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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 19/03/2020

No conforto do lar com LINCE, Filho da Mãe, Noiserv, Chico da Tina, Murta e Supa Squad.

Festival Eu Fico em Casa – Dia 2: plateias improvisadas, mojitos e MTV Cribs rural

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 19/03/2020
Às dezassete e trinta em ponto, uma notificação convidava a entrar. LINCE, pronta para a acção, segurava um telemóvel — diferente daquele que a gravava, e do qual disparava ainda a voz de Tiago Nacarato. “Muito obrigado! Última canção”; o tema prometido chegou tarde e já defrontou a esguia voz da artista multidisciplinar de Guimarães. A sua art pop, alimentada de sintetizadores profusos e devoção triste, lembra a estes ouvidos os momentos mais insulares de Kate Bush. Hold to Gold, primeiro álbum e prato forte deste concerto, não perece sob comparações. “Youth”, “What do You Wanna Know”, “Too Late”, “It Feels Like Looking at Sculptures”: um programa de franqueza em teclas, esculpido em mármore sonoro do bom. Enquadrado com preocupação: depois de Elisa Rodrigues, voltamos a ter um set provido de mise-en-scène (plantas sobre a parede branca, teclados a enclausurar um pullover turquesa). E palmas em magote, tal não é o volume que nos faz pensar que a quarentena foi rompida por visitas. Sem problema: é só o resto do condomínio, estacionado à janela — é a vida pessoal que irrompe de novas formas. “Parece que estou a dar um concerto, com esta claque toda”, prefacia as saudades pela performance de vida real. Não escasseia apenas a excitação da plateia, contudo: também não se validou o passe, não se exibiu a pulseira, nem se transpôs a cancela. E, ainda assim, um concerto de início a fim.

– Pedro João Santos


O guitarrista Rui Carvalho, mais conhecido por Filho da Mãe, viu os seus concertos em Coimbra e no Porto serem adiados ou cancelados. Numa fase que não tem sido fácil para ninguém, o Festival Eu Fico Em Casa subtraiu, mesmo que de forma temporária, alguma da distância que este isolamento (essencial) tem criado. Assim, o músico tocou-nos “uma espécie de ensaio caseiro”, palavras do próprio. E não se esqueceu de mencionar, em tom mais sério — que não compassou o resto da sua actuação –, e reflectir o contexto deste encontro e as razões para que nos encontrássemos todos ali. “Praia”, canção que cita esse lugar agora distante — ainda para mais em fase de contenção –, abriu este concerto. Achava-se impossível, no entanto, Rui Carvalho conseguir criar uma ainda maior proximidade e intimidade com quem o ouve. Não podíamos estar mais enganados. De guitarra nos braços, transportou a melancolia harmónica inerente à sua música, e das cordas fez soar melodias dedilhadas que nos moviam — acreditamos que a todos os que compareceram naquele “palco” — no mesmo comprimento de onda, tornando ainda mais difícil a indiferença perante o que toca. É possível que essa maior intimidade seja conseguida pela alteração nos elementos técnicos do concerto: normalmente o guitarrista dispõe duma série de pedais de delays, reverbs, e é a partir dos loops que nos hipnotiza. A simplicidade que caracteriza esta actuação (que é só tecnológica, já que o virtuosismo com a guitarra é-lhe inato), é um elemento diferenciador duma qualquer apresentação num CCB, Festival Iminente, Passos Manuel ou qualquer outra sala. Também é possível que essa familiaridade esteja relacionada com a nossa “presença” na sala de estar de Rui Carvalho, como se estivéssemos deitados no chão da casa do músico a beber mojitos: “Cláudia, o mojito está óptimo, salvaste-me a vida”. “Eu estou a gostar, o iPhone parece estar a gostar também”, atirou a certa altura, evidenciando a óbvia presença dum telemóvel a ligar-nos ao seu meio familiar e a clara ausência de assobios ou palmas característicos dum concerto “normal” (de quando a quando colmatadas por Claúdia Guerreiro), pontuando as claras diferenças que estão neste formato de actuação em directo. Filho da Mãe olhou principalmente para o mais recente trabalho, Água-Má, como já o tinha feito no CCB, umas das suas últimas actuações, mas não esqueceu temas mais sonantes como “Marcha de Pedra”, um dos seus temas mais ouvidos do antecessor Mergulho. É impossível que não nos lembremos da situação por que passamos: o próprio Filho da Mãe corrigiu-se ao tossir, reforçando que, para prevenir o contágio, devemos fazê-lo para o braço, mais concretamente para a zona dos cotovelos. O momento tirou-nos da imersão total, recordando-nos, por breves momentos, o valor que a música tem, mesmo nas alturas mais complicadas.

