Faro despertou esta sexta-feira uma cidade em pleno ritmo e ambiente de festa, culpa do grande evento anual da cidade que está a decorrer pela sétima vez: o Festival F. O primeiro dia entusiasmou quem lá passou, fruto da imensidão de concertos e, sobretudo, da animação pela primeira vez em três anos devido à crise pandémica que restringiu os diferentes tipos de eventos sociais.
Se o primeiro dia serviu para “tirar a ferrugem” dos mais destreinados, a proposta de cartaz para o segundo dia do F prometia o mesmo que a anterior só que com protagonistas bem diferentes espalhados pelos novos palcos deste festival: diversão, convívio e descoberta de novos artistas lusófonos.
Sem mãos a medir face à densidade desta programação (fossem todos os problemas este!), a primeira visita da noite recaiu sobre um palco que não havíamos explorado no dia anterior: o Palco Arco. Por lá, num dos segredos mais bem guardados deste F, a vista é absolutamente deslumbrante, num dos pontos mais afastados do coração deste centro histórico, com a icónica Ria Formosa ali à mão de semear num ambiente já nocturno que acaba por não fazer jus a todo o potencial desta paisagem (dica: o entardecer no Palco Arco, sede da Associação ArQuente o resto do ano, é indispensável numa visita a Faro). Por lá, a música para esta noite ficou a cargo de Gijoe, credenciado DJ algarvio que apresentou um set munido de hits, hidden gems e clássicos do rap mundial que entreteve alguns dos hip hop heads presentes — e até os menos inseridos na cultura se divertiram e ficaram bem “quentinhos” para o resto da noite pelos outros oito palcos deste festival.
Depois deste warm-up em que Gijoe ia fazendo questão de deixar tudo em “pratos limpos”, fomo-nos encaminhando para o novo Palco Magistério, que até ver tinha entusiasmado face aos belos concertos do dia anterior de Lhast e Pedro Mafama. O segundo concerto da noite neste palco ficou a cargo de benji price. O multifacetado artista subiu a palco pela segunda vez este ano em Faro, e desta vez numa apresentação mais arrojada e ousada a nível musical por vários motivos, mas já vamos lá. Quando o relógio marcou a meia-noite, não só foi sinónimo de um novo dia, mas também de ordem para chegar à frente e aproximar do palco para acompanhar bem de perto o concerto do membro da extinta Think Music. O autor de ígneo apresentou-se em palco com uma banda composta por um baterista, dois guitarristas e um teclista e, desde o primeiro segundo do concerto, que a proposta ficou bem evidente: apesar das raízes e bases bem electrónicas e próximas do rap, o público do F foi agraciado com uma versão totalmente instrumentada – não é novidade, são vários os rappers a adoptar este formato – mas neste caso com uma sonoridade mais agressiva e intensa, próxima de um rock mais ligeiro. Aliás, para alguns dos desconhecedores da arte de benji, certamente se surpreenderão se perderem alguns minutos a explorar a sua discografia. O espectáculo trazido a palco por benji é, sem sombra de dúvida, ousado e é um produto bem distinto da versão original dos temas, daqueles que fazem qualquer dos seus fãs mais curiosos sair de casa para escutar bem de perto e tirar as suas ilações. No caso de quem vos escreve, saímos com entusiasmo porque é sempre interessante este conceito de “arte em movimento”, ter o próprio autor a reimaginar as suas canções em conjunto com alguns músicos abre um leque infinito de texturas e possibilidades para transpor em palco. E uma coisa é certa: para escutar este benji, só em carne e osso.
Todos estes arranjos ficaram bem patentes em temas como “24” e “Xpidi”, com uma versão bem mais pesada e rock do artista, com momentos inovadores e não gravados de solos de guitarra – um destes é o conhecido produtor Splinter. benji trouxe o seu “Pó de Cosmos” ao palco Magistério e para a fórmula ficar completa, xtinto subiu a palco para debitar as suas sempre densas rimas com auxílio de alguns fãs aguerridos que iam compondo a moldura humana ali presente, com várias dezenas de pessoas, números interessantes considerando que à mesma hora os HMB estavam também em palco, mas no RIA. Entre temas do seu álbum de estreia a solo ígneo e o projecto colaborativo SYSTEM com ProfJam, o concerto de benji soava de faixa em faixa como uma verdadeira experimentação musical e era com bastante entusiasmo que vários dos presentes aguardavam cada tema para poderem desfrutar do espectáculo preparado por ele. Um dos momentos altos do concerto fica reservado para a recta final do mesmo, que depois de “Tribunal” e “Finais” fechava com chave de ouro com o regresso do companheiro xtinto a palco para o aclamado “Éden”, com uma plateia em êxtase a acompanhar cada momento do tema para felicidade e gratidão dos protagonistas. Nota para a participação de xtinto, a encaixar que nem uma luva nesta sonoridade trazida por benji, que chegou, viu e venceu, conforme proclama no refrão da faixa cinco do seu álbum de estreia – “Veni, Vidi, Vici” – lançado este ano.
