LP / Digital

Hugo Danin

Sonologues

Now Jazz Agora / 2025

Texto de Ricardo Vicente Paredes

Publicado a: 15/10/2025

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Um neologismo em título — ideia de inventar uma palavra para melhor expressar o que é. Poderia ter-lhe chamado “solilóquios”, mas seria curto, porque tem mais que pensamentos em voz alta, e tão somente “monólogos” não caberia para justificar um álbum que é feito de duetos instrumentais. Surge então na ideia do baterista Hugo Danin a contração de som e diálogos — estamos em crer. Uma edição na bem recente aventura Now Jazz Agora, que se segue ao lançamento de Pendular dos Mazarin, e do formato físico para Dimensions de LANA GASPARØTTI, em vinil claro está. Sonologues surge alinhado neste critério editorial e é assim a mais recente adição ao crescente campo, já carimbado bem a propósito, de jazznãojazzpt.

Hugo Danin já havia apontado a novo disco na calha das edições quando em entrevista ao Rimas e Batidas, no início deste ano, apontava para o processo em curso: “O disco que eu vou lançar agora, que está a ser misturado, é um disco de duetos. Apeteceu-me fazer um disco de duetos — em bateria e trompete, bateria e vibrafone, bateria e piano, bateria e acordeão”. Ficamos agora a saber na integra, e a ouvir em disco, os músicos João Barradas no acordeão, Azar Azar nos sintetizadores, Eduardo Cardinho no vibrafone, Sérgio Carolino na tuba, Gileno Santana no trompete e Francisco Sales na guitarra eléctrica. Sucedendo, na discografia autoral, a Raku (2011), no formato de trio com o piano de Telmo Marques e o contrabaixo de António Aguiar (aka Togu), e que mereceu reedição pela Jazzego em 2024. 

Um longa duração de 16 faixas que logo a abrir, em “Hi”, faz menção a um conselho — seguir o caminho próprio, sem dar ouvidos a alguém, fazendo o que mais se gosta, às coisas favoritas. Danin, nessa mesma entrevista ao ReB, apontava: “Quero ser um espírito livre”, a propósito deste mesmo disco. Aí fica a expressão explícita, na voz de Rick Rubin e dispensando autocolantes na capa. Sim, o productor Rubin que nos legou em testemunho The Creative Art, voz tutelar que Danin volta a samplar para o épilogo “Bye”. O miolo, os temas em diálogo da omnipresente bateria de Danin, escutam-se e escorrem amparadas por essas linhas mestres da liberdade autoral. 

Parece, com isto, um disco feito de conceitos, e por isso cerebral, mas de pronto se passa para o campo da fruição emotiva da música, num convite à dança em muitos temas. Talvez a excepção esteja no fole de Barradas e nas cordas de Sales. Barradas que empresta invariavelmente a abstração, que combinada com a desenvoltura rítmica de Danin aproximam “French Trouble” de um regime livre, verdadeiramente sem amarras. Por diante há muito groove a pulsar, mesmo quando se volta a encontrar com os botões irrequietos de Barradas em “The Fill”, onde o pendor e balanço é acentuado. O mago Azar Azar entra de novo em cena nas criações rítmicas de Danin, e depois da remistura feita num dos temas na reedição de Raku é convidado a fazer de “Laid Feel” um algo mais que se escuta de maior identidade nesse jazz-não-jazz que se tem edificado por perto. Um testemunho que se sente bem vincado em “Moogalhadas”, no qual entra em discurso directo Frank Zappa, a propósito de uma certa visão da música para lá do “quem vende o quê”. 

Quando se juntam dois mestres nas baquetas, parecer haver mais que um diálogo a quatro mãos, e assim discursam Cardinho e Danin. O que começa frenético num “Ping Pongs”, recebe-se adiante em  afago nesse embalo que se torna “Quiet Caju” e tem em “Freaking Dialogs” uma conversa timbrico-rítmica desmedida. Um disco onde o ritmo é fundamento e será por isso que sempre que nele os dois percussionistas se encontram há um estímulo suplementar. 

Danin chama à conversa também a vitalidade dos sopros, dos graves da tuba de Carolino aos agudos da trompete de Santana. Temas ligados a geografias sonoras tão distintas como “New Orleans”, onde a tuba percorre livre as avenidas até deixar de se escutar ao longe; ou quando tudo se precipita em “Speedy Horn”, com a trompete a seguir as palavras debitadas sobre música, velocidade e jazz pelo baterista Will Calhoun. “Racing Tubas” torna-se infinda na desbunda quando do sopro da tuba surge o inesperado som, mais uma inventividade de Sérgio Carolino. As cordas conjugadas com a bateria aparecem em dois diálogos, com a guitarra de Francisco Sales a notar-se de amplas paisagens, em “Stellar Ocean”, e de discursos incisivos, na mutante “Feng Fang Shui”, onde a bateria se vai tornando um instrumento de amparo efectivo. E volta-se ao diálogo de Barradas e Danin para dar conta de um tema de enorme encanto e filigrana com “Popularities”. 

Um registo a que se vai querer voltar pelo testemunho, tema por tema, por si mesmos. Um valioso repositório de diálogos. Haverá dias que uns falarão mais alto que outros, num disco que pode ser posto a rodar numa escuta de principio ao fim, como muito bem ser tirado da prateleira para um par de escolhas muito a propósito. Onde se escuta por inteiro a vontade e a intenção de ter acontecido assim mesmo.


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