– Vasco Completo


Poucas actuações terão sido tão hospitaleiras quanto a de Chico da Tina. Ainda as primeiras notas de “Apresentação Interactiva” não se tinham feito ouvir e já o artista nos havia revelado uma boa parte das divisões de sua casa. Começou o directo na cozinha, alertando também ele para o momento delicado em que vivemos, curando a maleita com tragos de tinto, ao qual chama xarope anti-corona. Levou-nos até a uns dos quartos, onde encontrou Fredo da Tina, um dos seus mates, estendido na cama e abraçado a um garrafão de vinho — este é um produto farmacêutico que parece abundar em casa do rapper de Viana do Castelo. Por fim, ainda antes de começar a prestação, fechou-se com Fredo e João do Cepo, outro dos colaboradores, na casa de banho. Assim, no espaço de segundos, uma espécie de MTV Cribs rural, com direito a ornamentação tradicional e linguagem a condizer. Este contexto real faz parte de um imaginário que Chico da Tina — diminutivo para Francisco da Concertina — decidiu um dia materializar. Há aqui dois mundos que chocam de maneira sublime. O da personagem ligada ao campo e apegada aos costumes e às expressões que se distanciam dos paralelepípedos de betão e das grandes superfícies comerciais; e o da estrela trap com aproximações citadinas — a ligação às redes sociais para o directo a que assistimos é um mero exemplo — e uma linguagem que por diversas vezes visita as idiossincrasias do universo hip hop. Há o skate e os volumosos garrafões de vinho, a concertina e o altifalante Bluetooth, o fato de treino e o demarcado bigode, o regionalismo e a incontornável ligação aos Estados Unidos com um trap carregado de ad-libs. A força resultante está algures entre Quim Barreiros e os Migos, com Viana do Castelo e a Romaria de Nª Srª da Agonia a servirem de pano de fundo. Com algumas falhas relacionadas com o alcance da Internet em sua casa (“Fredo, daí uma patada no router”, pede a dada altura), obrigando a uma troca da casa de banho por outra divisão, Chico da Tina interpretou temas como “Freicken”, no seu particular e quase imperceptível palavreado, “Põe-te Fino”, com direito a remistura com balanço house e interminável introdução, “Deitei Tarde Acordei Late”, precedida de uns atabalhoados movimentos de breakdance, e, a encerrar, “Minho Trapstar”, na qual o músico explora aspectos do seu modos operandi e envolve tudo em articulados exercícios de auto-tune. Há tempo ainda para publicidade ao seu merchandising, o qual está disponível para envio isento do pagamento de portes. Destacam-se as variadas t-shirts — uma a representar o inferno, com a concertina e o garrafão de vinho em mãos; outra a aludir ao paraíso, de braços abertos em posição divina, e uma derradeira “de algodão e estampa fina” com o músico a exibir o triângulo equilátero de pêlos desenhado no peito. Em tempos de crise sanitária provocada pela pandemia da COVID-19, urge encontrar estradas alternativas que contornem o afastamento dos palcos.

