O que é óbvio quando nos permitimos o mergulho e optamos por uma deep listening de absoluta concentração no que nos é proposto neste Textures & Lines é o quão rico é o universo sónico aqui desenhado, um sofisticado e intrincado ecossistema de sons e pulsares, de linhas e texturas, de farrapos melódicos e névoas harmónicas, de passagens de entusiasmante irrequietude e momentos de sublime tranquilidade, um oceano sonoro que umas vezes pode soar denso, profundo e opaco e outras límpido, sereno e carregado de cor, como um idílico mar tropical povoado de corais onde se abriga uma rica e policromática vida. “Floating” é tudo isso. E, no final, “Haze” é o fechar do circulo iniciado com “Choral”, a faixa de abertura, como se o álbum descrevesse um longo arco que parte das margens da quietude absoluta para dela novamente se acercar, deixando-nos os músicos com reverberações metalizadas e pingos de piano, o suficiente para se acreditar que o silêncio é afinal a ambição máxima de toda a música.
[PEDRO] Da Linha / Enchufada O kudurismo de PEDRO é verdadeiramente progressivo, no sentido de ser sustentado por uma ideia que se baseia no impulso do avanço, nunca da revisitação, do desbravar de novo terreno e não do repisar de território já mapeado. O jovem produtor da Enchufada, aliado frequente de Branko, com créditos que revelam que o seu toque particular já se fez sentir na música de gente como Dino D’Santiago, ProfJam ou Conan Osiris e Ana Moura, entre tantos outros artistas, é hoje um dos mais requisitados pela guarda avançada da pop nacional mais sintonizada com esta moderníssima batida urbana que tem afirmado Lisboa como um dos epicentros de um tremor global muito particular. Agora, Da Linha, confirma que a sofisticada ciência rítmica que PEDRO tem vindo a praticar no seu laboratório tem fôlego para se estender para lá dos bombásticos singles que tem assinado e assumir a longa-duração como tela justa e natural. Ao longo de 10 temas, incluindo bangers já conhecidos como a tremenda “Rapazes”, PEDRO reclama para a sua beira os talentos de gente como Pedro Mafama, Xcelencia, DKVPZ, Kelman Duran ou o artista nigeriano Magugu, com quem divide “Too Much”, um dos mais espantosos momentos de um álbum que, em boa verdade, parece só ter pontos altos, já que os únicos baixos que importa referir são os que fazem tremer os woofers e ondular os corpos. Chega-se a “Too Much” depois da já mencionada “Rapazes”, que nos hipnotiza com aquela flauta digital, e uma “Calores” que parece lava de tão incandescente que é: servido por uma imperial prestação de Magugu, PEDRO não perde a oportunidade criar um demolidor tema capaz de abalar pistas da Amadora a Lagos, de Bogotá a Tóquio. Muita da sua música vive de uma paradoxal economia: escutada com volume generoso num bom som sistema, esta música soa maximal, expansiva, cheia de detalhes, mas se deixarmos que ela nos preencha os ouvidos por via de auscultadores percebe-se que, afinal de contas, é estruturada com um número limitado de elementos, o que diz muito da capacidade técnica de sound design que PEDRO imprime em cada um dos seus temas, consciente que está que é no clube que se encontra o habitat natural destas suas criações laboratoriais. O produtor que reconhece no clássico “Knights of the Jaguar” de DJ Rolando uma inspiração decisiva para o lado mais melódico das suas produções exibe de facto uma ampla capacidade de nos enredar em motivos melódicos que conferem a cada um dos seus temas um claro potencial pop, como se percebe perfeitamente escutando “Terra Treme”, o sensual resultado do seu encontro com Pedro Mafama, ou, para dar apenas mais um exemplo, “Para Ti”, potencial hit de exportação para o mercado latino servido por uma fantástica prestação de Xcelencia, artista baseado em Los Angeles. Resumindo, Da Linha reúne todas as marcas de um grande trabalho: insere-se numa corrente, mas não teme reclamar a dianteira, orienta-se para a pista, mas demonstra igualmente potencial para conquistar espaço nas playlists das rádios mais solarengas, funciona nos sistemas de som mais exigentes, mas igual sentido nos auscultadores, mexe com o corpo e arrebata a cabeça. Vem da linha, mas pode ser do mundo.

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