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Publicado a: 03/06/2015

NGA & Força Suprema: “Sou filho do rap”

Publicado a: 03/06/2015

 

[FOTOS] Ricardo Miguel Vieira

 

A Força Suprema opera nas margens do hip hop nacional há mais de uma década, traçando um caminho colado às ruas como alcatrão, colocando a Linha de Sintra no mapa do rap nacional com um marco bem visível. NGA é, claro, a figura dianteira do projecto: dono de um carisma imenso, tem afirmado a sua posição no panorama contemporâneo de MCs que rimam em língua portuguesa graças a uma intensidade própria, a rimas que carregam todo o peso da realidade e até – porque não dizê-lo? – graças também à coragem de não temer explorar avenidas que poucos outros rappers estão interessados em desbravar. NGA consegue ser thug num momento e completamente inocente no outro; duro e romântico; realista e sonhador. Para este MC, no que às temáticas diz respeito, parece não haver portas fechadas, só possibilidades em aberto. E é de assinalar que há dias conquistou os prémios de Melhor Artista Masculino do Ano, Melhor Rap/Hip Hop pelo tema “Mesmo Assim” e Melhor Artista da Internet nos Angola Music Awards.

Normal”, o ultimo vídeo que disponibilizou e mostra-o em topo de forma. E mostra também a sua ambição artística com um vídeo que tem valores de produção absolutamente surpreendentes para uma operação totalmente independente. Mas, pode o ReB adiantar, NGA pode estar a preparar-se para dar um significativo salto na sua carreira uma vez que se encontra em conversações com uma editora de topo. E a Força Suprema seguirá, certamente, os seus passos.

 

Fala-nos um bocadinho deste último som que largaste no YouTube e que é uma verdadeira bomba. O que não é normal, digo eu, é não estar o planeta inteiro a abanar a cabeça com este som.

[NGA] A faixa foi inspirada nas minhas vivências e eu não vivo uma vida que considere normal e não estou à espera que toda a gente, da noite para o dia, se identifique, porque até para mim houve mudanças drásticas. Por isso é que a faixa existe, porque há tanta coisa que está igual e porque há tanta coisa que não é normal na minha [vida] e na dos meus. Então não estou à espera que, de repente, se identifiquem. Como digo no som, “talvez mais tarde”. Mas eu acredito, como artista, porque assim me considero, que a nossa arte, mais cedo ou mais tarde, será julgada ou apreciada, se calhar quando já tivermos tirado o pé. Então, talvez mais tarde entendam a mensagem.

Conta-me a história do beat, da produção. Como é que descobriste o produtor, como é que chegaste até este beat, o que é que ele te fez sentir da primeira vez que ouviste?

O som começou quando estávamos a vir da Póvoa do Varzim e estávamos a curtir umas demos nossas no carro e tinha lá um refrão do Don G [Padrinho] em que ele dizia “não sei, não sei, não sei”. E eu estava a curtir o beat, o refrão, e comecei a escrever o verso. Só que o beat com que estava a pintar o quadro era muito suave e o que senti na altura em que vivi o que escrevi na música não foi suave, então precisava que o sound, que os instrumentos, estivesse ali na mesma vibe que eu, estivesse a sofrer, digamos assim, tivesse mais intensidade, mais dor. O Prodígio é que me apresentou o puto – Juzicy – e depois ouvi o beat: os drums, o piano, os instrumentos, estavam comigo, é como se estivessem a chamar-me, senti que era para mim. O Pro[dígio] conhece-me bem, e nós todos temos essa química, e quando me disse, “ouve isso, foi tipo uma peça de roupa que vi no teu corpo, um prato que vi na tua mesa, tu vais curtir”, eu ouvi e fiquei apaixonado. Fui buscar o que estava a pensar, a vibe que começou no som do Don G tinha ali espaço para poder viajar à vontade. O puto trouxe uma cena dark. Depois quando o conheci e ouvi mais beats dele e vi que a personalidade dele era sentida nos beats – porque ele não tinha muitos beats alegres, ele morria muito -, então entendi a vibe. O puto é de Rio de Mouro, da Linha de Sintra, aqui da nossa zona, foi coincidência, porque ouvi o beat primeiro, mas foi uma coincidência boa.


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No texto que escrevemos no ReB sobre “Normal” destacámos a sua abordagem drill rap de Chicago. Tinhas isso na cabeça quando ouviste aquele beat? Tens ouvido música nessa onda?

Não especificamente, porque, nas mixtapes, uma pessoa consegue ter muita cena fora sem muita conversa. É sacar o beat na net, estás com feeling e é freestyle que sai, na maior parte das vezes. Mas em “Normal” não foi o caso. Como já tinha começado antes do sound, como já tinha uma noção, tinha algo dentro de mim que tinha de meter fora, quando ouvi aquele beat eu senti que era aquilo. Tem em comum [essa sonoridade drill rap] porque também curto rap, continuo a curtir, mas quando estou no estúdio a fazer a minha arte não penso nisso. É o que estou a sentir, quando estou a ouvir música, estou mesmo a ouvir música. Não pensei nisso especificamente, mas tem um som actual.

Eu sei que os beats não têm cor, mas estou curioso: o produtor é negro?

Sim é um puto black. Ele tem um ar pacato, ficámos todos apaixonados pelo beat e pelo puto, porque ele é quieto, não fala muito, mas quando põe play… E já produziu para fora.

Já estão a trabalhar em cima de mais beats dele?

Sim, sim. Ele produz muito, ele é muito bom.