– Manuel Rodrigues


“Quem canta seus males espanta”. Foi com este comentário de um membro da audiência virtual que Murta (“armado” com uma caneca de chá) nos recebeu cerca de cinco minutos antes da hora marcada. Admitiu-nos que era a primeira vez que fazia um directo, “nem sabia como é que isto se fazia”, e descreveu-nos um formato simples de piano e guitarra com que se predisporia a entreter quem ficasse por ali durante aqueles 30 minutos que se seguiam. O cenário era simples, à semelhança do que já deu para conhecer do cerca de dia e meio de festival a que tivemos a oportunidade de assistir: recebeu-nos no seu quarto e foi dali que às 21 horas, ao som da guitarra, começou com “Luna” sob promessa de se atirar da varanda caso chegasse aos 10 mil espectadores. Demorou uma música a lá chegar, mas, felizmente, a promessa ficou por cumprir. ”Respeitar” teve um momento caricato e inédito no festival que prova o carácter de improviso de toda a situação, mas ainda mais a eficácia da iniciativa. Apoiado nalgum móvel o telemóvel de Murta caiu de câmara para baixo deixando-nos sem som. Sem problemas: pediu desculpas, chutou para a frente e retomou do refrão. Fosse um qualquer palco para 12 mil com problemas técnicos destes e teríamos meia hora de atraso. Para quem não conhece o artista, Murta poderia bem ser um YouTuber ou um qualquer streamer desta nova geração. Conversa não lhe falta, à vontade tampouco e dicas como “se o som não estiver bom escrevam aí nos comentários” conferem-lhe esse carimbo jovem. Estranhou a falta de reacção sonora às músicas, algo que tem sido ponto recorrente em todas as actuações, mas foi lendo os comentários e respondendo aos fãs para que todos se sentissem bem. E ele também. No teste em formato acústico, o artista passou com nota positiva, não perdendo força nem expressão e ganhando pontos com a simplicidade da voz e guitarra. Com “Her”, o cantor mostrou-nos a cura para as maleitas que os últimos dias nos têm trazido e, nos outros temas, houve espaço e à-vontade para inventar e acrescentar elementos à melodia. Pelo caminho vendeu-nos o disco, que vem com uma semente de esperança para dias mais turvos, e fez aquelas piadas que certamente todos os alunos ouviram nas primeiras aulas online (algo como “podiam estar de boxers que ninguém ia saber”). Com “Saudade”, num tom positivo e ao piano, directamente do seu quarto em Samora Correia e com dedicatória para todos os profissionais de saúde, o autor de D’ART VIDA deu continuidade à onda positiva de toda a actuação. No fim houve tempo para perguntas e respostas e também para aquele momento constrangedor em que o artista tenta perceber como terminar o directo e gravar o vídeo. Mais um ponto para a iniciativa e para os artistas que dedicam o seu tempo e espaço para nos fazer sentir melhor.

