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Fotografia: Geraldo Ferreira
Publicado a: 07/05/2024

Do jazz ao drum and bass.

LANA GASPARØTTI: “O álbum tem um bocadinho do que eu gosto de ouvir e tento colar isso tudo de uma forma coesa”

Fotografia: Geraldo Ferreira
Publicado a: 07/05/2024

Sentia-se algum nervosismo jovial na entrega de LANA GASPARØTTI durante a nossa entrevista junto à Fonte Luminosa. Tanto o seu estado de espírito como a localização escolhida não são de estranhar. Foi apenas este ano que esta artista natural de Lagos editou o seu primeiro projecto, Dimensions, electrificante álbum de estreia que funde ambientes que vão desde o acid jazz ao drum and bass. Está agora a apresentar-se oficialmente ao mundo, portanto alguma inquietação é perfeitamente compreensível. E à semelhança da Fonte Luminosa, nota-se à distância a imponência do trabalho da pianista e band leader

Dimensions abriu as portas para uma nova dimensão na vida de GASPARØTTI, consagrando um talento anunciado. De forma a descobrir mais sobre este projecto e escapar ao tórrido calor da capital, o Rimas e Batidas refugiou-se na esplanada de um pequeno quiosque da Alameda para uma conversa com a artista algarvia sobre as origens do álbum, os colaboradores, a sua edição física e um concerto muito especial para a artista no mesmo dia que o seminal grupo francês Air.



Em 2023 lançaste os teus dois primeiros singles, “Mar” e “Something in my way”, embora essa segunda já andasse a marinar há alguns anos. Quando é que surgiu a ideia para o álbum?

A “Something in my way” já existia numa versão mais demo na Internet e depois decidi tirar para não ficar a versão antiga. Na verdade, isto já era processo de álbum, mas primeiro achava que seria um EP. Já tinha várias músicas, todas elas já existem há algum tempo, são processos em construção. As primeiras que consegui ter prontas foram a “Something in my way” e a “Mar”. 

Nos créditos do álbum vemos o nome de Rafael Correia (Sickonce). Como é que chegaste até ele?

O Sickonce convidou-me para dar aulas na ETIC em Faro, ele é professor lá. E depois daí surgiu a ideia de: “Ele tem um estúdio, é produtor, podia trabalhar comigo.” Ele aceitou e a nossa conexão foi imediata. Eu dizia da minha maneira leiga e ele percebia logo o que é que eu queria. Eu tenho a parte da escola de harmonias e acordes, mas não tenho a parte da linguagem técnica do som. Ele percebeu a minha visão e o que é que eu queria, e foi super fixe trabalhar com alguém assim.

E em relação à tua banda, de que forma é que eles te ajudaram no processo de construção das músicas? 

O Sebastião Bergmann e o João Segurado são da parte inicial da banda, já tocam comigo desde 2017. Mas depois o João Segurado foi viver para a Holanda e eu arranjei outra pessoa, que foi o Pedro Barroso, a partir de 2021. Nos primeiros temas eu fiz uma demo no computador e não toquei a bateria, peguei num sample de drum and bass que é sempre igual. A “Something in my way” é uma dessas demos antigas. A forma de composição que ando a fazer agora, [em músicas] que ainda nem saíram, sou eu a pensar numa melodia, numa harmonia, numa direcção para onde é que poderia ir e que tipo de ritmo. Apresento em ensaio e gravamos uma espécie de jam. E, às vezes, daqueles 15 minutos de jam e de inventar tudo e mais alguma coisa se calhar nada interessa [risos], mas há para ali um minuto que é interessante. E pegamos nesse minuto, começamos a explorar em conjunto e cada um dá a sua parte pessoal, eles adaptam à sua maneira de tocar. Mas o input inicial costuma ser sempre meu.

Tens umas grooves na “Dimensions” que lembram qualquer coisa saída do universo sonoro dos MSTRKRFT e o belo caos de “Missing Files” traz-nos à mente Flying Lotus. Quais foram as tuas influências para este projecto?

As músicas são muito diferentes. Há umas mais hip hop, outras mais acid jazz. Por exemplo, na “Dimensions” a minha referência é Jamiroquai. Mas depois tenho coisinhas de KNOWER, Max Ox ou Hiatus Kaiyote, Air também. E todas as músicas têm um easter egg, uma brincadeira qualquer. Na “Mar” tenho a interferência do telemóvel, eu digo “the waves come and go”, podem ser ondas do mar ou outro tipo de ondas, e achei piada a essa referência. Os meus gatinhos aparecem na “Dimensions”. Na “Goji” ouve-se uma voz de uma criança que sou eu num vídeo do meu pai que encontrei, em que digo “podemos comprar uma Barbie por 100 escudos”. A “Missing Files” começa com um barulho crescendo que na verdade são samples do pinball do Windows XP. Este álbum é super pessoal, porque tem essas coisinhas. Quem sabe, sabe. Quem é desse tempo e quem se lembra e sabe desses barulhos e conhece essas coisas. Eu sou desse tempo, eu sou old school [risos].

Porquê esse factor nostalgia? Actualmente observamos um revivalismo dos anos 2000, foste influenciada por isso ou é uma questão pessoal?

É o meu próprio revivalismo. Daqui para a frente já não quero fazer esse tipo de coisas, mas como há coisas que vêm de antes — a “Goji” já vem da universidade — achei bem pôr tudo o que tivesse a ver comigo e com a minha vivência.

Disseste que Dimensions “representa uma viagem introspectiva”. Em momentos como “Goji” ou “Skit”, sentimos alguma dessa introspecção. Mas a música é bastante extrovertida, explosiva e aliciante. De onde vem essa introspecção?

