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Texto: ReB Team
Fotografia: Pedro Pina/Antena 3
Publicado a: 11/10/2021

Para a família.

Iminente’21 – Dia 4: power rangers improváveis, marchas inclusivas e uma fadista em desconstrução

Texto: ReB Team
Fotografia: Pedro Pina/Antena 3
Publicado a: 11/10/2021

Até parece mentira, mas a edição deste ano do Iminente aconteceu mesmo e chegou ao final ontem, encerrando, como já é habitual, com uma programação mais familyfriendly. Pela Matinha, em Lisboa, ouviram-se novos protagonistas como Pedro Mafama e EU.CLIDES ou nomes estabelecidos como Jorge Palma e Ana Moura — e criou-se ainda espaço para projectos focados em comunidades específicas.


[David Bruno] Palco Gasómetro

David Bruno inaugurou o último dia de Iminente com pompa e circunstância, afinal era domingo e havia duas coisas que o artista de Gaia não podia deixar passar: o fato de treino a condizer entre membros da banda – vestimenta oficial do primeiro dia da semana – e a tradicional regueifa de domingo que, como solicitada pelo seu público no Instagram, foi atirada do palco em direcção às primeira filas.

Durante a actuação, os “power rangers de Rio Tinto” trouxeram-nos essencialmente trabalhos presentes em Miramar Confidencial e Raiashopping, mas também temas editados n’O Último Tango em Mafamude, como é o caso de “Mesa Para Dois no Carpa”. Destaque ainda para as prestações de Marquito, como é conhecido entre os colegas, pela atitude invejável na guitarra, e de António Bandeiras, o hypeman mais prestável dos últimos tempos, que, além de encantar a plateia com os seus passos de dança, emprestou também a voz a “Interveniente Acidental” e “surfou” sobre o público.

– João Daniel Marques


[Curraleira marcha com Tristany] Palco Choque

Lisboa já não é o que era. Uns dizem que perdeu identidade; outros ganharam-na no meio da mistura, de quem não é só de cá nem só de lá. O tempo da outra senhora já lá vai e, hoje, que é como quem diz ontem, as fronteiras entre as terras que deixámos de clamar nossas estão, curiosamente, cada vez mais ténues. Esta “Nova Lisboa” abriu caminhos a um Mundu Nôbu, como cantava Dino D’Santiago um par de dias antes na Matinha, e como vimos na primeira performance deste dia no Palco Choque.

As marchas de Lisboa também já não são o que eram. E para nos refrescar as ideias seculares da tradição tão tipicamente portuguesa, Tristany desceu à Curraleira para liderar um grupo de marchantes, maioritariamente composto por crianças, que bateu pé ao som das cantigas mais tradicionais da época dos Santos Populares, remisturadas com kuduro, a par da animação de uma dupla de jovens dançarinos que aqueceram a pista e convocaram o público para uma espécie de flash mob ao som de “Jerusalema”. Não é preciso muito mais que isto para se fazer a festa, esta sim à portuguesa.

– Paulo Pena


[Batucadas Finka Pé] Palco Choque

Provavelmente nem as intervenientes nas Batucadeiras Finka Pé saberiam o que esperar quando foram convidadas para esta prestação no Iminente, mas poucos segundos depois do início da performance já o Palco Choque estava cheio de curiosos e conhecedores do grupo exclusivamente feminino que representa apenas um pedaço do melhor que há na cultura e música cabo-verdiana.

Tocando apenas com as mãos no corpo, cerca de meia dúzia de mulheres vestidas como manda a tradição foram capazes de trazer ritmos percussionistas simples e coordenados mas que variam em intensidade para uma actuação que deixaria muitos DJs e produtores invejosos, sobretudo pela reação do público. Este amontoou-se na pista de carrinhos de choque e dançou do início ao fim, sem dúvida surpreendido pelo ritmo destas senhoras. Além das batidas emocionantes, há algo naquele grupo que provoca extrema alegria a quem as ouve. É uma energia que difícil de se explicar e, como corrente eléctrica, passa de elemento para elemento da plateia até que a população dançante seja de 100%. Missão cumprida.

– João Daniel Marques


[Pedro Mafama] Palco Gasómetro

Quando Pedro Mafama, faustoso no traje e no espírito, subiu ao Palco Gasómetro e nos convidou, do alto do palanque, para embarcarmos com ele Tejo acima, não houve quem ficasse por terra sem ser fisicamente. 

Numa viagem Por Este Rio Abaixo, o filho bastardo da Enchufada mostrou já ter estofo para as grandes travessias ao atirar-se ao mar de gente que se foi instalando por cima da areia poeirenta — a plateia sentiu o aumento gradual da sua confiança, e Mafama foi repescando cada vez mais marujos perdidos no recinto. 

Com o auto-tune a indicar-lhe o Norte, o artista foi mergulhando cada vez mais fundo na actuação, a certa altura totalmente entregue à sua música alucinante. Num constante crescendo, atingiu a catarse em “Borboletas da Noite” e despediu-se em apoteose com “Lacrau”, “Contra a Maré” e “Ribeira”. E depois da explicação, feita a meio caminho, de “Mar Morto” (o último tema do seu primeiro longa-duração), em que dualizava a jornada de Por Este Rio Abaixo entre chegar longe — ao Mar Morto, na Palestina — e ficar no mar, morto, o destino da sua demanda tornou-se clarividente: chegou a bom porto.