– João Daniel Marques


O concerto de Noiserv era logo à partida um dos que suscitaria maior curiosidade, pelo menos para os que já conheciam a música de David Santos. Para estes, é já familiar a típica e complexa parafernália instrumental, com inúmeros teclados, guitarra, pedal de loop, e outros menos convencionais, como aquela câmara analógica a fazer de percussão. O normal… para Noiserv. Em formato caseiro, foi necessário reduzir a instrumentação da sua actuação.  Assim, por exemplo, “23”, do disco 00:00:00:00, de 2016, tema para piano e voz, assentou que nem uma luva nesta actuação mais contida. Ao mesmo tempo, “The sad story of a little town” do EP A day in the day of the days, ou a muito cantada “I was trying to sleep when everybody woke up”, do celebrado e premiado Almost Visible Orchestra, foram canções ouvidas num registo mais despido que o normal — respectivamente só com guitarra ou só com piano –, vendo as suas camadas subtraídas, sem loops, teclados e coros.  David Santos, curiosamente (talvez pela estranheza — confessou-nos no momento que nunca fez um directo no Instagram no qual tenha aparecido), pareceu mais nervoso neste concerto que noutras apresentações suas. Porém, para além dum pequeno problema técnico com o microfone, não houve nada a temer para Noiserv. Esse pormenor serviu para evidenciar um factor positivo dos concertos neste formato: nos comentários, as pessoas iam avisando o artista sobre esse problema técnico, dizendo que a guitarra estava a bater no microfone. E o músico atentou em tempo-real isso mesmo. Num concerto em sala seria inoportuno e muito incomodativo ter alguém a gritar, “O MICROFONE ESTÁ A FAZER RUÍDO, AFASTA-TE, DAVID”. Esse tipo de interacção nos concertos em directo são ambíguos porque também conseguem ser um elemento de distracção para quem está a assistir. Além disso, o próprio músico salientou a falta de palmas ou feedback da audiência, considerando que dificultam bastante a actuação. Lentamente chegaremos a melhores modelos. Noiserv aproveitou este bonito momento para tocar algumas das músicas que tem vindo a lançar, tal como “Neutro”, e para apresentar faixas inéditas (aqui adaptadas às suas versões “unplugged“) como “Parou” que sai dentro de semanas, e “Por Arrasto”. Não deixou, apesar disso, de pegar numa belíssima adaptação antiga que lançou da mítica “Where Is My Mind?” dos Pixies, o primeiro momento com batida na sua actuação. A única altura em que voltámos a ter um tema mais ritmado foi com uma viagem ao passado. “Bontempi”, do seu primeiro álbum, fechou o concerto numa solitária jam: percorreu os teclados que tinha pela sala, cantando o ritmo de valsa para um megafone, ao invés de dançá-lo. Nos entretantos, o artista explicou o que estava na génese das músicas, colocando em perspectiva o sentimento das mesmas. Falou duma emotividade activa assente na sua música, já claramente sentida para qualquer pessoa que a tenha ouvido. As actuações, em qualquer formato em que sejam concebidas, são, também por este tipo de interacções, essenciais para a relação entre artista e audiência. Sejam em pessoa, em stream ou por telefone, há sempre um elemento de ligação único e muito especial que o ser humano tem com a arte e consigo mesmo. E pudemos confirmá-lo, mais uma vez, com Noiserv.

– Vasco Completo


Contar com os Supa Squad nesta iniciativa pode parecer estranho, afinal, e à partida, os dois músicos teriam que se deslocar ao mesmo espaço para fazer o concerto, desrespeitando as recomendações que eles próprios advogam. Mas não poderíamos estar mais enganados: Mr. Marley e Zacky Man vivem juntos. E o duo conta com um novo álbum que quis apresentar aos fãs antes da actuação (que ainda está de pé) no Hard Club a 17 de Abril. Foi mesmo esse o mote deste mini-concerto improvisado, com um cheirinho de quase todos os temas a ser transmitido através do Instagram para os cerca de oito mil que estavam a assistir. Este foi talvez o palco mais profissional a que assistimos desde que tudo começou ontem à tarde. Num espaço amplo (e talvez por isso com mais reverberação do que o normal), luzes lilás a decorar, microfones e um set de colunas lá atrás, a dupla aventurou-se num espectáculo mais elaborado e apoiado em meios técnicos que não ajudaram – um pouco contra o que fez a maioria dos artistas e provando que, às vezes, menos é mais. O pedido do público para que largassem os microfones, por exemplo, não foi acedido, mesmo com as recomendações do primo Boss AC nos comentários. Mas não foi por isso que deixou de valer a pena assistir: houve snippets dos vários temas do novo álbum, que está completamente preenchido com participações. Os Supa Squad deixaram de parte as secções dos colegas e cantaram somente as suas, à excepção das colaborações com Carla Prata – “Problema” -, Nelson Freitas – “Donzela” – ou David Carreira – “Tu e Eu” -, que estiveram, mesmo que não fisicamente, presentes. Também em espírito, mas com direito a fotos e arte original, esteve a banda, representada no quadro branco no background. Foi uma óptima oportunidade para festejar em casa e levantar a moral — talvez até tenha servido como banda sonora para fazer exercício — ao som de canções como “Avé Maria” ou “É Tudo Nosso”.

– João Daniel Marques

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