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Texto: ReB Team
Ilustração: Verkron Collective (Hemak)
Publicado a: 06/12/2022

Se ouvir estas músicas, não conduza.

#ReBPlaylist: Novembro 2022

Texto: ReB Team
Ilustração: Verkron Collective (Hemak)
Publicado a: 06/12/2022

Os pés na terra ou a coroa na cabeça? Dará para ter as duas coisas em simultâneo? Dêem-nos a queda livre do pedestal, uma piada que nos faça rir à gargalhada, uma bebida que desprenda e desoriente (ou que nos leve por bons caminhos durante uma qualquer madrugada). Mais corridas que nos façam viver, menos sprints contra a morte. Oito canções e umas quantas histórias.


[Pearson Sound] “Freefall”

Já são muitos anos de Hessle Audio e de tiradas de pista de dança de qualidade inquestionável — e quando a discográfica avança no sentido de selar mais uma rodela de Pearson Sound, sabemos que a parada vai mesmo altíssima. O EP Red Sky tem uma visão sintética e elegante do que os últimos anos de exploração eletrónica no Reino Unido permite fazer quando se juntam argumentos. “Freefall”, a título de exemplo, parte de uma cadência algures entre o garage e o breakbeat que não se coíbe de usar as suas evoluções no dubstep e no deep dub para se sustentar num chão de graves contínuos. E bem mais acontece ao longo das quatro faixas desta tirada. Esta malha é boa para começar, mas todas as demais são dignas da mesma atenção.

– André Forte


[Quadeca] “tell me a joke”

A história de Quadeca é tremida. A pipeline YouTuber-para-músico não é a mais segura e atrai etiquetas que acabam por pesar muito na carreira, mesmo que dê tudo certo. E para Benjamin Lasky, as coisas nem sempre deram certas –- a sua música era apelidada de “gimmicky”, e as canções piadola como “Wii Music Fire” acabarem por moldar a perspectiva que a audiência tem do artista – o vídeo para “People Pleaser”, uma colaboração do ano passado com Guapdad 4000, foi seguido por uma tierlist de YouTuber Rappers. 

No entanto, a sorte (e o esforço) acompanha os audazes e em I Didn’t Mean to Haunt You, o sétimo projecto do rapper-YouTuber, recebemos um conjunto lindíssimo de músicas, das quais escolho destacar “tell me a joke”. Vocais fantasmagóricos, melodias de cordas pesadas e grandiosas, lírica ácida e de quem se auto-flagela, produção glitchy mas com uma atenção ao detalhe magnífica, com os “erros” a servirem para desconcertar e acrescentar à sensação de estar fora do corpo, de estar a ver a vida acontecer ao longe, não depois da morte, mas como se estivéssemos a experienciar a nossa existência através de filmagens de outra pessoa. A dor como uma dormência. Há uma profundidade conceptual, instrumental e vocal indiscutível em Quadeca. Há que a explorar. 

– Leonardo Pereira


[Raquel Martins] “Fragile Eyes”

O que podia ser melhor para combater este frio outonal do que uma música que nos faz crer piamente que (pelo menos) nos ouvidos é Verão? É essa a aposta de Raquel Martins e “Fragile Eyes”, um tema que antecipa o seu próximo EP e em que vemos a artista portuguesa sediada em Londres a mostrar porque é que vale a pena acompanhar a sua para já curta carreira musical. 

Para esse sentimento veraneante muito contribuem o pandeiro solarengo e o drum beat convidativo que nos introduzem à música de forma discreta e assegurando desde o início que há um ritmo quente. Martins utiliza os seus já conhecidos dotes instrumentais para conjurar um riff de guitarra vigoroso e perfumado, rodeando-se de cordas floridas que são uma bela adição e prova de que a artista está a expandir a sua construção musical. 

As palavras contam o final de uma relação, alguém cego pela inveja e pela sua própria masculinidade tóxica sem reconhecer o sucesso da sua parceira. A letra é de confronto, de finalizar o assunto e seguir em frente, e a música uma demonstração do enorme talento de Raquel Martins. Ouvimos na liberdade do refrão uma deliciosa melodia de teclas e a voz de alguém livre e de cabeça em riste, pronta para a próxima etapa. Com temas assim é difícil não estarmos também prontos, portanto sirvam-se de uma chávena de chá quente e deixem-se levar pela groove impecável de “Fragile Eyes”.

