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Fotografia: Guilherme Cabral & Geraldo Ferreira
Publicado a: 01/09/2024

Até para o ano?

MEO Kalorama’24 — Dia 3: uma mancha chamada Burna Boy num dia em que as mulheres mandaram

Fotografia: Guilherme Cabral & Geraldo Ferreira
Publicado a: 01/09/2024

Mais público devia, sem dúvida, ter-se deslocado ao Palco San Miguel para assistir ao concerto de Fabiana Palladino. O seu disco homónimo de estreia é um dos melhores de 2024 — e não somos os únicos a pensar assim —, mas o horário que lhe saiu na rifa para tocar no Kalorama foi tudo menos simpático para a britânica.

A sua pop sofisticada e enigmática pedia noite, uma sala escura, e um copo de vinho para onde, de vez em quando, uma lágrima cairia devido a pensamentos não tão positivos. As suas canções são sobre relacionamentos, tempo, espaço, distância. Os sintetizadores são nostálgicos, as guitarradas ecoam assombramentos do passado escutados em formato new wave dos anos 80. A voz, claro, é fantástica — mesmo que o som do Palco San Miguel estivesse (outra vez) longe das condições ideais para lhe permitir brilhar.

Escutou-se Fabiana Palladino praticamente na íntegra (apenas não se ouviu “Deeper”) e, para quem já conhecia, deixou-se encantar e embeber por aquelas canções que são tanto devotas a uns Blue Nile, a uma Sade ou Janet Jackson e, claro está, a Jai Paul, que empresta a sua voz à belíssima “I Care” e os seus dotes de produtor ao álbum (Palladino faz parte do coletivo Paul Institute). Para quem não conhecia, esperemos que se tenham deixado fascinar por aquelas canções.

O romantismo de “I Can’t Dream Anymore” cativou, “Can You Look Into The Mirror” fez ancas moverem-se (nu-disco de alto gabarito), “Closer” logo a abrir apresentou-nos a este universo que, esperamos nós, conquistou pelo menos algum novo público. No final, parecia-nos que sim. As palmas a acompanhar a tristonha “Stay With Me Through The Night” soube a pouco para uma artista que merecia mais. Tragam-na em nome próprio, se faz favor.

Horas mais tarde, no mesmo palco, os Overmono quase sofreram do mesmo problema. Quando os irmãos Russell deram o pontapé de saída do seu set — pelas 23h30, ou seja, a horas ainda algo impróprias para aquelas batidas dignas de after —, não havia assim grande massa humana para os ver no Palco San Miguel. Porém, com o passar do tempo, aquelas batidas incessantes foram arrastando cada vez mais pessoas colina acima. Tudo certo, portanto, para escutar os autores de Good Lies, uma das mais impressionantes estreias na música eletrónica (mais comercial) dos últimos anos. 

Tal como Fred again.., os Overmono fazem música eletrónica digna de estádios. Aliás, mesmo no próprio liveshow, consegue-se observar a influência do produtor britânico, particularmente nos visuais. Deu para dançar, bater o pé, e deixar-nos com um sorriso de orelha a orelha por escutarmos malhas como “Is U”, “Gem Lingo (Ovr Now)” ou “Freedom 2”. Não nos pareceu que fomos os únicos.



Passamos da eletrónica para o afrobeat, do Palco San Miguel para o palco principal do MEO Kalorama. Não havia grandes dúvidas que Burna Boy era um dos nomes mais aguardados do último dia no Parque da Bela Vista e acreditamos plenamente que o seu concerto satisfez os seus fãs mais acérrimos. Porém, contudo, todavia. Perguntamos: que raio foi isto?

De regresso a Portugal após uma dupla passagem por Portugal em 2022 (Sumol Summer Fest e Afro Nation), o autor de Outside (2018) e African Giant (2019) não nos impressionou. Pelo contrário. Isto não foi um concerto — foi um suplício. A voz de Burna Boy mal se escutava, particularmente nos registos mais graves, e tornava completamente impercetível aquilo que cantava. Trocámos três vezes de lugar e a experiência não melhorou. Seria um problema de mistura? Ou seria apenas um caso daquilo que os jovens chamam hoje de skill issue? Não conseguimos perceber. O que conseguimos perceber, porém, é que se era para isto, mais valia termos ficado em casa. Esperamos que ao menos Burna Boy tenha vendido bilhetes — haja algo de bom para alguém no meio desta infelicidade.



Porém, graças a Deus, o palco principal do MEO Kalorama no último dia não ficou definido pelo mau concerto de Burna Boy. Pelo contrário, foram as mulheres que encantaram e conquistaram o público. Primeiro, Ana Moura

A artista portuguesa ofereceu-nos mais uma visita guiada à sua Casa Guilhermina e, nesse aspeto, não desapontou. Mesmo com o que parecia ser uma voz algo desgastada (particularmente notável quando comunicava com o público), Ana Moura não desanimou e entregou verdadeiros momentos de emoção — particularmente com a sua versão de “Loucura”. 

Pelo meio, os temas mais dançáveis da era de Casa Guilhermina permitiram o abanar de anca. “Andorinhas”, “Arraial Triste”, “Jacarandá” ou “Calunga” não desapontaram e serviram de contraste para a (falta de) qualidade do que Ana Moura tem feito de recente. “Lá Vai Ela” soou competente ao vivo (a versão de estúdio é “apenas” ok), mas “Desliza”, aquela que Ana Moura diz ser a sua canção mais arrojada, não apregoa nada de bom para o futuro (a versão ao vivo é “apenas e só” fraca).