Vem de mim, mesmo essas músicas que são mais alegres podem não ser introspectivas a nível musical mas a nível mental. A “Something in my way” ou a “Feel” têm ritmo, têm andamento, mas todas aquelas melodias que aparecem são bué dreamy. Mesmo tendo uma batida mais dançável, sinto que esse lado também está lá. Sou eu a afirmar-me ao mundo, a mostrar quem é que eu sou de um ponto-de-vista musical. 

És tu a mostrar-te ao mundo mas também a fazer uma viagem interna a perceber o que é que tu queres mostrar ao mundo.

Sim, como é que eu cheguei até aqui, como é que foi este meu processo. Como é que eu comecei a tocar piano em miúda, no clássico, a cena de ter de estudar e depois, no jazz, de não querer fazer nada disso, de seguir esse lado mais académico, mas querer fazer uma coisa minha, uma coisa que eu goste. Também oiço muita música, e no fundo este álbum tem um bocadinho do que eu gosto de ouvir e tento colar isso tudo de uma forma coesa, seja com harmonias, seja com som. Acho que também tem a ver com isso. 

Vais lançar a edição física pela Now Jazz Agora, editora fundada pelo Rui Miguel Abreu. Como é que surgiu esta parceria?

Surgiu através do Rafa [Sickonce], eles são muito amigos, já se conhecem há muito tempo. E também porque há toda uma história. Mazarin é a primeira banda que faz parte da label e as histórias do projecto LANA GASPARØTTI e de Mazarin são muito parecidas, temos o mesmo percurso. Começámos por gravar no Camaleão, em 2021. E tivemos o mesmo tempo de anhanço [risos], só agora é que lançámos os nossos trabalhos. E ambos fomos trabalhar com o Rafa e o Diogo e a mesma masterização do Hugo Santos. Foi trabalhado no mesmo estúdio e tivemos a mesma história, há alguma parecença, mas são trabalhos diferentes de sonoridades diferentes. Somos bandas parceiras, da mesma onda.

O que é que esta edição terá diferente da edição digital?

Vai ter duas bonus tracks, uma música nova que já ando a tocar ao vivo, mas que ainda não está produzida, e um remix de uma música que já saiu no álbum. 

Em relação ao remix, como é que foi remisturar um trabalho teu?

Foi fixe, porque de repente [percebi] que esta música podia ir por este caminho. Posso revelar o estilo musical, vai ser um drum and bass, aquele 90’s jungle mesmo assumido, espacial. 

O teu talento tem aberto portas, sendo a mais notória o facto de fazeres parte da banda do Pedro Mafama ao vivo. Como é que isso te tem influenciado a nível da tua música, olhas para as coisas de forma diferente? 

Com o Mafama tem sido uma aprendizagem incrível. É o primeiro projecto de que eu faço parte que tem uma equipa a tratar de tudo, da logística toda. E ter oportunidade de tocar com ele é tocar para muita gente. A nível musical também é super interessante porque é uma onda muito diferente da minha e também me dá essa skill de tocar este tipo de música mais cigana, de onda mais árabe. Ele ainda me dá algum destaque ao vivo, eu faço os solos, e é muito fixe, [e perco] um bocado o medo de tocar em palcos assim tão grandes para tanta gente e ter aquele momento de destaque. Vá lá que não sou eu que tem que falar com o público, isso descansa-me [risos]. Eu já toco há muitos anos com várias bandas mas sempre fui aquela pessoa que está lá atrás, nunca fui a band leader. Isto é um processo.  

E além de tocares com o Pedro Mafama e Femme Falafel, em que outros projectos é que estás envolvida neste momento?

Estou a tocar com os Plasticine, uma banda do Algarve, Panda Collective e também ando a fazer algumas colaborações. Recentemente toquei teclado em duas músicas do novo disco da emmy Curl, foi interessante. E tenho tido algumas coisas soltas, de vez em quando dou um concerto de música clássica contemporânea com sintetizadores com dois projectos: um chama-se Versátil Ensemble e fazemos um espectáculo para crianças que é o “Malvico Sarapico”. E fiz parte de um projecto da Androidinópolis, que é de um compositor de música contemporânea, o Jorge Salgueiro. Também me convidaram para tocar com os Bahamas Soul Club, que é uma malta que toca música cubana. Vou aceitando várias coisas, também gosto dessa parte mais versátil e de ganhar mais skills enquanto pianista.

O teu próximo concerto será no Ageas Cooljazz, no dia dos Air. Como foi para ti receberes essa notícia? 

Ainda estou a processar. É bué fixe terem-me convidado para o Cooljazz e acho que fica bem eu ser a banda que vai abrir para os Air porque é o que tem mais a ver [ao nível] de estilos. E eu sou mega fã, gosto mesmo deles. É uma inspiração muito grande, eu cresci a ouvir Air. Eu tinha a parte da escola de estudar clássico, mas quando não me apetecia estudar as peças do clássico, apetecia-me brincar ao piano. E para mim brincar ao piano era ouvir música e tentar sacá-la de ouvido. E a minha mãe comprou o Moon Safari quando saiu, e eu lembro-me de tentar sacar o álbum todo. O Virgin Suicides, do filme da Sophia Coppola, bateu-me mesmo na minha adolescência, também ouvia imenso [a banda sonora] e tentava tocar essas músicas. E numa das minhas primeiras bandas no secundário fazíamos covers de Air.

Se eles te convidassem para tocar uma música com eles, eras capaz? Que música é que gostavas de tocar?

Meu Deus… Adorava, mas tinha de estudar antes! Adoro a “La femme d’argent”, a primeira do álbum. E essa dá mesmo para ir para vários caminhos. 


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