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Fotografia: Hugo Sousa / gnration
Publicado a: 21/01/2025

De uma luz crescente ao anoitecer.

Kara-Lis Coverdale no gnration: nocturnos cintilantes

Fotografia: Hugo Sousa / gnration
Publicado a: 21/01/2025

Vezes há onde se cumpre um passado, mesmo quando parece haver um lugar sem tempo. Os nocturnos funcionam como peças estilísticas para piano solo tocadas nos seus primórdios no lusco-fusco na passagem para a noite em diante, inspiradas e destinadas a evocar os seus mistérios. Séculos passados após surgirem, os nocturnos ainda se ouvem como peças musicais nesses desígnios dos movimentos entre silêncios que melhor sustêm os solitários e delicados sons noctívagos.

A compositora e pianista Kara-Lis Coverdale sentou-se ao piano na blackbox do gnration para uma prestação sublime, elevando-se nos seus nocturnos, devolvendo uma estreia de peças que hão-de constituir o seu futuro registo discográfico lá para os finais do ano. Caía o dia, imaginávamos que fora sumia a luz, afinal pelo relógio seriam umas seis e muito pouco da tarde, nesse anoitecer de sábado marcado como 18, num Janeiro até aí deveras luminoso.

“Delicadas teias, tecidas sem pensar, se nessa apanharmos o jantar, amanhã levantaremos voo.” Palavras de uma tradução livre daquelas utilizadas por Kara-Lis para fazer acompanhar a beleza dos sons no nocturno “Fireflight” como contribuição para a compilação Piano Day Vol. I em 2022. Foi (a)final, feito desígnio sem mácula do concerto que se haveria de escutar, em grande medida feito de estreias absolutas de peças inéditas. Afinal as vindas de Coverdale a Braga trazem essa aura do lugar do novo. Já na anterior passagem, aquando da edição atípica do Festival Semibreve em 2020, confinada ao Mosteiro de Tibães, apresentou a nova peça “In Charge of the Hour”, que se tornou efémera no escutar. Permaneceu inédita, sobeja fortuna de quem a ouviu no momento. Igual sorte para quem esteve presente na repleta sala escura do gnration, neste dia, um dos primeiros do programa do longo ano da Braga 25 – Capital Portuguesa da Cultura.

Kara-Lis Coverdale, que acedeu ao nosso convite das perguntas, partilhadas a tempo, e disso feitas como que duma folha de sala ao concerto. Deixou antever o que se iria ouvir, segredou em voz alta o seu eu noctívago: “Sinto-me mais viva e em paz como uma criatura nocturna, em comunhão com tudo o que sai para soar na escuridão”. A música que se vai escutando a transparecer as palavras ditas. Ouvem-se centelhas luminosas, que ascendem nesses voos colunares desde o fogo, ou noutras peças que evocam a fosforescência dos seres luminescentes, por terra, ar ou nas águas. Surgem como que vivazes quando Coverdale aborda as notas mais cimeiras na escala dos sons, e são processos recorrentes como que a tenderem para o infinito do tempo. Ficamos elucidados quando diz sair da escuridão, havendo aí “uma visão inversa que acho bela; mundo invisível completamente imperturbável”.

Em palco, os movimentos das peças vão sendo encadeados e apenas o desfolhar das partituras — postas de par-em-par — ousa interromper a descrição da paisagem sonora que assim se apresenta como numa suite integral. Também nisso houve mistérios, ficámos sem saber como designar cada movimento. Houve sim a dinâmica dos momentos do som, como referia em relação ao seu processo composicional. Tratando-se afinal como que “coisas de pássaros”, em que “sons como estes não podem ser constantes e têm de estar em movimento”. Coverdale demonstrou estar a percorrer graciosamente os trilhos que são os seus, mas o melhor disso é que o faz nesta generosa e franca partilha em palco. Ouvimos, vendo ali diante, uma fabulosa parte dessa observação, complementada com a revelação “desses mistérios que menos se vêem”, mas que estão aí em nosso redor. Kara-Lis Coverdale é por este tanto uma dessas imprescindíveis mediadoras disponíveis neste inestimável, porém efémero, presente.


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