[TEXTO] Rui Miguel Abreu
“Shorty’s on the phone and she’s like ‘boohoo’
Cryin’ on the phone I thought she knew
I ain’t got no time she was right though
Still she’s on my mind all the time now”
Mishlawi: americano de 19 anos que reside em Portugal (“based in Cascais”, garante a telegráfica bio do Facebook) desde os 10, que se apresentou a Richie Campbell conquistando um lugar na Bridgetown Agency, que tem vindo a lançar pequena bomba atrás de pequena bomba e que na passada sexta feira largou este “Boohoo” sobre o mundo. Não se sabe muito mais e para já o que se sabe é mais do que suficiente.
Com “All Night”, em Janeiro (dia 13…) passado, e depois com “Always on My Mind”, em Março (dia 20), Mishlawi começou a dar passos sólidos em direcção a uma prometida mixtape de estreia que já não deve tardar muito. O avanço de mais um som (uma vez mais no passado dia 13…), ainda por cima com a “ajuda” do peso pesado Richie Campbell, não só indica haver aqui uma calculada estratégia ao nível dos timings, como parece apontar para a eminente saída de um trabalho de maior fôlego.
Com os dois primeiros e mais visíveis passos, Mishlawi desenhou muito bem os contornos do seu universo: música nocturna e sensual, que navega águas próximas do trap em termos musicais e que vive, antes de mais nada, de uma entrega personalizada – o flow lisérgico de Mishlawi é a sua marca de autor, algures entre o rap e o canto, com sílabas arrastadas e algo “screwed” no sentido “lume brando” do termo…
E depois há o imaginário. Mishlawi parece gostar de cantar os desencontros que o presente impõe – “I was from the city / she was from the outside / I was from the north / she was from the southside” canta ele em “All Night” ou “always on my mind / and you’re always right, girl / put my trust on you / you could never lie, girl / I know what I want / you know what I like, girl / even when I’m gone / always on my mind, on my mind, girl” em, já adivinharam, “Always on My Mind”.
“Boohoo” segue pelo mesmo caminho, mas soa menos adolescente e um pouco mais adulto, talvez devido ao cenário desenhado pelo sample de Margot Robbie retirado de The Wolf of Wall Street (podem ir directos ao minuto 4.30 para o escutarem na sua forma original): o desencontro continua a ser a receita, entre um homem que não quer assentar, como indica Richie Campbell num dos seus versos, e uma mulher que pede mais. Enquanto chora ao telefone…
O telefone já mereceu uma mixtape inteira de Erykah Badu, ela mesma inspirada pelo incontornável “Hotline Bling” de Drake, e se é verdade que o telefone foi sempre um recurso dramático ao longo da história da pop, não é menos verdade que nos últimos tempos mais do que ser um mero “adereço” à disposição dos escritores de canções, o telemóvel tornou-se no próprio palco onde toda a acção parece decorrer. Sinal claro dos tempos, em que muitas relações se erguem e se destroem mais no plano digital do que na vida real. Mishlawi está por isso a comunicar com o agora, com o presente, a fazer canções sobre matérias concretas com que qualquer pessoa, com a cara metade à distância de um clique no smartphone, se consegue relacionar.
Claro que se pode abordar um tema como “Boohoo” de um ponto de vista moral – “ela está a chorar ao telefone, mas eu não estou pronto para assentar, tenho coisas para fazer, mas ainda assim penso nela a toda a hora”. Condenável? É o que é: um retrato, não um manual de boas práticas.
Musicalmente é que “Boohoo” brilha. Sobre um beat algo genérico de The Beat Plug, adquirido certamente online a partir de um catálogo, mera base funcional para a ideia que une as performances de Mish e Richie, é no “hook” que a canção nos agarra, mel pop irresistível para os ouvidos sintonizados com a paisagem digital contemporânea. A performance de Richie Campbell é certeira, elegante na sua deriva dancehall para este trap n’ b, com os cantos arredondados pelo que soa ao mais subtil toque de “auto tune”. A sua “delivery” no refrão é praticamente perfeita e não pede licença para se instalar nos nossos ouvidos. Neste tema, Mishlawi assume as despesas da parte rappada, entregando boa parte da canção a Richie, mas no seu principal verso rimado deixa claro que consegue equilibrar as duas facetas – de cantor e de rapper – carregando sem problema a influência de Drake, algo inescapável para quem pretenda fazer algo neste terreno musical no presente, mas não tão sufocante que não lhe permita respirar: Mishlawi não tem grandes problemas em convencer-nos a todos da sua individualidade com uma prestação que pede rádio para chegar ainda mais longe. Resta aguardar para perceber quando vão acordar os programadores das estações mais pop. “Boohoo”…