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Fotografia: _ana.2_
Publicado a: 21/12/2021

Na capela das rimas e batidas do submundo.

Natal do Marginal’21 – 18 de Dezembro: a reunião final dos desassossegados

Fotografia: _ana.2_
Publicado a: 21/12/2021

Chegámos ao fim de duas semanas intensas de hip hop. O Natal do Marginal 2021 vai ficar gravado na memória de todos, especialmente daqueles que andaram de sala em sala na busca do espírito natalício underground: deu-se palco a talento em ascensão, recuperaram-se lendas que não tencionavam voltar tão cedo, aprendeu-se muito sobre a cultura e criaram-se laços pessoais que, certamente, virão a dar frutos artísticos. Enfim, celebrou-se um modo de vida em família (mesmo que não tenha sido a de sangue).

A primeira apresentação de sábado passado esteve a cargo de Mura, que nos deu a conhecer o seu projecto para pensadores, O Álbum do Desassossego, editado este ano pela Godsize Records. Infelizmente, só conseguimos chegar à fase final do espectáculo: a corrida pelas compras de Natal paralisou o trânsito da cidade. Pelo que foi possível sondar, o MC deu um espetáculo assertivo, suportado por uma frontline de braços no ar e com a matéria bem estudada. Acompanhado por Kyra e Johny Malibz, o rapper ainda chamou ao palco o local Pibxis para “matar” o instrumental de DarkSunn em “No Mesmo Barco”. Fica o diz que disse aqui registado.

Bimdtraje, que pode ser lido como “Vim de Trás”, marcou o regresso de Berna. Durante o seu trajecto não quis depender da música para sustentar as suas prioridades, porém, no sentido contrário, isto não se aplica: devido ao impacto que as suas palavras tiveram no movimento, o rap português (principalmente o feito mais a Norte) dependerá sempre de Berna. Acompanhado por DJ Re-kall, colaborador do último trabalho, foi um retomar enérgico e cheio de surpresas às velhas lides. A performance foi sempre complementada com um discurso maduro do artista: ouvimos histórias, pontos de vista, explicações, boas piadas e homenagens a pilares importantes no seu percurso, dentro e fora da carreira musical. 

A certa altura, o artista confessou que voltou ao basquete, desporto que acabou por deixar na adolescência para se dedicar às batidas. Em pleno concerto estava preparado para lançar a sua bola para a plateia e oferecer o seu trabalho em formato físico, editado em cassete, ao destemido que fosse capaz de a agarrar. A ideia era boa de facto, mas foi interrompida pelos senhores da casa, que viram naquela brincadeira um perigo eminente de destruição. Sem problema: foram chamados ao palco os mais pequeninos que foram presenteados com uma cassete cada um. No final, o mais bonito resume-se a isto, passar à próxima geração o bichinho que continua a fazer estes “loucos” soar pela rima pensada. O mais novo da sala ainda teve direito a um Walkman para sentir os flows deste “Pai Natal” como antigamente.

Sem dar hipótese ao público de descansar, anunciou-se outro momento inesperado: abriu-se um círculo na plateia, e, ao som de um instrumental de uma música de Big Daddy Kane, apareceram uma mão-cheia de B-boys que desarrumaram a pista de dança com um nível surpreendente de técnica. Mas que espectáculo. Foi um concerto à moda do Berna e, como o próprio disse, “isto não é uma missa!” — mesmo que estivesse a acontecer no palco do Círculo Católico –, deixando lágrimas no rosto de alguns e uma vontade de reencontro na cabeça de todos.

Depois de jantar, esperava-se a chegada do “sacana nervoso” para fechar o festival. A sala cheia ia abanando a cabeça ao ritmo dos instrumentais progressivos de IL-BRUTTO, que foram aplaudidos com a mesma força que uma boa punchline merece. 

NERVE entrou a fazer o “Mínimo” – o máximo dos seus contemporâneos, diga-se. Numa postura de superioridade, a qual tem vindo a construir e sustentar enquanto auto-intitulada “Lenda”, o rapper deu um espetáculo sem falhas evidentes, mesmo nos versos mais acelerados que desenvolveu em conjunto com o produtor que o acompanha em palco. Não vacilou uma vez que fosse. Atirou-se ainda à Auto-Sabotagem, EP independente lançado em 2018, interpretando virtuosamente os temas “Deserto” e “Chibo”, trauteados do início ao fim por um coro vindo da plateia, que, francamente, conhecia minuciosamente as letras de todas as faixas do gig

De passagem pelo longa-duração de 2015, ‘Trabalho & Conhaque’ ou ‘A Vida Não Presta & Ninguém Merece A Tua Confiança’, trouxe algumas novidades como a reinterpretação do poema de “Monstro Social”, entre outros, sobre novos instrumentais, conferindo às palavras que todos tinham memorizadas uma nova intensidade. O acapella do tema “’98” foi outra jogada genial, terminando com “sei dedilhar um clitóris que nem um Paredes na guitarra/ E também não sei como se toca”… e aí soa a guitarra portuguesa para dar início a “Ingrato”, faixa de Stereossauro que conta com a participação de NERVE.

Se até à fase final do espectáculo contávamos com dois terços de ESCALPE, a festa ficou completa com a chegada de Tilt, o último 6 desta tripla diabólica, e juntos evocaram “THOMASIN”, single de estreia do grupo. O que aconteceu só garantiu que, em relação a estes três, podemos manter as expectativas muito altas. Uma aparição dos “bodes” foi, definitivamente, o remate final desejado para uma festa que valoriza o rap que muito provavelmente não verão na televisão em primetime.

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