Vinil / Digital

Mazarin

Pendular

Now Jazz Agora / 2024

Texto de Adailton Moura

Publicado a: 02/05/2024

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A Europa tem dado um frescor ao jazz. Longe de mim decretar a morte do que é produzido pelos estadunidenses, mas é do continente europeu que têm surgido experimentos interessantes. Porém, engana-se quem acha que essa produção jazzística contemporânea está sendo exportada para o mundo somente a partir da Inglaterra. Podemos dizer que lá está a maior quantidade de jazzistas por metro quadrado, mas esse jazz moderno e diferenciado tem sido feito também na Suíça (Okvsho), Budapest (Jazzbois) ou Portugal.

Na terra do fado, o gênero ganhou um tempero interessante, agridoce, com a Mazarin. É verdade que desde a sua formação, em 2018, a banda passou por transformações estéticas. Se pegarmos o primeiro EP do agora quinteto, actualmente composto por Léo Vrillaud (teclados e sintetizadores), Vicente Booth (guitarra), Francisco Bettencourt (saxofone alto e flauta), João Spencer (baixo) e João Romão (bateria e percussões), podemos observar algumas influências do jazz UK, tendo a guitarra como base das guias, com pitadas de psicodelia, e se aproximando bastante de texturas usadas por Mansur Brown e BADBADNOTGOOD. Porém, eles mudam a rota no álbum que marca sua estreia, Pendular, editado pela Now Jazz Agora

Essa mudança é considerável, não radical. Mas traz nuances que mostram a verdadeira identidade da Mazarin, que não segue um padrão. Os elementos que formaram suas características estão ali. No entanto, a inserção de camadas extra deu mais intensidade aos sons. Comparando a banda com o seu próprio passado, nota-se uma evolução significativa. A maturidade trouxe também a expansão de possibilidades a serem exploradas.

Ao longo dos quase 49 minutos, divididos em 8 músicas, o ouvinte é apresentado a diferentes perspectivas. Há uma fusão de cores, que te faz querer saber o que pode vir a seguir. Um exemplo é a sequência “Deuses e Tolos”,  “Dallas” e “Chester”. A primeira possui influência do fado, apesar de não deixar isso muito claro. A poesia ao jeito slam de Gil Dionísio acalenta os ouvidos, principalmente pela forma que ele interpreta, que mescla o canto com a fala. Ela poderia ser uma introdução, e é o que parece ser inicialmente. Mas surpreende, inclusive com os vocais de SOLUNA e as mudanças na cadência. As duas que vem na sequência seguem linhas distintas. Uma é levada por beats eletrónicos e sintetizadores, dando uma pitada de pop alternativo e incentivando o corpo a sair do lugar. A outra leva as ideias para ambientes diversificados, tendo em consideração que se divide em dois temas — começando com uma certa densidade, e na virada tornando-se mais intenso.

Na segunda metade do disco, as experimentações se mantêm. É essa vontade de sair do habitual que torna a música da Mazarin interessante. Não existe uma receita. Eles só seguem. Assim como no início, o lado B possui tonalidades inesperadas. “Colours” é alucinante. Mesmo o título entregando o que pode se encontrar ali, logo você é impactado pelas transições que acontecem sem aviso prévio. Se os DJs estavam à procura de algo para tocar na pista (e na rádio), esta é uma ótima opção. Obviamente, Sara Badalo dá um brilho. Talvez se fosse só o instrumental não funcionaria tão bem. Por outro lado, dá que pensar o porquê dela ser interpretada em inglês. Pode ser que soasse diferente se fosse em português. Mesmo assim, ficou a curiosidade (e a vontade) de saber como ficaria na língua mãe, até para manter o sentido, levando em consideração que as outras duas que possuem voz foram feitas em português. Porém, esse é um mero detalhe.

Tirando mais uma carta escondida na manga, para ir além do que se esperava, Rodrigo Brandão faz uma ode à trompetista jaimie branch em “R.B – j.b”. A narrativa dele, que contém referências do rap, não só complementa o instrumental. Faz parte dele como um instrumento que entra em momentos específicos. “Caçadores” parece seguir por um destino, porém, muda de trajeto. Primeiro, eles inserem solos de acordeão, deixando a sonoridade mais cativante. Depois, calibram o GPS novamente para chegar a um lugar encorpado por batidas carregadas, potencializando ainda mais o som. 

Toda essa diversidade intriga quem ouve pela primeira vez. Mas quando “Meia Cura” termina, sempre vem o convite para ouvir novamente. Pendular é assertivo porque dificilmente será descartado rapidamente. Não tem como abandonar no meio do caminho nem deixar de lado após ouvi-lo. É marcante, diferenciado, moderno e instigante.


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