Depois destes cerca de 50 minutos de concerto de benji, estava na hora para um dos grandes momentos da noite, reservados para o Palco Sé, pisado ontem por NENNY, que deixou a fasquia lá em cima: T-Rex. Com uma plateia bem composta, a Sé de Faro recebeu um dos nomes mais quentes e importantes do momento no rap português; e o autor de CASTANHO entrou determinado em vincar bem lá no alto o seu nome, depois de um humilde pedido para “poder partir o F ou não”. É certo que a partir daí o rapper se agigantou à dimensão do dinossauro que (não) é – um verdadeiro tiranossauro que deixou a marca das suas patas bem vincadas no Palco Sé, tal era a energia e intensidade que trouxe a palco. Aliado a tudo isso, a performance do próprio artista foi absolutamente imaculada e sem recurso a grandes ajudas vocais, apenas a espaços para participações nos momentos mais adiantados do espectáculo pelos seus irmãos da Mafia73. Foi salpicando a sua actuação com o seu Chá de Camomila e ai de quem se aproximasse porque o palco estava verdadeiramente a escaldar, principalmente para o hit “R&Bs, R&B$”, mas o foco estava no seu novo trabalho, CASTANHO, do qual apresentou diversas faixas, recebidas com muito entusiasmo e carinho pelo público da Sé.
Ao centro de uma banda composta por DJ, teclista e guitarrista, T-Rex foi deslizando como só ele sabe entre 2016 e 2022 e fez questão de deixar bem patente que, apesar da sua versatilidade nos últimos anos, a fasquia e exigência em palco esteve sempre no topo. As primeiras filas da plateia estavam recheadas de energia e exemplo perfeito disso foram os temas em que fizeram questão de acompanhar a plenos pulmões as batidas mais trap recheadas fossem de métricas complexas, duplos sentidos ou refrões bem wavey que o artista da Virgin Records nos foi habituando. Como o próprio proclamou, o “Feeling” deste Palco Sé estava bem “foda” e, para não arredar pé, o rapper fez questão de trazer o seu néon a palco em conjunto com o rapper Pimp William, que apareceu para debitar a sua sixteen, antecedendo a entrada do resto da sua crew, a Mafia73, ficando o palco em chamas com toda a cumplicidade e intensidade que trouxeram.
Depois disso, Faro viu que “É Assim” que T-Rex se comporta e, com um suplex que orgulharia Brock Lesnar, virou a plateia de cabeça para o ar com este grande hit, dando depois ordem de tranquilidade, ao lentamente entrar na recta final do concerto, dando “Tempo” à plateia para cantar de forma efusiva e sentida a faixa que divide com LON3R JOHNY, Bispo e FRANKIEONTHEGUITAR. A partir daqui o ritmo do concerto escalou para níveis estonteantes, com o entusiasmo e felicidade da plateia a predominar mal os primeiros segundos de “Anti-Antes” se fizeram escutar, e a sua performance foi, diga-se, sem deslizes! Esses ficaram para as centenas de pessoas ali presentes, que não só deslizaram e aproveitaram para replicar alguns dos passos que T-Rex ia fazendo em palco, assim como saltar e abrir os já habituais moshpits. Quando o auge da euforia parecia ter sido alcançado, T-Rex fez soar o seu maior hit – “Tinoni” – e a urgência para saltar, gritar e cantar em uníssono de quem por ainda lá estava — uma parte da plateia havia-se deslocado para o concerto de Richie Campbell, sobreposto a este. Só não se sobrepôs ao azul e vermelho do “Tinoni” de T-Rex porque o brilho deste fez questão de ofuscar tudo isso com uma performance impecável, como um verdadeiro fish no oceano de gente ali presente no F.
Mal encerrado este concerto que levou o fôlego de grande parte da plateia face a toda energia e vibração despendida, estava na hora de sair do oceano de T-Rex e entrar na RIA de Richie Campbell, que actuava no maior palco do Festival F, bem junto à Ria Formosa. Um dos artistas principais da Bridgetown, apresentou-se em palco com uma banda extremamente versátil e multifacetada composto por três cantores de apoio, baterista, dois teclistas, trompetista, guitarrista, DJ e a lista continua. Uma estrutura ao nível estelar que é o mínimo a que Richie nos tem habituado sempre que pisa os palcos um pouco por todo o país ao longo de vários anos. Numa fase da carreira totalmente firme e solidificada, o artista foi chutando clássicos atrás de clássicos durante este que foi um dos momentos altos do festival até agora, bastante celebrado e sempre acompanhado pelos milhares de fãs presentes, ali mesmo à sua frente, como é o caso do “puto Cristiano” que, num entretido momento de interação de Richie com o público, trouxe este jovem fã a palco para cantar a meias o refrão de “Slowly” com ele. Os holofotes foram também partilhados com o colega de label, Yuri NR5, que trouxe as texturas e sabores de “São Paulo” até Faro, num momento bem mexido e dançante que levou toda a gente a cantar em uma só voz este refrão.
Grandíssima apresentação de um dos nomes mais credenciados e importantes nomes da actualidade musical portuguesa no segundo concerto desta noite do palco RIA, que encerraria com um mexido concerto dos Karetus.