– Paulo Pena


[EU.CLIDES] Palco Cine-Estúdio

Como no MIL, EU.CLIDES apresentou-se no Iminente armado com guitarra e pads, apoiado por apenas um músico encarregado das percussões e teclados. Dotado de uma voz suave e de batidas simples, lentas e melódicas, o concerto serviu bem para quem estava cansado das últimas actuações mas não gosta de perder pitada. A plateia do Cine-Estúdio encheu até à capacidade máxima deixando mesmo uma boa dezena de pessoas aos portões.

Com uma setlist bem pensada, o músico é capaz de envolver o público do início ao fim ao mesmo tempo que a música os convida a dançar – devagar – no lugar, ajudados por um dos espectáculos de luzes mais agradáveis que passou pelo festival. Um dos pontos altos foi, sem dúvida, o tema “Tubarão Azul”, utilizado como mote para explicar algumas das influências do artista que estudou guitarra clássica mas sempre julgou ter “qualquer coisa a mais”: os ritmos e a alegria de Cabo Verde que diz ter descoberto quando aí passou umas férias de duas semanas que serviram de inspiração ao próprio tema.

– João Daniel Marques


[Jorge Palma] Palco Gasómetro

Domingo foi, como não podia deixar de ser, o dia da família. E que melhor serão do que a ouvir os maiores clássicos do incomparável e transversal Jorge Palma? Foi com esse espírito que o público familiar acompanhou entusiasticamente a revisita, sempre bem-vinda e nunca indiferente, pelos principais temas de maior sucesso do (nosso) tio da música portuguesa. Desde as crianças aos ombros dos pais aos millennials em larga maioria, toda a plateia — a mais composta dessa noite — se fez ouvir em uníssono, um coro a servir de alavanca a um artista de 71 anos de vida, e outro tanto de vivências, que está aí para as curvas, quer das violas, das guitarras eléctricas ou dos pianos de cauda. E a voz, apesar do fôlego consideravelmente agastado, continua imaculada e inconfundível, a arrancar apaixonados aplausos a cada canção. A idade não perdoa, e o Jorge Palma também não: “enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar”. 

– Paulo Pena


[Ana Moura] Palco Gasómetro

Mesmo antes do início do concerto, o cenário e a gigante secção de percussões no lado direito do palco — que seria comandada por Iúri Oliveira — deixavam perceber que o que estava para vir era de outra magnitude. E assim foi. O concerto de Ana Moura foi altamente revelador do seu próximo trabalho e assentou sobretudo nos novos temas e em inéditos. Apesar de ter aberto e encerrado com músicas fora do novo projecto (“Desfado” foi uma delas), a actuação terá, provavelmente, causado impacto nos fãs mais conservadores da fadista que esperavam um concerto do tipo best of. Mas não foi o que aconteceu e ao contrário do que fez, por exemplo, Jorge Palma, a artista decidiu arriscar trazer algo novo aos fãs.

No cenário mais elaborado do festival composto por dois pedestais onde se sentaram os guitarristas –- um deles era Gaspar Varela, um sobrinho-bisneto de Amália Rodrigues –, Ana Moura entoou as primeiras canções assinadas por si e que, fruto das influências musicais já conhecidas de Pedro Mafama e Pedro da Linha para o próximo disco, soam completamente diferente de tudo o que nos tem trazido até agora.

Em linha com “Andorinhas” (que tocou duas vezes) e “Jacarandá”, os novos temas apresentam componentes africanas fortes, sobretudo nas percussões, e combinam a alma e a intensidade dos vocais do fado em algo dançável e próximo de géneros como o kizomba e o funaná, mantendo sempre elementos familiares ao percurso de Ana Moura, como a guitarra portuguesa. Há, mesmo assim, espaço para ritmos mais tradicionais e facilmente identificáveis no percurso de uma artista que parece estar agora no rescaldo da sua própria metamorfose. Fica água na boca pelo disco que sairá dia 3 de Dezembro e nos vai dar oportunidade de ouvir mais atentamente todas estas camadas.

– João Daniel Marques


[Fogo Fogo] Palco Cine-Estúdio

Os nomes pouco ou nada dizem sobre as pessoas. O mesmo se pode dizer em relação aos nomes de bandas — com excepção dos Fogo Fogo

Num concerto que começou a meio da actuação de Ana Moura, que herdou a numerosa plateia reunida na hora de Jorge Palma, os Fogo Fogo incendiaram o Palco Cine-Estúdio com o seu funaná revolucionário, para terminar esta edição do Festival Iminente com a energia no máximo. Mesmo com uma das maiores vozes do fado português contemporâneo a cantar e encantar ali ao lado, a banda formada por Francisco Rebelo (baixo), João Gomes (teclas), Márcio Silva (bateria), Danilo Lopes e David Pessoa (vozes/guitarra) encheu o pavilhão traseiro, que lhes foi alocado para o último concerto da noite e se viu sobrelotado com enchente até no exterior da sala. Muita vibração, alegria, interacção, dança, calor humano. Que falta nos fazia. Para o ano há mais, segura e felizmente.

– Paulo Pena

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