[MASTA] Não tem como não, ele é muito bom.


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E o vosso vídeo, como é que surgiu aquela mega-produção cinematográfica?

[NGA] O vídeo foi com o Alex [Alexandre Azinheira], que agora vive no Porto, mas que também é de Lisboa e que antes trabalhara noutro vídeo – “Champanhe” – que é uma coisa mais suave. Ele precisava de uma coisa mais intensa e eu também, estávamos todos na mesma página, depois foi uma questão de criar a estrutura. Filmámos no Porto, uns três-quatro dias de filmagens, e o resto foi já com a produção e edição. Foi um trabalho intenso. Tivemos mesmo a equipa dos GOE, deram-nos uma aula de como manejar as armas…

[MASTA] Umas semanas antes fizemos mesmo uns treinos…

[NGA] Sim, nós somos de estúdio, estamos a maior parte de tempo sentados quando não estamos em tournée. Então, para ir correr e arranjar feeling para ir correr não é fácil. Mas como tínhamos aquele trabalho [do vídeo], então corremos durantes uns 15-20 dias para estar minimamente aptos, porque o vídeo pedia algum esforço físico. Mas compensou.

Foram treinar com os polícias a sério…?

Ensinaram-nos muito, foram muito pacientes connosco. Nós não temos motivos de queixa, deve ser a primeira vez que trabalho com a polícia. Se é que são polícias. Mas não vejo as fardas, vejo os homens e a experiência que nós tivemos – porque é assim que a devemos julgar – foi positiva.


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Mudando de conversa, como é que estão a correr as coisas por Angola?

Graças a deus já foi pior, as coisas estão a correr bem. Dia 6 de Junho sai o álbum do Prodígio – chama-se Prodígios, e ouvindo vão entender. Sai primeiro em Luanda, porque, nesse momento, ainda não temos estrutura para colocar à venda em diversos lugares, talvez no iTunes. Vamos tentar meter o mais rápido possível, e onde for possível, cá em Portugal. É mais ou menos isso que temos em agenda.

Prodígio, apresenta o álbum: o que é que vamos poder ouvir?

[PRODÍGIO] O álbum chama-se Prodígios, como o NGA disse. Chegou uma altura em que o NGA disse que não me via a fazer mais música depois da mixtape Pro Evolution, até antes disso, porque o Pro Evolution foi gravado mais ou menos ao mesmo tempo que o álbum. Então, enquanto pensava no que ia apelidar o álbum – já tinha seis mixtapes – comecei a reparar que havia muitos putos, não só na Linha de Sintra, como em Angola, com o meu look. Então, eu e o NGA estávamos a comungar ideias e cheguei à conclusão de que não ia lançar um álbum para mim, mas para nós, para a geração vindoura. Um miúdo de Chelas se calhar não é bem aceite em Cascais, mas ao mesmo tempo um puto de Prenda [cidade angolana] chega agora a Lisboa e, como o sotaque é pesado, nem gosta de falar porque vai ser gozado, então é para todos nós, para sabermos que é possível.


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Há uns 10-12 anos, e ainda hoje falo nisso, numa entrevista tua [NGA] na Antena 3, disseste-me uma coisa que para mim era tão óbvia mas que ainda ninguém tinha verbalizado daquela maneira: revelaste que o hip hop te salvou a vida. Sentes que através do hip hop também salvaste a vida a mais gente?

Sem dúvida, estão aqui comigo alguns exemplos. Há muitos que não cantam, por isso é que o mundo não sabe. Salvei, não tipo Jesus Cristo, mas no sentido de criar um outro caminho, há uma opção, há escolha. Não é difícil só para nós, esse pensamento de coitado não é comigo, com toda a humildade, mas é verdade, não é comigo, nunca foi. E foi nas rimas e nas batidas que fui encontrar essa [força]. Já não me sentia fraco, já não me sentia sozinho, não sei que palavras usar porque é um feeling. Mas eu hoje vivo e pago as minhas contas com a música, a renda, luz, água, os meus filhos. Eu tenho respeito por hip hop, por rap, pelas ruas, que só eu sei, porque eu sou a prova disso. Enterrei a minha mãe com o dinheiro do rap, há muitos manos por aí que se perderam e não sei como é que vai ser. Então, quer dizer que ainda temos muito que fazer, ainda não fizemos nada, ainda nem conseguimos o básico. Acredito que faz sentido eu, que sou filho de rap, ser aquele que amanhã consegue viver do rap.

Ninguém está condenado a ter apenas que trabalhar num restaurante de fast-food

Não. Não há mal nenhum, porque a minha mãe sustentou a mim e à minha irmã a limpar muito chão, mas ela fez isso para não termos de o fazer, e é essa a mensagem: é rap, é hip hop, são essas ruas, é arte, tocar as pessoas. Na minha venda do King tive pessoas com filhos, bébés, com o nome Edson NGA. O que é isso? (risos)… Tatuado no corpo, NGA, Força Suprema… Eu sei o que eles sentem porque é o que eu senti e não estou sozinho.

E por falar em tatuagens, e para terminar, qual é a tua tinta mais fresca neste momento?

Dope Boyz, são aqui os meus putos. Está ali um Dope Boy, há muitos Dope Boyz nas ruas, eu estou com vocês, young niggas que ainda são julgados pelo que parecem, mas lá dentro têm grandes diamantes. Eu estou com esse Dope Boyz, aqueles que estão mesmo na luta e que vão mudar a cena quando a gente bazar. Eu também sou um Dope Boy.

 

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