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Fotografia: Marta Bento
Publicado a: 10/10/2022

Na Cultura em Expansão.

Holland Andrews na Associação de Moradores do Bairro da Bouça: sem medos a abraçar o destino que nos é cantado

Fotografia: Marta Bento
Publicado a: 10/10/2022

A música pode ser ouvida num determinado local, mas levar-nos para outros longe desse mesmo onde a escutamos e vemos acontecer. Talvez até seja esta uma das maiores vontades que temos quando colocamos um disco a tocar ou vamos a um espectáculo. Assim foi na passada terça-feira, dia 4 de Outubro, com a subida ao palco na Associação de Moradores do Bairro da Bouça, no Porto, com o concerto para voz, electrónica e clarinete de Holland Andrews (que em Maio deste ano lançou o EP Forgettings pela LEITER).

“Isto vai ser um concerto calminho, vocês têm que ficar separadas lá dentro”, sugeria, para um conjunto de crianças que brincavam por entre os presentes, alguém com funções de curadoria do evento. A voz seria o instrumento primordial a escutar e, para tal, às outras vozes pediam-se ouvidos apenas. 

Andrews surgiu na dianteira do palco, sentada em frente do que viria a ser, mais adiante, a sua mesa de comandos. Mas nesse primeiro excerto sonoro, a capella, vocalizou a atmosfera sonora emanando espectros que nos faziam sair dali para paisagens vistas do alto, de colinas e descampados com manadas em transumância. Mais adiante recentrou-nos de volta com um perceptível: “Come back into your body…” Mas a atmosfera está em expansão e esse regresso já estaria comprometido para tantos de nós. Ao desempenho vocal é associado, como em condução maestrina de si mesma, um gesticular comando pelas suas mãos e, nas costas da mão direita, pode ler-se “Mr. Love” — todo um claro propósito. Sem que existisse uma quebra sonora ou interrupção de aplausos, e a prestação haveria de ser quase contínua, Andrews passou para o outro lado da cena e levou consigo o microfone.      

Dali em diante seria aos comados da mesa de manípulos e dispositivos electrónicos vários que modelaria a sua prestação vocal. Dois microfones uma mesa de toalha (negra) posta a propósito, para servir antes mesmo do jantar toda aquela música. E aquela mão impregnada de amor continuaria a conduzir o andamento… São vozes, de animais, neste caso, as que surgem da sua multifacetada capacidade vocal e que se vão colando em camadas que nos deixam em pradarias, que podem até ser marinhas. E a comparação com as atmosferas de Ece Canli é inevitável. Talvez até por esta performer sonora estar entre os presentes ou porque estamos no Porto. Quer dizer, nesse momento estaríamos já bem longe daquele lugar. 



Eventualmente, o vento apareceria como elemento dominante da prestação e aquele efeito monofónico de uma tonalidade dominante, que designamos por “drone”, tornou-se recorrente na progressão maquinária do concerto. “How many days did you wait to be free?” em estilo palavra dita foi solto no que já se tornava uma catarse sonora em avançado estado de camadas sobrepostas. A prestação vocal foi amparada por efeitos de dissonâncias e ressonâncias recorrentes. Estamos dispostos a abraçar aquela sonoridade, vulneráveis à emoção produzida em palco, e Andrews comandando as operações, sabendo bem o que estava a acontecer deixa sair um: “… don’t be scared…”, dando-nos conta do seu estado de consciência. 

“It’s no accident that you’re here to hear me”, referiu mais adiante, já numa tendência sonora com a ideia de nos devolver ao nosso lugar. Havia um propósito assumido de comunhão entre os presentes. E na única pausa que se sucederia confessou-se surpresa e muito agradecida pela audiência que pressupôs que a escutasse pela primeira vez. E por isso não se importa de voltar a ser o alter-ego Like A Villain, regressando ao What Makes Vulnerability Good (álbum de 2019) e, entre aplausos, experimentou o som do clarinete para depois o usar como suplemento sonoro. Seria até ao final a vez de a voz ser hiperventilada pela palheta e madeira ressoante de um novo “velho” instrumento. E as tonalidades mais jazz e até mesmo klezmerianas de um Giora Feidman vieram à superfície.

Num registo mais profundo e visceral que até então trazido ali, levou-nos até final em nova ascensão sonora. E termina em assunção redentora com uma explícita declaração de que: “I know nothing, all we know is nothing”. Soubemos pelo menos onde nos levou Holland Andrews desde aquele lugar ao entardecer: a lado nenhum e a todo o lado.


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