Felizmente, “Desliza” foi apenas uma nódoa fácil de esquecer em comparação com o restante espetáculo — completado por banda e dançarinos, claro. A presença de Pedro Mafama para o dueto de “Agarra Em Mim” foi um ponto alto (com sensualidade à mistura — quem esteve no Coliseu sabe do que falamos) e o final com “Mázia” em versão estúdio e remix de Vanyfox mostraram que Ana Moura sabe para que referências olhar. Mas será que as sabe trabalhar? Veremos no futuro.



Segundo, RAYE. A vencedora do Prémio de Álbum do Ano dos BRIT Awards deste ano não desapontou e, pelo contrário, dizemos que até impressionou. Do início ao fim do seu concerto, a autora de My 21st Century Blues (2023) ligou-se ao público do Kalorama e encantou de todas as formas e feitios possíveis. Vozeirão? Check. Fit? Check. Banda extremamente bem oleada, canções? Check e check.

A sequência mais virada para o jazz da primeira parte do concerto de RAYE foi impressionante o suficiente para nos preparar para a festa que se seguiria depois. A separar os dois lados de RAYE — a diva jazz e a diva pop —, uma versão arrepiante de “It’s a Man’s Man’s Man’s World”. Antes, a estonteante “Genesis.” mostrou que RAYE é uma compositora arrojadíssima, “Ice Cream Man.” foi emocionante (basta ler a letra para perceber porquê), e canções como “The Thrill Is Gone.” (tocada logo a abrir) ou “Oscar Winning Tears.” (recebida com grande euforia) mostraram que RAYE não veio a Lisboa para brincar. Veio para se divertir, certo, dar um grande concerto, também, mas acima de tudo para mostrar que, daqui para a frente, é sempre a subir. A festa de “Black Mascara.” ou “Escapism.”, a fechar, provaram isso também. Concerto delicioso do início ao fim.



RAYE teria sido o melhor concerto que vimos neste último dia no Kalorama se, horas antes, não tivéssemos seguido a dica do camarada Pedro João Santos em irmos assistir ao concerto de Moonchild Sanelly no Palco Lisboa. E só podemos agradecer pela dica — isto não foi um concerto, foi um festão. Só foi preciso a presença de Moonchild, um DJ aguerrido e com vontade de abanar a bunda, e muito malhão para isso. Não precisávamos de mais nada.

Só conhecíamos “Demon” (obrigada FIFA 22) e “With Love To Na Ex”, canção dos Gorillaz onde a artista e dançarina sul-africana empresta a sua voz, mas saímos do Palco Lisboa com uma enorme vontade de irmos escutar tudo e mais alguma coisa. Há disco a caminho (mas não digam a ninguém — é segredo) e os mais recentes lançamentos da artista dão a entender que esse álbum será enorme. “Falling” (pelo menos, pareceu-nos ser esse o nome), fará parte desse alinhamento e ao vivo foi um dos grandes momentos deste Kalorama. “Sweet & Savage” soou extraordinária, “Big Booty” foi mesmo para dar tudo na pista de dança improvisada que se tornou o chão poeirento do Palco Lisboa, “Chicken” bateu tanto que até Moonchild se juntou ao público. Ali, fez-se a roda, a festa, o bate o pé. Foi tudo perfeito.



Quem deu um concerto algures entre o muito bom e o perfeito foi Yves Tumor. Já mobília do circuito português, o experimentalista americano apresentou-se no Kalorama com uma formação ao vivo diferente da última vez que o vimos no Primavera Sound 2023. Chris Greatti e Gina Ramirez abandonaram a formação ao vivo do pseudónimo de Sean Lee Bowie, substituídos por Maro Chon e Yves Rothman. Já não há baixo tocado ao vivo, mas agora escutam-se duas guitarras. Melhor ou pior do que antes?

Sean Lee Bowie continua a ser um animal de palco, disso não restam dúvidas. Mas esta nova formação não tem ainda a confiança do público e isso notou-se. Falta alguma interação, mas a coisa há-de chegar ao ponto certo de ebulição. Mesmo assim, as canções estão lá. Praise a Lord Who Chews but Which Does Not Consume; (Or Simply, Hot Between Worlds) é um disco bem menos interessante que os anteriores lançamentos de Yves Tumor, mas ao vivo, aquelas canções ganham nova vida. “Echolalia” soou libertadora, o psicadelismo de “Parody / Heaven Surrounds Us Like a Hood” impressionou (é a melhor canção do álbum), “Operator” bem podia (e devia) ter aberto um moshpit

Porém, há que ter em conta a forma como Yves Tumor parece olhar para o seu passado. Não houve “Noid” nem “Limerence” e as versões de “Gospel For a New Century” ou “Kerosene” (ainda a malha definitiva da era glam rock de Yves Tumor) ficaram muito aquém daquilo que já vimos de Yves Tumor em palco. Safou-se “Jackie” nesse aspeto, talvez pela sua maior proximidade sonora a Praise a Lord em comparação às restantes mencionadas.

Foi um concerto melhor do que aquele que vimos no Primavera em 2023, mas inferior àquele que vimos em Paredes de Coura em 2022. Porém, acima de tudo, este concerto de Yves Tumor é um que nos leva a perguntar: estará a persona de Yves Tumor a necessitar de um revamp? Aguardemos — mas achamos que sim.

O Kalorama regressa em 2025, mas ainda não existem datas oficiais nem pré-venda de bilhetes para a próxima edição do festival lisboeta.


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