– Miguel Santos


[Sara Tavares] “Grog d’Pilha”

As voltas que a vida dá. Não há muito tempo — em Setembro de 2021, como comprova a Internet — entrava numa daquelas espirais nocturnas (que parecem infinitas) de descoberta de música nova. De alguma forma, os caminhos foram dar até Promesses Vol. 1, compilação de uma editora francesa que continha temas de nomes como DJ Lycox ou Kelman Duran, mas quem me agarrou desde logo foi DJ BeBeDeRa (um nome peculiar) e o seu “Trumpet vs Trombone“. Daí até à sua participação em Verão Dark Hope (“Tarraxo in Messier 31“) foi um pulinho; e descobri mais à frente que a sua ligação com a Príncipe Discos já vinha de trás: “Tarraxei no Box“, colaboração com Babaz Fox, foi incluída em Mambos Levis D’Outro Mundo (2016). Quando dei por mim, Danilo Ramos já me tinha enrolado numa teia; e devia ir longa a noite quando comecei a reencaminhar “Tarraxo Fungui​ç​a Das Negras” e “Tarraxo Bandido Organizac​̧​a​̃​o Criminal” para aqueles que sabia que não iriam resistir a estes balanços.

No último dia de Novembro, que é como quem diz na quarta-feira passada, Sara Tavares lançou, do nada, um novo tema. Foi provavelmente a primeira música que ouvi ao acordar nessa manhã e, antes sequer de ter possibilidade de olhar para os créditos, despertei mal o beat entrou. A autora de Fitxadu surge num registo absolutamente inebriante, garantindo-nos que não sabe se é voodoo, se é festa, se é política, se é semba, se é samba, se é funaná, mas que tem gente bonita. Convenceu-me logo. Finalmente abri os créditos e por lá aparecia “Beat Original: DJ BeBeDera”. Algo se encerrava aí.

Passados uns dias, a Blitz publicava uma entrevista com a artista e aí revelavam-se mais alguns e interessantes pormenores: a canção já tinha dois anos e surgiu numa altura em que andava à procura de beats, tendo ido ao encontro de “Fumaxa, o MIGZ, a malta da linha de Sintra”; é nesta busca que o beat de BeBeDera vem parar-lhe às mãos através do seu manager; mais tarde, Sara, a produtora, acrescentaria-lhe guitarras do Lula’s (de Cachupa Psicadélica) e o baixo do Gogui EmbalóEva RapDiva ajudou no refrão, por exemplo.

Este cruzamento de DJ BeBeDera com Sara Tavares lembrou-me de uma conversa que já tive aqui e ali com outras pessoas do meio: não faria mal existir mais promiscuidade entre o universo Príncipe (do mais avançado que por cá temos de há uns bons anos para cá) e a música pop portuguesa. Já sabemos que a sueca Fever Ray adora Nídia (até lhe deu a oportunidade de vencer um Grammi sueco ao convidá-la para a equipa de produção de “IDK About You” — e volta agora a chamá-la para Radical Romantics), mas que esta “bebedeira” de “Grog d’Pilha” sirva também para acender outro tipo de rastilho para lá daquele a que Sara Tavares se propôs musicalmente. Nesse último campo, o fogo pegou bem e as labaredas são imponentes, não haja dúvida.

– Alexandre Ribeiro


[Ana Malhoa] “Toque de Midas”

“A Rainha está de volta”. É assim que Ana Malhoa enuncia o seu regresso aos lançamentos, dois anos depois de “Quem Te Dera” – com todo o nível de braggadocio merecido. A recrutar Agir (uma surpresa?!) para ajudar com a letra e produção deste “Toque de Midas”, Ana Malhoa relembra porque continua a ser uma das melhores do burgo. Não perdoa na sua capacidade de criar um banger para a discoteca, um em que os ritmos e o refrão pedem-nos para acompanhar nos seus movimentos sedutores. Com faixas assim, como é possível não caírmos no encanto da Rainha? Enfim, este “Toque de Midas” é um muito digno do seu nome.

– Miguel Rocha


[SAULT] “Stronger”

Ready?”, perguntavam-nos os SAULT, sem aviso prévio, nas suas discretas redes sociais. Olhos atentos, ouvidos à escuta: que novo e ousado desafio teriam preparado desta vez? Com os SAULT, nunca ninguém sabe o que esperar. Mas nem as mentes mais criativas conseguiriam imaginar que o que se seguiria era o lançamento de não um, não dois, mas cinco novos álbuns de originais! A surpresa foi geral, logo seguida de alguma frustração. Com o ritmo do trabalho a sugar-nos a vida, como conquistar tempo e espaço ao quotidiano para ouvir estes cinco discos com atenção, dedicação e disponibilidade? Tarefa complexa, seguramente, mas talvez aí se situe o maior desafio que nos propõe. Só há vida, quando há tempo, e para mudar a vida, é preciso mudar o tempo. “Time is Precious”, vaticinavam em AIR, num apelo para que reconquistemos o direito ao tempo e à possibilidade do encontro, do diálogo e da escuta que nos torna humanos. Num momento em que vivemos para trabalhar, em vez de trabalharmos para viver, porque não tentar reconquistar a vida? Mergulhemos, pois, nestas novas cinco pérolas, que da soul ao funk, da eletrónica ao hip hop, do rock ao reggae, do gospel ao samba, assumem orgulhosamente tantos dos apelos, projetos e utopias do Sul Global. Uma viagem longa e prazerosa, com muitos pontos de partida e de chegada, e que em algum momento passará por esta “Stronger”, concentrado de subtileza emancipada, onde toda a força emerge da depuração ao essencial. E o essencial é o assalto aos céus, guiado pelo som de uma bateria que delicadamente sustenta o ritmo, de um baixo que dá corpo e forma ao som, de um arranjo de violinos que nos harmoniza os calafrios e, claro, da voz luminosa e espiritual de Cleo Sol, conjugada com um coro que insiste em nos lembrar, tanto na forma como conteúdo, quais as razões mais profundas para escutarmos esta música neste tempo que pode ser nosso.

– João Mineiro


[Papillon] “Corre. da Morte”

Os primeiros segundos anteviam um tema bem dançante e, realmente, quando já parecemos totalmente contagiados por este instrumental, Papillon faz questão de estragar a festa a quem pensava que este era daquelas para celebrar. Mas não, o objectivo aqui era outro: ouvir, digerir e reflectir sobre este storytelling em que visitamos um episódio verídico da vida do rapper de Mem Martins, um formato quase em vias de extinção, que ganha agora nova vida depois de Papillon contrariar essa tendência e “inundar” o seu segundo disco a solo — Jony Driver — de vários storytellings

Aqui, a qualidade não se sobrepõe à quantidade, porque estão ambas em pé de igualdade, mas este “Corre. da Morte” é uma viagem de seis minutos cheia de curvas e contracurvas e, sobretudo, traz à mesa algo interessantíssimo e pouco visto na cultura do hip hop português: para além do exercício de escrita sempre denso que é escrever um storytelling, o jovem (que já parece veterano) usa aqui a parte sónica a seu favor, e vai fluindo pelas batidas bem mexidas que rapidamente desvanecem e dão lugar a uma base instrumental sombria e recheada de tensão para um Papillon nada tímido, que brilha com as suas barras carregadas de realismo. 

Por se tratar de um exercício musical cada vez mais invulgar nos dias que correm, este é, para mim, o grande destaque deste novo disco do MC que fez parte dos GROGNation. Caso para dizer que Papillon é daqueles contadores de histórias que não servem para embalar ninguém, só para deixar toda a gente bem desperta.

– Carlos Almeida


[Mike11] “Madruga”

Se em How I Met Your Mother se celebrizou o ditado de que nada de bom acontece depois das duas da manhã e a Wet Bed Gang já explicou o que acontece às quatro, agora surge Mike11 com um plano para a madrugada, a preceito de ignorar qualquer superstição.

Fazendo da sensualidade ordem e traduzindo-a de imediato nos acordes iniciais de “Madruga”, o artista apresenta-nos uma balada sensual sobre a hesitação de um encontro nocturno e a efemeridade de uma paixão que bem pode “já cá não estar” quando amanhecer; tudo isto ao som de uma melodia que se desdobra em notas nas curvas mais bonitas — as da guitarra portuguesa, também elas tocadas com uma rapidez inebriante.

Mesmo fugaz, o tom confessional do autor de 19.2K, apresentado como quem está, na primeira pessoa, a ter uma conversa íntima ao telemóvel, fazem desta música uma slow jam que mostra, mais uma vez, a facilidade que o cantor e guitarrista possui para juntar elementos tão castiços da música portuguesa às suas composições e reinventá-los, sabendo que se há coisa que certamente sempre esteve presente desde os tempos das primeiras casas de fados — onde a guitarra era estrela — é a vontade de estar a sós, numa hora em que o tempo “não pára, mas recua”, com todo o mistério e luxúria que a noite traz, para quem está de olho em alguém.

Desta vez, para além de na voz e nas cordas, a saudade vem montada num Porsche, com vários fits e pronta a ser confessada aos ouvidos de quem escolha ficar: fica a critério de cada um ser apanhado na curva ou não.

– Beatriz Freitas

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